Antigos viveram com dinossauros? Figura em templo do século 12 é mistério
13º26'N, 103º53'L
Ta Prohm
Parque Arqueológico de Angkor, Siem Reap, Camboja
O Império Khmer foi um Estado hindo-budista que hoje é conhecido especialmente por ter deixado o mais vasto conjunto religioso da Antiguidade, Angkor. Atualmente, ele é um parque arqueológico, patrimônio da Unesco, tão grande que é maior do que países inteiros, como Malta ou Maldivas.
Seu templo mais famoso, Angkor Wat, é tão emblemático que ocupa o centro da bandeira do Camboja, país que é o herdeiro cultural e territorial do antigo império. Nenhum país do mundo tem um edifício religioso na própria bandeira, nem mesmo o Vaticano, que é basicamente um país-templo.
Quase tão badalado quanto Angkor Wat é Ta Prohm, templo famoso pelos troncos de árvores que envolvem as ruínas como tentáculos. O visual é embasbacante, e pode deixar muita gente anestesiada para dar a devida atenção a detalhes menores da construção.
Ta Prohm contém muitos baixos-relevos com temáticas animais. Um deles intriga quem gosta de se intrigar. Ele mostra, aparentemente, um dinossauro.
Como pode uma civilização antiga ter tido contato com dinossauros? Até onde se sabe, o esplendor tecnológico khmer se limitou, gloriosamente, à engenharia hidráulica, que permitiu a multiplicação de arrozais em terraços por meio de diques, reservatório e canais.
Eram os khmer arqueólogos? Ou as criaturas jurássicas caminharam pela Terra ao lado de humanos?
Sim, eu sei, é inevitável, o tema de hoje na coluna parece um programa do History Channel tarde da noite. Faltam só os alienígenas.
Que mistério é esse?
Se hoje o Império Khmer é um orgulho cambojano presença frequente em roteiros turísticos no Sudeste Asiático, no século 12 ele estava no auge. Ta Prohm foi construído sob as ordens do rei Jaiavarmã 7º. Concluído em 1186, o templo homenageava a mãe do monarca, a rainha consorte Sri Jayarajacudamani.
A leste do santuário principal, sob uma das gopuras (torres muito adornadas, típicas dos templos do sul da Índia, mas que também são frequentes em Angkor), em uma de várias colunas adornadas, bem escondidinho, fica a misteriosa criatura. Um suposto estegossauro, no coração do Império Khmer.
O templo como um todo é envolto em mistério. Após a queda do império, no século 15, Ta Prohm seguiu a conhecida rota de abandono e negligência que acontece em situações do tipo.
Cerca de 500 anos depois, o antigo território khmer fazia parte da joia da coroa do Império Francês. A Indochina era formada pelos atuais Camboja, Vietnã e Laos, além de uma província chinesa. O mundo vivia a era de ouro da arqueologia, e descobertas impressionantes recheariam os grandes museus do Ocidente com tesouros encontrados, muitas vezes, em lugares que eram colônias do país de origem.
Hoje, um dos melhores lugares do mundo para ver arte khmer (e da Ásia de maneira geral) fora da Ásia é o Museu Guimet, em Paris. Exemplos do tipo se empilham.
A Escola Francesa do Extremo Oriente, sediada na capital do Camboja, Phnom Penh, é, há mais de 120 anos (e mais de 70 após a independência do país) a responsável pela restauração do complexo de Angkor. Um de seus membros mais notáveis, o arquiteto e arqueólogo Maurice Glaize, explicou, em 1944, por que Ta Prohm é diferente dos demais templos:
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Quero receberEmbora a força implacável da vegetação seja a causa de tantos danos, a Escola Francesa do Extremo Oriente sentiu-se obrigada a deixar pelo menos um templo em Angkor como exemplo do 'estado natural' que tanto maravilhou os primeiros exploradores, ao mesmo tempo que mostra, por comparação, a importância do esforço já realizado para preservar estas ruínas antigas.
