A ilha alemã que virou um 'barril de pólvora' (e explodiu)
54º10'N, 7º52'L
Helgoland
Pinneberg, Schleswig-Holstein, Alemanha
Um pequeno arquipélago distante, sem muitas atrações óbvias, inexpressivo, frio e pouco povoado, mas que, vez ou outra, acabou tragado para o centro das rixas imperialistas que moveram o mundo nos últimos séculos. Assim é Helgoland, o território alemão que os ingleses por pouco não apagaram do mapa, literalmente.
Que lugar é esse?
Helgoland (ou Heligoland) é a ilha mais distante da Alemanha continental. Fica a cerca de 50 km da costa do Mar do Norte, e sua localização estratégica fez dela alvo de cobiça desde tempos medievais, disputada por reis escandinavos e os duques de Schleswig, antigo Estado que ocupava a fronteira das atuais Dinamarca e Alemanha.
Em 1807, duas outras forças beligerantes mudaram o destino da ilha. A França napoleônica, que expandia seus domínios pela Europa, havia imposto, no ano anterior, o famoso Bloqueio Continental ao Reino Unido.
O objetivo francês era sufocar a economia britânica no comércio com outros países europeus. O continente vivia as chamadas Guerras Napolêonicas, conflito que teve uma montanha de consequências.
Algumas foram enormes e em locais remotos. A guerra influenciou, por exemplo, os processos de independência na América Latina. Outras foram peculiares e inusitadas, como a criação da angostura, garrafinha presente em qualquer bar que se pretende "completo".
Na guerra contra um dos maiores gênios militares da história, quanto mais aliados, melhor. Então, os ingleses, nem sempre dados a sutilezas, acharam que tudo bem invadir o território dinamarquês para convencer o país, neutro no conflito, a abraçar sua causa.
Naquele ano, eles invadiram Helgoland, que então pertencia à Dinamarca. O reino entrou na disputa e acabou cedendo esses pequenos pedaços de terra aos ingleses.
Os britânicos também estavam de olho no valor estratégico do local. Não queriam que a França imperialista o usasse para avançar, via Mar do Norte, nos Estados germânicos e escandinavos.
Ainda assim, Helgoland nunca teve muita serventia militar no século 19. Em vez disso, virou um aprazível balneário que atraía artistas e endinheirados alemães e austríacos.
Em 1890, uma nova jogada no tabuleiro geopolítico. Os ingleses, pouco interessados em Helgoland, entraram em um acordo com os alemães. Deram o arquipélago a eles em troca de uma ilha tropical, rica e culturalmente pulsante, o sultanato de Zanzibar.
Na verdade, a troca envolveu mais lugares além da terra natal de Freddie Mercury. Os ingleses ficaram com Zanzibar e pequenos territórios da África Oriental. Os alemães, com terras no oeste e no sudoeste do continente. O acordo, no futuro, estaria na origem das modernas Tanzânia e Namíbia.
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Quero receberA Alemanha não era mais um agrupamento de pequenos estados, como na época de Napoleão. Era um império unificado, emergente e em franca aceleração econômica e militar.
O kaiser Wilhelm 2º tratou de enfeitar a nova aquisição do país. Helgoland ganhou fortes e armamentos, para enfim tirar do papel sua vocação militar. A ilha serviria para proteger o recém-inaugurado Canal de Kiel, que liga o Mar do Norte ao Mar Báltico.
Papel estratégico na Segunda Guerra
Entre os Aliados, não se podia ignorar Helgoland. Consideravam a ilha uma arma importante dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Pudera. A Alemanha fez dela um ponto estratégico para sua marinha, cobrindo-a de novos fortes, túneis subterrâneos, base aérea, artilharia de defesa etc.
Em 1945, os britânicos voltaram ao território. Bombardearam Helgoland, forçando a evacuação de seus cerca de 2 mil habitantes. Ocuparam a ilha e usaram os túneis dos nazistas para armazenar munição pesada.
Haja pólvora. Em 18 de abril de 1947, com a guerra terminada e os nazistas derrotados, o Reino Unido decidiu se livrar da ilha de uma maneira retumbante, a fim de evitar que ela voltasse a ser usada militarmente pelos alemães.
Cerca de 7 mil toneladas de explosivos armazenados foram pelos ares. A ideia era se livrar de todo aquele material perigoso e passar um recado contundente a qualquer nova pretensão militarista alemã, explica o historiador Jan Rüger no livro "Helgoland: Britain, Germany and the Struggle for the North Sea" ("Heligoland: Grã-Bretanha, Alemanha e a batalha pelo Mar do Norte", inédito no Brasil).
Foi uma das maiores explosões não-nucleares registradas na história. Houve manifestações contrárias à decisão, não só na Alemanha como também no Reino Unido. Temia-se que o solo poroso de arenito da ilha, que tem apenas 1,7 quilômetro quadrado e cujo ponto mais elevado é um morro de 61 metros, não aguentasse o tranco e colapsasse por completo.
Helgoland resistiu, mas só o que a natureza fez, e olhe lá. Ganhou uma enorme cratera e, quanto aos edifícios, dentre os poucos que ainda restavam de pé, só restou um, uma torre antiaérea que foi transformada em farol.
Em 2017, o guia de turismo Olaf Ohsen contou à revista alemã "Der Spiegel" que ele estava refugiado em Cuxhaven, na costa do Mar do Norte, distante 56 quilômetros de Helgoland, no dia da explosão. O então jovem Olaf, com 11 anos, ouviu um estrondo semelhante a um trovão.
Ficou claro para nós todos que, naquele momento, Helgoland explodiu
Em 1952, os britânicos devolveram o que sobrou do território aos alemães. Uma amoreira retorcida que sobreviveu ao ataque passou a ser conhecida como "milagre de Helgoland". Para Ohlsen, que voltou a viver na ilha, a árvore simboliza uma luta implacável pela sobrevivência.
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