Rafael Tonon

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Arroz e feijão estão caros? Atenção: no que depender do calorão, vai piorar

Desde outubro do ano passado, os preços dos alimentos têm disparado acima da inflação, levando os valores da cesta básica lá pra cima.

Alimentos básicos como feijão, arroz, batata e cenoura tiveram alta superior a 10% em 2024 se comparados com o ano anterior — alguns deles, mais de 50%.

O tema virou até questão política: novas pesquisas indicam um crescente descontentamento dos brasileiros com o governo relacionado justamente com o que (não) está no prato.

Ainda assim, muitos especialistas dizem que o principal motivo é um fenômeno que nem todos os partidos juntos são capazes de conter: o El Niño.

O aumento de ondas de calor, um volume de chuvas muito acima do tradicional e as abruptas mudanças do clima têm afetado diretamente as lavouras.

Diminuição nas chuvas pode afetar lavouras em várias regiões do país
Diminuição nas chuvas pode afetar lavouras em várias regiões do país Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil

E a má notícia é que com as mudanças climáticas em altíssima velocidade, a produção de alimentos deve ser cada vez mais prejudicada.

Cientistas dizem que estamos diante de um sistema agroalimentar em colapso, já que aquilo que comemos é responsável por um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa do planeta.

Um estudo publicado no começo deste ano no National Library of Medicine indica que a "mudança climática é a razão por trás da maioria dos problemas econômicos contemporâneos".

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Diz o texto que "as crescentes pressões inflacionárias no setor alimentar são um desses problemas" e que:

O aumento dos preços dos alimentos ligado ao aumento da temperatura e às dificuldades na agricultura indicam que o fenômeno da inflação só deve crescer

Os pesquisadores focaram o estudo na Nigéria, mas dizem que é um exemplo de como o clima pode tornar nossos alimentos menos acessíveis — em produção, mas também para os bolsos, consequentemente.

De fato, as mudanças climáticas representam um risco significativo para o suprimento global de alimentos, e os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas pioraram — e vão piorar ainda mais, segundo projeções.

 Mudanças climáticas representam risco para o suprimento global de alimentos
Mudanças climáticas representam risco para o suprimento global de alimentos Imagem: Couleur/ Pixabay

Uma consequência típica de um clima mais extremo é um declínio na produtividade agrícola e nos rendimentos das principais commodities agrícolas do mundo (milho, soja, trigo, arroz, aveia, etc) que são vitais para suprimento de alimentos e nutrição humana.

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Além disso, a produção de alimentos depende fortemente da água e da qualidade do solo. Com o aquecimento global e as concentrações de emissões de gases de efeito estufa, há uma mudança no regime de precipitação.

Isso não só reduz o suprimento de água sustentável, mas causa degradação na qualidade do solo ao mesmo tempo que aumenta a evaporação devido a altas temperaturas.

Um documento de trabalho elaborado pelo Banco Central Europeu e o Instituto Potsdam para a Investigação do Impacto Climático analisou no ano passado flutuações históricas de preços de alimentos ligadas a dados climáticos.

Segundo os levantamentos, as alterações climáticas já fizeram subir os preços dos alimentos e a inflação em geral.

Na perspectiva do futuro, prevê-se que o aquecimento global crescente aumente os preços dos alimentos entre 0,6 e 3,2 pontos percentuais até 2060 numa escala global, de acordo com o relatório.

A inflação aumenta à medida que as temperaturas sobem — e as taxas atingem níveis ainda mais altos no verão ou em regiões quentes geralmente de latitudes mais baixas, essencialmente nos países do hemisfério sul.

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Climatologistas alertam que a posição da inflação dependerá, é claro, de quanto a humanidade será capaz de reduzir as emissões e conter os danos causados pelas alterações climáticas.

Pesquisas alertam que é preciso reduzir drasticamente a produção de carne e lacticínios para evitar um aquecimento global catastrófico
Pesquisas alertam que é preciso reduzir drasticamente a produção de carne e lacticínios para evitar um aquecimento global catastrófico Imagem: CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)

Mas os prognósticos não são muito otimistas. Isso porque novos estudos descobriram que não basta apenas eliminar os combustíveis fósseis do planeta, mas também reduzir drasticamente a produção de carne e lacticínios se quisermos evitar um aquecimento global catastrófico.

Ou seja, parte daquilo que comemos é um dos principais fatores para agravar um problema climático que pode nos trazer enormes riscos sobre a outra parte dos alimentos que compramos.

Não há muito para onde fugir se não tratarmos realmente de reverter o colapso do clima no planeta — que, os mais céticos, dizem não ser mais possível.

As emissões globais da pecuária mundial devem atingir o pico em 2030 ou antes. Nos países de rendimento alto e médio, que produzem e consomem a esmagadora maioria da oferta mundial de carne e lacticínios, essas emissões deverão atingir o seu pico ainda mais cedo. Ou seja, antes do que podemos imaginar.

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Mesmo no melhor cenário, em que o mundo inteiro conseguiria cumprir as metas climáticas firmadas no Acordo de Paris, investigadores acreditam que a inflação alimentar vai mesmo aumentar.

Nos dias que os termômetros passam dos 35 graus em pleno início de outono e que nos canais de TV as notícias são de nevascas fora de época, chuvas que alagam cidades interfiras e outras anomalias climáticas, é melhor acender um alerta.

Muito provavelmente os alimentos nas semanas e meses seguintes ficarão mais caros. Resta entender se a dor no bolso vai ser capaz de nos fazer mudar de hábitos e tentar, pelo menos, atenuar os efeitos do El Ninõ e de outros cataclismos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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