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REPORTAGEM

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Tanques, aviões e frota devastada: o cemitério submarino da Micronésia

Tanques, barcos e aviões estão afundados na área - UWPhotog/Getty Images/iStockphoto
Tanques, barcos e aviões estão afundados na área Imagem: UWPhotog/Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

16/04/2023 04h00

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7º26'N, 151º45'L
Atol de Chuuk
Ilhas Faichuk, Chuuk, Micronésia

Uma parte significativa da frota de guerra estava baseada lá. Entre encouraçados, porta-aviões, cruzadores, contratorpedeiros, petroleiros, cargueiros, rebocadores, canhoneiras, caça-minas, embarcações de desembarque e submarinos, muitos não puderam reagir nem tiveram tempo de fugir quando o ataque chegou, pelo ar e pela água. Em pouco tempo, uma das maiores bases navais do Pacífico na Segunda Guerra Mundial estava destruída.

Parece o enredo de Pearl Harbor, mas com os papéis trocados. Dessa vez, foram os americanos que devastaram a frota japonesa.

Há algumas diferenças cruciais, é bom lembrar, para evitar aporrinhação na caixa de comentários. Para começar, em fevereiro de 1944 o Império Japonês e os Estados Unidos estavam em guerra. Mas o efeito surpresa e o rastro de morte foram semelhantes (fora que a operação foi, também, uma vingança pelo ataque japonês à base havaiana em dezembro de 1941, quando os EUA ainda não haviam entrado oficialmente na guerra).

A Operação Hailstone deixou um saldo de mais de 50 embarcações e mais de 250 aeronaves destruídas. Cerca de 4,5 mil japoneses perderam a vida. O Japão abandonou o Atol de Chuuk e, dessa forma, perdeu o controle que exercia em boa parte do Pacífico: dada sua localização estratégica, Chuuk era comparada a Gibraltar, a "porta" do Mediterrâneo.

Que lugar é esse?

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Artefato naufragado foi tomado por algas e corais
Imagem: tswinner/Getty Images/iStockphoto


Chuuk é um arquipélago de 16 ilhas vulcânicas no oeste da Oceania. Fica na Micronésia, país formado por cerca de 600 ilhas espalhadas por mais de 3,5 mil km, mas com uma área total minúscula de 700 quilômetros quadrados (pouco maior que a área urbana do Rio de Janeiro).

"Chuuk" significa "montanhas altas" na língua local. Essas ilhas estão circundadas por uma barreira de 85 atóis e ilhotas e uma grande lagoa de 65 km de diâmetro.

As Chuuk entraram na rota das grandes potências quando foram avistadas pela frota do espanhol Álvaro Saavedra em 1528. A Espanha exerceu algum controle aqui e ali nos séculos seguintes até que vendeu partes da Micronésia ao Império Alemão em 1899.

A black friday de colônias teve outra reviravolta pouco depois, em 1914, com a entrada do Japão no jogo. O país teve um papel relevante, apesar de pouco lembrado, na Primeira Guerra.

O Japão era aliado de britânicos, franceses e russos (diferentemente da Segunda Guerra, em que foi inimigo) e enfrentou a marinha alemã no Pacífico. De olho em expandir sua zona de influência, o país tomou alguns territórios germânicos, entre eles a Micronésia.

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Intenso conflito na área deixou cenário devastador
Imagem: atese/Getty Images/iStockphoto

Nos anos seguintes, o Japão fez de Chuuk a base de sua temida força naval. No auge, o império governava uma vasta porção do Oriente, que ia do sudeste da Rússia a Papua Nova Guiné.

Com o avanço dos Aliados no Pacífico, a partir da Batalha de Guadalcanal, nas Ilhas Salomão, em 1942, a situação de Chuuk ficou mais fragilizada. Até chegar o derradeiro ataque americano um ano e meio depois, que afundou mais da metade da frota japonesa estacionada ali.

Tamanha quantidade de veículos, embarcações, munições e, claro, humanos no fundo do mar fez de Chuuk um cemitério submarino. Nos anos 1970, a batalha ficou mais conhecida do grande público graças a um pioneiro que soube aliar a oceanografia às mais modernas tecnologias de documentação da época.

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Região se tornou famosa pelo cemitério militar submarino
Imagem: apsimo1/Getty Images/iStockphoto

Documentarista, explorador, oficial da marinha francesa e oceanógrafo, Jacques Cousteau encantou gerações com suas histórias sobre os mistérios do fundo do mar. A série "O Mundo Submarino de Jacques Cousteau", que passava na TV brasileira, explorou Chuuk em um de seus episódios.

A partir de então, o atol atraiu mergulhadores interessados em ver de perto os sinais de uma importante e pouco conhecida batalha da Segunda Guerra. Alguns naufrágios estão a meros 15 metros de profundidade em uma água cristalina, então o apelo é mais que óbvio. Boa parte ainda está lá, o que faz de Chuuk um dos destinos mais desejados (e sinistros) para a prática no mundo.

Continente perdido?

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Antiga capital da ilha Pohnpei: Nan Madol
Imagem: KKKvintage/Getty Images/iStockphoto

Para o resto dos turistas, o maior destaque do país é, talvez, Nan Madol. Antiga capital da ilha de Pohnpei, a cidade, fundada há mais de mil anos, era uma rede de ilhotas artificiais construídas em uma lagoa. No começo do século 17, chegou a ter 25 mil habitantes.

O sítio arqueológico, hoje patrimônio cultural da humanidade, atrai pesquisadores e curiosos estrangeiros desde o século 19. Nos anos 1920, Nan Madol foi citada pelo escritor ocultista James Churchward em sua obra a respeito do continente perdido de Lemúria.

Segundo Churchward, Nan Madol era um resquício evidente da Lemúria, também chamada de Mu. Até o começo do século 20, teorias do tipo estavam em evidência e tinham o benefício da dúvida, digamos assim. Não dava para confirmar, mas também não dava para refutar a hipótese. Mas, com a descoberta das placas tectônicas e da deriva continental, ela caiu na lata de descrédito da pseudociência.

Mas isso não significava nada para admiradores de histórias esotéricas e seguidores da doutrina mística da teosofia, que coloca a Lemúria como berço de uma das raças-raízes que compõem sua cosmogonia. A ideia de um continente perdido seguiria tendo público pelas décadas seguintes.

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Imagem: Masa Michishiro/Getty Images/iStockphoto

Enquanto isso, na realidade visível e palpável aos nossos olhos, a Micronésia segue sendo um dos países mais isolados do mundo. O primeiro surto de covid-19 aconteceu só em julho do ano passado, por exemplo.

O que não significa que o país esteja imune a outras ameaças. No mês passado, o presidente, David Panuelo, criticou a crescente influência da China nas vizinhas Ilhas Salomão e alertou os Estados Unidos, aliados históricos e de quem a Micronésia se tornou independente em 1986, que o país pode acabar virando um vassalo dos interesses da China. O presidente acusou o gigante asiático de tentar subornar funcionários do governo e de ameaçar a soberania do país insular.

Mais uma vez, a Micronésia se vê entre potências. O cemitério submarino é um incômodo lembrete da história.


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