Histórias do Mar

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Reportagem

Como são os superbarcos que estão no desafio de volta ao mundo em 50 dias

Começou no último domingo, no porto de Brest, na França, aquela que promete ser a mais veloz e desafiadora competição de volta ao mundo com barcos movidos à vela de todos os tempos: a Ultimate Challenge, algo como "Desafio Final".

A competição é disputada em solitário (ou seja, apenas um velejador em cada barco), por apenas seis competidores, todos franceses, e com enormes veleiros de três cascos, os maxi-trimarãs, máquinas que passam mais tempo voando do que tocando a água, que estão entre as mais velozes formas que o homem já inventou para navegar.

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A expectativa (que, no fundo, é o principal desafio da competição) é que o vencedor contorne todo o planeta navegando em menos de 50 dias, o que seria uma marca extraordinária, já que a distância da prova beira os 40 000 quilômetros, mesma medida da circunferência da Terra — só que pelo mar, o que torna a jornada bem mais difícil.

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Se conseguir isso, o vencedor da Arkea Ultim Challenge se tornará o circum-navegador mais veloz da História das competições de volta ao mundo com barcos à vela, embora o recorde atual desse tipo de travessia seja de 42 dias, 16 horas, 40 minutos e 35 segundos, conseguido pelo também francês François Gabart, sete anos atrás, mas não durante uma competição.

Sem paradas, nem ajuda externa

Pelas regras da prova, os competidores não podem receber ajuda externa, nem parar em lugar algum, e deverão obrigatoriamente contornar as três principais pontas do Hemifério Sul do globo terrestre: Cabo da Boa Esperança, na África do Sul; Cabo Leeuwin, na Austrália; e Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul.

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A chegada será no mesmo local da partida, possivelmente nos primeiros dias de março, completando assim a volta ao mundo no menor tempo possível.

Dia e noite sem parar

Durante todo esse tempo, os competidores navegarão dia e noite sem parar, intercalando manobras com períodos de sono de não mais que 15 minutos por vez, enquanto os veleiros seguem avançando sozinhos, sem ninguém no comando.

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"É o desafio mais extremo da história das competições à vela", resumem os organizadores da competição. "O maior dos desafios, em todos os superlativos".

"Será uma competição extremamente desafiadora, mas que só será realmente extraordinária se eu conseguir cruzar a linha de chegada", disse, com cautela, o francês Anthony Marchand, um dos competidores, minutos antes da largada.

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"É a corrida da minha vida", resumiu o também francês Armel Le Cléac'h, de 47 anos, que já participou de quatro regatas de voltas ao mundo navegando e venceu uma delas.

"Mas tenho experiência suficiente para saber que tudo pode acontecer durante uma prova desse tipo", disse Le Cléac'h, também na largada, com boa dose de precaução.

Resistência dos barcos preocupa

A maior preocupação dos competidores é quanto à resistência dos barcos, gigantescos veleiros de três cascos, com 32 metros de comprimento (e área maior do que uma quadra de basquete), equipados com mastro mais alto do que um prédio de nove andares.

São barcos extremamente velozes, mas um tanto frágeis, o que coloca em xeque a segurança dos competidores.

Mesmo assim, os maxi-trimarãs da Ultimate Challenge são as grandes estrelas da competição.

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Tal qual a aparência de gaivotas, eles passam mais tempo voando do que navegando, e nunca ficam com os três cascos na água ao mesmo tempo - quase sempre nenhum deles, mas apenas apoiados nas pontas de pequenas asas verticais, os "foils", que praticamente anulam o arrasto e fazem o barco literalmente "voar" sobre o mar.

O segredo é tentar prolongar ao máximo a duração de cada "voo", e, para isso, é preciso manter a velocidade do barco sempre elevada - porque, quando ela diminui, ele volta a "pousar" na água.

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Decolam a 20 km/h

Mas os maxis trimarãs da Ultimate Challenge são tão espetaculares que, mesmo sob ventos fracos, de apenas 20 km/h, já decolam, e chegam a atingir velocidades que beiram os 90 km/h - mais que o dobro dos veleiros convencionais.

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A contrapartida é que isso exige atenção permanente dos velejadores.

"É um imenso desafio físico e mental", disse um dos mais experientes competidores, Éric Péron, que garantiu "pensar sempre duas vezes" antes de fazer qualquer manobra com o seu maxi-trimarã.

Nesse tipo de barco, tudo muito sensível e rápido. Uma manobra errada, ou precipitada, faz você perder velocidade ou, quem sabe. até a vida

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1 000 km em 24 horas

Até hoje, apenas sete velejadores deram a volta a mundo com barcos desse tipo - e apenas quatro sem parar em lugar algum.

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Mas nenhum deles estava correndo contra o tempo, em uma competição, como neste momento estão fazendo os seis franceses.

Logo no primeiro dia da competição, os competidores chegaram a atingir velocidades acima dos 45 nós (pouco mais de 80km/h), e, alguns deles, venceram distâncias superiores a 1 000 quilômetros durante um período de 24 horas - uma marca impressionante para um barco movido à vela.

"Nesse ritmo, podemos descer todo o Atlântico e chegar ao Cabo da Boa Esperança em apenas 12 dias, e estar dobrando o Cabo Horn, já no caminho de volta, em pouco mais de 30", arrisca um dos organizadores da regata, que torce intensamente pela quebra da marca de 50 dias para a mais longa - e veloz - competição de barcos à vela do mundo.

Uma farsa histórica

O avanço dos competidores (que logo se aproximarão da costa do Brasil, rumo à África do Sul) pode ser acompanhando, em tempo real, no site da competição, bem como um vídeo que mostra a performance dos barcos — um recurso bem diferente do passado, quando cabia aos próprios competidores informar os organizadores sobre as suas localizações no mar, já que ainda não haviam satélites monitorando os barcos.

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Isso fez com que um caso ficasse tragicamente famoso, e entrasse para os anais esportivos como a primeira — e, ao que tudo indica, até hoje única — grande farsa no impoluto mundo das regatas.

Em 1969, durante a primeira edição de uma regata de volta ao mundo em solitário com barcos à vela, o inglês Donald Crowhurst, vendo que seu barco não oferecia a menor chance de vitória, resolveu mentir aos organizadores, informando que estava onde jamais havia passado.

Mas, com o passar do tempo, suas informações passaram a ser recebidas com certa desconfiança pelos organizadores, e Crowhurst, temendo ser desmascarado, optou por um final trágico — clique aqui para conhecer esta história, que chegou a virar filme com o ator Colin Firth no papel do velejador trapaceiro, e marcou para sempre a primeira edição da regata de volta do mundo em solitário.

Agora, com seus barcos voadores, a Ultimate Challenge quer também entrar para a História, mas por outro motivo: o da mais rápida das voltas ao mundo pelo mar.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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