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Estátua gigante de mafioso da TV virou atração em antiga estação soviética

54º40?N, 25º17?L
Estação Central de Trem de Vilnius
Naujamiestis, Vilnius, Lituânia

Desde 1985, a União Europeia elege uma, duas, três (ou nove, em 2000) capitais europeias da cultura. Ao longo do ano em que mantém o título, a cidade eleita tem um calendário recheado de atividades e eventos, que atraem investimentos, aquecem a economia local e promovem a imagem do lugar no continente.

A primeira eleita foi Atenas, porque o projeto foi concebido pela grega Melina Mercouri. Ministra da cultura de seu país à época, ela foi ativista política e teve uma carreira brilhante nos palcos e telas: como atriz, ganhou Cannes e foi indicada ao Oscar.

Este ano, as capitais europeias da cultura são Tartu (Estônia), Bas Ischl (Áustria) e Bodo (Noruega). Muitas vezes, as eleitas são escolhas nada óbvias, pelo menos do ponto de vista da relevância internacional da cidade.

Foi assim em 2009. Linz, terceira maior cidade austríaca, dividiu o posto com a capital da Lituânia, Vilnius. O país báltico havia se tornado membro da União Europeia e da Otan em 2004. Vilnius era a primeira representante da antiga União Soviética a ser eleita.

Era, portanto, um marco. O ano começou com a abertura de grandes exposições em museus e festivais. Vinho e fogos de artifício estavam por todos os cantos da cidade, uma maravilha que só.

Então, em 17 de janeiro, com o Réveillon ainda fresco na memória, a Lithuanian Airlines fechou as portas. A companhia aérea que deveria trazer multidões de turistas ao país faliu por dificuldades econômicas.

Era o começo não de um ano para celebrar a cultura, mas para lamentar o desastre da economia. A crise financeira de 2008 foi global, mas poucos países sentiram mais o golpe do que os bálticos.

Empresas quebraram, o desemprego galopou. Um ano que era para gastança acabou virando de austeridade. O clima azedou para a então capital europeia da cultura.

Nesse contexto esquizofrênico de celebração e lamúria, o escultor lituano Donatas Jankauskas, conhecido como Duónis, concebeu uma estátua enorme para captar o clima da Vilnius da época. É daquelas imagens difíceis de desver: um Tony Soprano gigante de roupão.

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Estátua gigante de Tony Soprano
Estátua gigante de Tony Soprano Imagem: Reprodução/Instagram

Que lugar é esse?

Hoje, a obra está instalada na estação de trem da capital lituana, uma construção soviética erguida após a anterior ter sido destruída na Segunda Guerra. Mas, apesar do tamanho, a estátua era itinerante. Em 2009, ela foi apresentada ao público no pátio do Museu Lituano do Teatro, Música e Cinema, que fica em um palácio do século 17 e pertenceu a uma das mais poderosas famílias do tempo em que Lituânia e Polônia constituíam um mesmo reino.

Com uma involuntária referência à crise econômica, Duónis precisou diminuir o projeto original, por causa de um corte no orçamento do projeto "Arte em Espaços Inesperados", do qual a obra fazia parte. A estátua estreou com pouco mais de 4 metros de altura. Mostrava, com detalhes bastante realistas, uma cena clássica de "Família Soprano", a série de 1999 da HBO que mudou a história da televisão.

O implacável mafioso Tony Soprano, vítima da depressão e da comida ultraprocessada, sai para o jardim de sua mansão para buscar o jornal do dia. Veste apenas uma regata esgarçada, short rouxo e roupão - a total falta daquele requinte à la "Poderoso Chefão" virou uma marca dos personagens da série.

A obra combinou com o pátio em que foi instalada, e não só porque o palácio remetia à mansão espalhafatosa de Tony em Nova Jersey. Duónis explicou que era uma referência direta à família que comandava o museu havia anos.

Estátua gigante de Tony Soprano no Museu Lituano do Teatro, Música e Cinema
Estátua gigante de Tony Soprano no Museu Lituano do Teatro, Música e Cinema Imagem: Wikipedia
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O museu era "assombrado por histórias suspeitas", explicou um informativo do Centro de Arte Contemporânea, instituição de Vilnius que mais tarde levaria a estátua para exposições no exterior. Com a obra, Duónis dava o recado de que um sujeito como Tony, durão mas "família", era o que o museu precisava para sair da crise.

Ao longo desses 15 anos, a estátua, agora na versão completa, com 4,5 metros de altura e as pernas expostas, visitou outras cidades lituanas e ficou no Píer de Palanga, destino popular no país para assistir ao pôr do sol no Mar Báltico. Em 2013, foi para Viena e depois sossegou na estação de trem de Vilnius.

Ao longo da carreira, Duónis ficou célebre por misturar referências da cultura pop com elementos do folclore lituano, às vezes em escalas ousadas. Mais informações sobre o artista na Enciclopédia Universal Lituana.

Capital da cultura

Vilnius é uma cidade que sabe levar a arte a novos lugares. Além do projeto "Espaços Inesperados", a capital lituana demonstrou isso durante a pandemia. Nos meses de confinamento e quarentena, um novo projeto, chamado "Arte não Precisa de Teto", transformou totens de publicidade em espaços para divulgar artistas do país.

Durante a pandemia, a cidade de Vilnius transformou totens de publicidade em espaços para divulgar artistas do país.
Durante a pandemia, a cidade de Vilnius transformou totens de publicidade em espaços para divulgar artistas do país. Imagem: Reprodução/Instagram
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Em uma triste época em que museus e galerias estavam fechados, o público podia se encontrar com a arte em locais abertos, na rua. Em outra iniciativa, cultura e saúde pública uniram esforços na delimitação de assentos: em vez de placas horrendas ou apenas um "X" grudado com fita isolante nas cadeiras, restaurantes preenchiam os lugares com manequins vestidos por estilistas locais.

Vilnius abriga ainda a Open Gallery, que transformou um bairro industrial decadente em um centro cultural com instalações, performances, esculturas, grafite e cinema. Segundo o site "Emerging Europe", Vilnius já fincou seu nome entre as cidades que sabem promover a arte.

O título de capital europeia da cultura pode ter vindo numa hora inapropriada. Mas no fim deu tudo certo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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