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Como universitários descobriram, sem querer, uma estátua na Ilha de Páscoa

27º07'S, 109º16'O
Rano Raraku
Ilha de Páscoa, Valparaíso, Chile

Imagine fazer um trabalho voluntário na faculdade e, do nada, realizar uma das descobertas mais impressionantes do ano. Aconteceu com um grupo de estudantes chilenos, na Ilha de Páscoa (ou Rapa Nui, seu nome original). O caso, que aconteceu em fevereiro, foi eleito recentemente pela "National Geographic" um dos grandes feitos arqueológicos de 2023.

Alunos de um programa de voluntariado de geologia de três universidades chilenas buscavam sedimentos para análises paleoclimáticas em Rano Raraku, uma cratera de vulcão que, no passado, já foi laguna e pântano. A falta de chuvas secou o lugar de vez em 2019. Em 2022, um incêndio o cobriu de cinzas, que dificultava a locomoção.

Em 21 de fevereiro, o último dia de trabalho, o estudante Matías Silva avistou uma rocha grande, de coloração amarelada como os tufos vulcânicos, o material que usado para esculpir as famosas estátuas da ilha. Ele comentou brincando com os colegas: "É um moai!"

"Até que cheguei perto e vi que era realmente um moai", ele contou ao jornal chileno "La Tercera". As curvaturas mostravam claramente o pescoço, os braços e a ponta do nariz. Era uma estátua não-fichada, desconhecida das autoridades arqueológicas chilenas. Pequena para os padrões dos moais, com 1,60 m de altura e 90 cm de largura.

Universitário posa ao lado do moai recém-descoberto
Universitário posa ao lado do moai recém-descoberto Imagem: Reprodução

Os estudantes comunicaram o achado à comunidade Ma'u Henua, que administra os parques da ilha. As autoridades ficaram embasbacadas não só com a descoberta, mas com toda a aventura.

Os jovens trabalhavam no local de onde os antigos rapanuis retiravam pedras para esculpir as estátuas. A maioria dos moais fica no entorno do vulcão. Logo, encontrar uma dessas estátuas intocada em seu interior não era impossível, mas improvável, já que a área é conhecida pela ciência há muito tempo.

Vista aérea sobre o vulcão de Rano Raraku
Vista aérea sobre o vulcão de Rano Raraku Imagem: Getty Images/iStockphoto
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Mas a descoberta foi feita ao acaso, no último dia de um programa de trabalho voluntário, por estudantes que ajudavam a traçar uma reconstrução paleoclimática do local, a fim de estudar a possibilidade de recuperar, ambientalmente, o charco. Eles não estavam caçando moais.

O dia terminou, segundo o "La Tercera", "com um moai a mais para Rapa Nui e com um arco-íris no céu".

A comunidade Ma'u Henua decidiu que não há planos de remover a estátua do local. Em todo caso, ela deseja realizar mais estudos ali, desde que consiga algum financiamento.

"O mais interessante é que, nos últimos 200 ou 300 anos, a laguna estava a três metros de profundidade, o que significa que nenhum humano deixou o moai ali nesse tempo", declarou a direção do parque da ilha, segundo o jornal britânico "The Guardian". É provável que ela jamais tenha saído dali.

A tradição dos moais começou por volta de 1100 e parou, quase que de repente, 500 anos depois. Provavelmente a população da ilha secou os recursos naturais e entrou em decadência, antes da chegada dos europeus, o que ocorreria somente em 1722.

Na cultura local, as estátuas são os próprios ancestrais dos habitantes, o que dá uma dimensão do tamanho da descoberta e do quão delicado é mexer nelas. O mais famoso moai do mundo está há mais de 150 anos no Museu Britânico, em Londres, mas a Ilha de Páscoa o quer de volta.

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Moai no Museu Britânico, em Londres
Moai no Museu Britânico, em Londres Imagem: Wikimedia Commons

O geofísico Cristián Rodrigo contou ao "La Tercera" que, além de estudar os sedimentos da laguna para entender as variações climáticas ao longo da história, o trabalho tinha como objetivo analisar a estabilidade do maciço rochoso. Isso acaba tendo uma relação com os estudos arqueológicos no local, porque possíveis deslizamentos de terra ou uma remoção significativa podem ter enterrado qualquer coisa que havia ali. Como moais. "É preciso estudar isso", explicou.

Matías Silva, o descobridor da estátua, decidiu no que se especializará. Após a experiência na Ilha de Páscoa, ele quer seguir na área do paleoclima.


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