Motéis beira de estrada ganham nova cara e são sucesso nos EUA
Os motéis dos EUA estão voltando aos bons tempos durante a pandemia. Antes associados a hospedagens ruins à beira de estrada e frequentemente figurando em filmes e séries de terror, esse tipo de propriedade (que nos EUA têm conotação muito diferente do Brasil) tem sido a preferida de muitos americanos em tempos de covid-19 e ganhou novo status.
Enquanto viagens de trem, avião e ônibus diminuíram no país desde março do ano passado, as viagens de carro aumentaram enormemente. Somente durante o verão, estima-se que mais de 680 milhões de viagens de carro (as famosas road trips) sejam feitas em território americano.
Justamente quando a maioria das pessoas pensava que a indústria dos motéis caminhava para a extinção, ela retorna com força total. E o setor hoje tem hóspedes muito mais jovens e até viajantes de alto padrão.
Afinal, nada mais prático nestes tempos de necessidade de distanciamento social do que ir direto do carro para o quarto, sem passar por grandes lobbies, elevadores ou cruzar com muitos hóspedes no seu caminho.
Quase um século de história
O primeiro "motor-hotel" teria nascido em 1925 na Califórnia, com estacionamentos individuais e entrada direta para os quartos. Mas é o Torrance's Alamo Plaza Hotel Courts, aberto em Waco, Texas, em 1929, considerado até hoje o primeiro motel de fato dos EUA.
Depois dele, não demorou para diferentes redes aparecerem e instalarem unidades do gênero em todos os estados americanos. Mas a história de amor de viajantes com esse tipo de propriedade não durou para sempre. Nas últimas décadas do século 20, boa parte dos turistas americanos já associava motéis a hospedagens de péssima qualidade, baratas nos quartos e tráfico de drogas. E filmes de terror, é claro.
Afinal, o simples letreiro de "vacancy" (quartos livres) à beira da estrada já provocou arrepios na espinha em muita gente depois de muitos filmes de horror, como Psicose, Temos Vagas e Identidade, terem este tipo de hospedagem como cenário principal. Séries feitas para a TV, como "Bates Motel", "Vampire Diaries" ou "Supernatural", também sempre colocaram os motéis como lugares assustadores.
Na década de 60, estimava-se que existissem mais de 61 mil motéis nos EUA. Em 2012, apenas 16 mil motéis tinham sobrevivido ao novo milênio (segundo dados apresentados no livro "No Vacancy: The Rise, Demise and Reprise of America's Motels", sem tradução no Brasil).
Mas a necessidade de manter o máximo distanciamento social nas viagens da pandemia acendeu o farol verde para alguns empresários da indústria da hospitalidade de que a reformulação dos motéis poderia cair muito bem nesses tempos. Estruturas originais foram redesenhadas, ganharam amenidades contemporâneas e têm visto a ocupação crescer todo mês.
Motéis feitos para as redes sociais
As grandes renovações em antigas propriedades aconteceram geralmente sem abrir mão do estilo meio vintage da decoração. Mas em muitos motéis tudo foi agora milimetricamente pensado para aparecer no Instagram, incluindo cadeiras de balanço suspensas, cantos de café charmosos, objetos modernos e cartela de cores pastel em móveis e paredes.
Muitos novos motéis também foram inaugurados nos últimos anos pré-pandemia e tiveram seu grande boom a partir do ano passado. São bons exemplos o Austin Hotel (em Austin), o Bluestem Hotel (Torrance), o Cara Hotel (Los Angeles) e o Spa City Motor Lodge (Saratoga). Todos se fizeram bastante presentes nas redes sociais nos últimos tempos e colaboraram significativamente para o crescimento das demandas do setor.
Independentemente do nome comercial adotado incluir ou não a palavra "motel", essas propriedades compartilham as semelhanças físicas dos corredores externos, poucos quartos, estacionamentos próximos, construções de um a três andares, e espaços comunitários.
São justamente esses fatores — que dispensam lobbies, elevadores e contatos pessoais em geral — que têm ampliado a sensação de segurança e controle para muitos turistas na pandemia. Mas internet de boa qualidade é obrigatória em todos eles, até porque parte significativa dos novos hóspedes tem ficado ali por períodos mais longos, trabalhando remotamente.
Alguns motéis têm hoje espaços de co-working, pequenas galerias de arte e até happy hour com vinho cortesia — tudo para atrair diferentes perfis de hóspedes e fazê-los se sentirem em casa por mais tempo. Alguns possuem até DJs animando espaços ao ar livre durante os meses mais quentes.
O californiano Hugo Rowe, de 23 anos, tem se hospedado em alguns motéis com a namorada nos últimos meses e se confessa surpreso.
