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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Por que é tão importante achar o barco do casal que morreu no mar de Angra?

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Colunista de Nossa

25/09/2021 04h00

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Embora ainda não tenha sido encontrado, muito provavelmente por causa das más condições do mar, há fortes evidências de que o barco no qual estava o casal Cristiane Nogueira da Silva, de 48 anos, e Leonardo Machado de Andrade, de 50, que saíram para dar um passeio no mar na região de Angra dos Reis (RJ) no dia 22 do mês passado e morreram afogados, esteja afundado na mesma área onde o corpo dele foi encontrado, dez dias atrás, nas proximidades da comunidade do Provetá, na Ilha Grande.

No último fim de semana, quando foram realizados os primeiros mergulhos no local, mergulhadores do Grupo Ambiental da Ilha Grande não encontraram barco algum no local, mas o fracasso pode ter ocorrido por conta da profundidade, que ali chega a 38 metros (praticamente além da capacidade de penetração da luz no mar), e da péssima visibilidade na água, que mal permitia a eles enxergarem seus próprios braços.

Encontraram, no entanto, um pedaço de lona que pode ser da cobertura do barco, e manchas de óleo na água, possivelmente vindas do motor e tanque de combustível da embarcação desaparecida.

Mas as péssimas condições do mar levaram à suspensão dos mergulhos, que só devem ser retomados esta semana — quando, enfim, o barco poderá ser encontrado.

Mas, por que se tornou tão importante achar o barco supostamente naufragado, se os corpos das duas vítimas já foram encontrados?

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"Porque só o exame da embarcação pode fornecer pistas do que ocorreu naquela noite", diz o delegado encarregado do caso, Vilson de Almeida Silva, da 166ª Delegacia Policial de Angra dos Reis. "Só a partir de uma perícia no barco será possível compreender o que aconteceu com o casal. Se é que o barco afundou de fato naquele local, porque ainda não há a confirmação disso também", explica o delegado.

Tarefa difícil: resgatar o barco

Ele, porém, já sabe que, mesmo que o barco venha a ser encontrado naquele local, que fica no mar aberto, a cerca de cinco quilômetros da praia de Provetá, não será nada fácil examiná-lo.

Por dois motivos.

O primeiro é a profundidade, que limita barbaramente o tempo que os mergulhadores podem passar no fundo do mar vistoriando o barco para a polícia — não mais do que cerca de 15 minutos por vez, tempo talvez insuficiente para encontrar o real motivo do naufrágio, caso não haja um evidente rombo no casco.

Já o outro complicador é ainda mais sério: a dificuldade em trazer o barco de volta à superfície para uma perícia mais precisa pela própria polícia, tanto pela profundidade em que ele supostamente está (seria preciso, primeiro, arrastá-lo para um local menos profundo, a fim de permitir que os mergulhadores pudesse fazer os procedimentos de reflutuação, o que é outro complicador no caso), quanto pelo custo de uma operação desse tipo, que, pelas regras da Marinha, "sempre que houver prejuízo à navegação, deve ser custeada pelo dono da embarcação" — que, entanto, era o próprio Leonardo, uma das vítimas, embora ele já tivesse negociado a venda do barco a um amigo da praia onde morava, na própria Ilha Grande.

"A Capitania dos Portos, que tem a atribuição legal para investigar acidentes marítimos, já avisou que não irá resgatar o barco caso ele venha a ser encontrado", lamenta o delegado. "Agora, estamos tentando com a Prefeitura de Angra dos Reis, que já vem ajudando com os mergulhadores".

"Para entender o que aconteceu com o casal, só examinando o barco", diz o delegado.

Naufrágio ou assalto?

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Desde o começo do caso, um mês atrás, quando o casal Cristiane e Leonardo embarcou na traineira Novo Milênio I para apreciar o pôr do sol no mar (a princípio, na vizinha Lagoa Verde, a pouco mais de um quilômetro da praia onde Leonardo morava, como ele havia dito a um amigo que faria, embora, aparentemente, tenha mudado de ideia e avançado até as imediações da bem mais distante comunidade de Provetá), a polícia vem considerando a hipótese de naufrágio gerado por algum acidente como sendo a causa mais provável da morte do casal.