Escolheu Ta Prohm - um dos mais imponentes e que melhor se fundiu com a selva, mas ainda não a ponto de fazer parte dela - apenas como um exemplar típico de uma forma de arte khmer, da qual já existiam outros modelos. A concessão ao gosto geral pelo pitoresco poderia ser feita, portanto, sem muita relutância, a fim de permitir que cada um desse liberdade à sua imaginação e emoção.
Maurice Glaize, em "Les monuments du groupe d'Angkor"
É por isso que Ta Prohm é todo envolto por árvores, e os outros templos, não. Isso, inevitavelmente, contribui para a atmosfera de finitude da humanidade, de ecos de era passadas que o lugar evoca. Em 2001, quando ele apareceu no sucesso "Lara Croft: Tomb Raider", o primeiro filme de uma das personagens mais famosas dos videogames, interpretada por Angelina Jolie no ápice da fama, Ta Prohm ganhou um novo impulso de divulgação.
Era uma curva ascendente que já vinha da década anterior. Em 1992, todo o complexo de Angkor virou patrimônio cultural da Unesco.
Que bicho é esse?
Desde aquela época, alguns guias de viagem chamavam a atenção para a tal criatura esculpida. O animal tem características que o assemelham a um estegossauro, gênero de dinossauros famoso pelas placas nas costas e pelos espinhos na cauda.
Nem todo mundo se convenceu de que o bicho é um estegossauro, no entanto. O animal já recebeu definições das mais variadas: ele seria um tipo de lagarto, um búfalo, um javali, um camaleão ou um rinoceronte-de-bornéu, espécie praticamente extinta, mas que existia no Camboja.
Tanta variação no chutômetro porque as tais placas do estegossauro poderiam ser, na verdade, uma folhagem estilizada ao fundo. Ou então não se trata de nenhuma criatura que existe ou já existiu, mas de algo mitológico, imaginário. Na própria coluna onde fica nosso amigo misterioso, há um bicho que parece ter corpo de cachorro com cabeça de macaco.
Infelizmente, a ciência ainda não tem uma resposta para a origem da imagem. Segundo a revista americana "Skeptical Inquirer", há pouco interesse científico no assunto. Então, não se descarta nem a possibilidade de o tal dino ser uma pegadinha contemporânea, como o astronauta esculpido em uma igreja espanhola, sobre o qual falei aqui.
Já a pseudociência, por outro lado, tem uma explicação. Ela sempre tem, afinal forçar a barra é o motor que empurra as rodas quadradas da pseudociência.
O estegossauro de Ta Prohm é uma "evidência" usada por criacionistas para mostrar que dinossauros e humanos conviveram juntos no planeta. Criacionistas que aceitam a existência de dinossauros não acreditam que eles existiram centenas de milhões de anos atrás, mas que estavam vivinhos na época do grande dilúvio, aquele da Arca de Noé, que, segundo as contas deles, aconteceu há 4.350 anos.
Nos Estados Unidos, o Museu da Evidência da Criação, instituição dedicada a mostrar como Deus criou tudo e todos segundo a visão criacionista, tem uma réplica do baixo-relevo cambojano. É uma amostra de como o "dino khmer" tem moral no meio.
Não deixa de ser divertido. O Vaticano não nega o Big Bang nem a Teoria da Evolução, mas o criacionismo se apressa em tratar como evidência do nosso convívio com dinossauros algo que, possivelmente, é uma pegadinha esculpida nos anos 1990.
Não é o único museu do tipo nos EUA. Além da instituição texana, há outra mais sofisticada, no Kentucky, descrita pela revista "The Atlantic" assim: "O Museu da Criação não é tanto um museu, mas sim um sermão do fogo do inferno em 3D com uma praça de alimentação".
O criacionismo não está interessado em saber que os estegossauros foram extintos, provavelmente, 100 milhões de anos atrás - muito antes, inclusive, até da queda do asteroide que dizimou os outros dinossauros. Para ele, trata-se de um estegossauro. E ponto final.
Prefiro aguardar uma definição mais científica. Até porque essa seria uma missão e tanto para Lara Croft.
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