Temos encontrado lugares lindos, que parecem os hostels mais legais da Europa! Mudamos completamente a ideia que tínhamos sobre motéis serem lugares bizarros e assustadores"
Demanda sem precedentes
Diversas propriedades do gênero tiveram um aumento de ocupação sem precedentes no período, atraindo novos públicos e chegando a ultrapassar em 200% os índices pré-pandemia.
A brasileira Marina Vidigal, que mora na Califórnia, se hospedou com o marido e os dois filhos pequenos em dois motéis americanos desta nova safra durante a pandemia pela praticidade.
No Silver Surf, em Anna Maria Island, na Flórida, gostaram muito da estrutura completa da cozinha para poderem comer em segurança no quarto. "O mais legal foi ter entrada privativa para a praia", diz Marina, que conta suas viagens pelo país no blog IdeiasnaMala.com. "Oferece também piscina para os pequenos e café da manhã para retirarmos e comermos no quarto", explica.
O Silver Surf tem se beneficiado da nova onda cool dos motéis americanos e, mesmo com preços mais altos que no pré-pandemia, já tem várias datas com reservas esgotadas até o final do ano.
Alta dos preços
Com tantas transformações, melhorias, novos serviços e demanda crescente, os preços dos motéis americanos também subiram consideravelmente durante a pandemia. Hoje, muitos começam suas tarifas em US$ 150 por noite (aproximadamente R$ 760) — e os valores podem ser facilmente o dobro ou até o triplo disso em regiões muito turísticas, na alta temporada.
Marina conta que ficou hospedada também em outro motel em Healdsburg, região vinícola de Sonoma, Califórnia, que era bastante simples e custou US$ 400 por noite.
"Alguns dos motéis estão cobrando hoje tanto quanto hotéis de alto padrão, o que não faz sentido", explica o americano Todd Keefe.
Mas temos preferido esse tipo de hospedagem durante a pandemia para evitar elevadores, corredores cheios e dor de cabeça", conclui
Nova safra, novos hóspedes
A nova safra de motéis americanos que fazem sucesso entre diferentes perfis etários e sociais de hóspedes — inclusive estrangeiros — inclui propriedades como o The Driftier (Nova Orleans), Amigo Motor Lodge (Colorado), Pioneertown Motel (Califórnia), Phoenix (São Francisco) e Anvil (Jackson).
Todos eles têm design meio hispter, meio vintage, e fazem sucesso nas redes sociais. Até motéis da icônica Rota 66 entraram nessa onda, como o Blue Swallow Motel, no Novo México, que passou por completa remodelação.
O estado do Texas tem tido uma das maiores demandas do setor no país. O Bunkhouse Group, após o sucesso do icônico Austin Motel na cidade homônima, lançou outros empreendimentos semelhantes na cidade e até em destinos normalmente associados ao turismo de luxo, como Jackson Hole.
O Valencia Hotel Group também inaugurou diferentes propriedades no estado, apostando não apenas nas viagens de carro da pandemia mas também nas memórias afetivas dos adultos de hoje que, quando crianças, se hospedavam em propriedades do gênero nas férias com os pais.
O engenheiro Todd Keefe, de Orlando, voltou a se hospedar em motéis na pandemia, após décadas sem fazê-lo. "Quando eu era criança, a gente ficava em motéis nas viagens para economizar. Eram lugares horríveis, mas tudo era diversão naquela época e guardo memórias lindas", diz. E completa:
Hoje, podemos viajar com nossos filhos para motéis que evocam essas lembranças, mas que felizmente oferecem toda a higiene, segurança e conforto de que precisamos"
Diversos hóspedes apreciam a segurança implícita no layout dos motéis e optam por fazer suas refeições no quarto, mesmo quando não há infraestrutura para cozinhar.
"Nós temos aproveitado para comprar cervejas artesanais, queijos e vinhos locais e até cestas de café da manhã de delicatessens premiadas nos lugares que visitamos. Assim comemos e bebemos muito bem no conforto e na segurança do nosso quarto", diz a professora Helen Bradenton, de Dallas.
Ela conta que ela e o marido sempre preferiram ficar em hotéis românticos e renomados, e viajavam quase sempre de avião. Mas na pandemia mudaram completamente os hábitos, passaram a viajar de carro e já se hospedaram em oito motéis diferentes desde junho do ano passado — incluindo o Austin Motel, no Texas, o preferido do casal.
Não se sabe se os motéis continuarão surfando essa onda por muito tempo. Mas, pelo menos enquanto durar a pandemia, esse tipo de propriedade deve continuar a receber um fluxo constante de viajantes ávidos pelo design vintage caprichado e por minimizar as possibilidade de contato com outras pessoas.
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