No entanto, a polícia nunca descartou outras possibilidades.

Como assalto — ou pirataria —, como são chamados os atos cometidos por bandidos que atuam no mar, algo bem mais comum do que se possa imaginar em certas partes do litoral brasileiro.

Ao contrário de outras hipóteses, como homicídio, já obviamente descartada após o surgimento do corpo de Leonardo (o de Cristiane havia aparecido dias antes, o que deu margem à especulação de um possível crime passional), a tese de o casal ter sido vítima de bandidos, que poderiam ter assaltado o barco e atirado os dois na água, ainda não foi totalmente desconsiderada pela polícia, embora o fato de o corpo de Leonardo ter sido encontrado com a carteira ainda no bolso da bermuda fragilize esta teoria — que, no entanto, ainda é defendida pelo filho de Cristiane, Guilherme Brito.

Famílias divididas

Guilherme com a mãe - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Guilherme Britto com a mãe
Imagem: Reprodução/Instagram

"A quantidade de telefonemas que recebi de moradores da ilha contando casos de pirataria na região sempre me deixou com a pulga atrás da orelha", diz o filho de ex-corretora de imóveis que morreu no episódio. "E o fato de os dois corpos terem sido encontrados sem coletes salva-vidas, equipamento que o barco tinha em quantidade, ainda me deixa muito intrigado".

"O Leonardo era obcecado por segurança e chegou a comprar um colete novo para a minha mãe, além de um rádio portátil extra para o barco, naquele fim de semana. A polícia precisaria examinar o interior do barco, para ver se algo foi roubado, e se os dois não foram trancados lá dentro pelos bandidos", avalia Guilherme.

Já a outra família envolvida na tragédia, a de Leonardo, pensa de outra forma.

Ponto final na história

"Para nós, o que aconteceu foi que o Leonardo ficou preso dentro do barco quando ele afundou e por isso o seu corpo só apareceu bem depois. Ponto final. Essa é a explicação que ameniza os nossos corações", diz Vanessa Morett, ex-esposa da vítima e mãe de uma de suas duas filhas.

Para ela, o barco pode ter tido algum problema, Leonardo entrou na cabine para solucioná-lo, mas não conseguiu sair a tempo, quando ele inundou. Ou capotou, pelo peso da água que entrou, o que explicaria porque não houve tempo para ele sair da embarcação.

Já Cristiane, que estaria do lado de fora do barco, pode ter se agarrado à uma das boias que o barco possuía (e que apareceram dias depois, na mesma região onde o corpo dela foi encontrado), mas também acabou morrendo afogada, como a perícia comprovou que aconteceu com o próprio Leonardo, após periciar os corpos.

As duas hipóteses — naufrágio ou assalto seguido do afundamento proposital do barco — são tecnicamente possíveis, embora o simples afundamento, causado por algum acidente, ainda seja a causa mais provável.

Mas, só mesmo a análise do barco poderá ajudar a elucidar esse caso, que já dura um mês sem ainda uma resposta à principal pergunta:

O que aconteceu com o casal que morreu no mar de Angra dos Reis?

Outro caso sem solução

Caso isso não aconteça, não será a primeira vez que a morte de um ocupante de barco na região de Angra dos Reis torna-se um caso sem solução pela polícia.

No passado, outros casos já aconteceram na região.

No mais famoso deles, o do capitão argentino Erwin Rosenthal, que navegava sozinho com um grande veleiro na mesma Ilha Grande, três anos e meio atrás, nem mesmo o fato de tanto o corpo dele quanto o barco terem sido encontrados (este, com um intrigante artefato, preparado para fazer explodir o barco - clique aqui para conhecer este misterioso caso em detalhes) fez com a polícia chegasse à alguma conclusão no inquérito, que segue, até hoje, sem uma resposta.

Espera-se que o mesmo não aconteça no caso do casal que morreu no mar de Angra dos Reis. Mas para isso é preciso, primeiro, encontrar o barco.