Topo

Boteclando

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ouro de tolo: nada justifica presença do metal no bife de R$ 3 mil no Qatar

O chef-celebridade Nusret Gökçe, conhecido como Salt Bae, e sua "carne de ouro" - Reprodução Instagram
O chef-celebridade Nusret Gökçe, conhecido como Salt Bae, e sua "carne de ouro" Imagem: Reprodução Instagram

Lembro-me o quanto fiquei surpreso quando a psicóloga me disse em consulta, lá por 2001 ou 2002, que eu era um "conservador". Aquela sentença foi um tapa na cara, um pé no peito e um puxão na orelha esquerda deste que se julgava um liberal nos costumes (com direito a um brinquinho na já citada orelha esquerda) e um sem-noção na economia.

Mas eis que em se tratando de futebol e de gastronomia, visto a carapuça e declaro: sou mesmo um conservador.

No futebol, por exemplo, confesso, torço o nariz para as dancinhas que viraram moda nas comemorações de gols. Sou mais pela explosão das veias querendo pular da pele como daquele maravilhoso gol do Falcão contra a Itália na Copa de 82. Mas, beleza, se for para o hexa vir com dancinha, que venha e com direito a bolinho — olha a gastronomia aí — dos colegas pra cima do autor do gol do título.

Na gastronomia, sou tão conservador que — se me permite a tirada — não dispenso uma boa conserva: recomendo a sardinha escabeche dos bares Jabuti e Tiro Liro, a caponata do Elídio Bar e o roll-mop do Valadares. E tenho muito respeito pelos clássicos, sejam eles os pratos — a exemplo da coxinha do Frangó e da picanha fatiada do Rodeio —, sejam elas e eles os personagens de estabelecimentos como Academia da Gula (salve, Dona Rosa!), Rota do Acarajé (axé, Luisa e Gil!) e Totò (um abraço, Alfredo, tô me devendo uma visita ao seu balcão).

A famosa coxinha do Frangó - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
A famosa coxinha do Frangó
Imagem: Reprodução Instagram

Mas reconheço o papel des chefs, bartenders e profissionais inovadores nos etor, quando essa inovação resulta em uma experiência gastronômica inédita, realçando o sabor ou o aroma de um prato, de uma receita qualquer. O que, definitivamente, não é o caso do bife folheado a ouro que o chef-celebridade Salt Bae serviu aos jogadores da Seleção Brasileira em seu restaurante no Catar.

Meu ponto, aqui, não tem nada a ver com o debate a respeito dessa ostentação — ok, ok, tem um pouquinho — dos comensais e a do próprio chef, que chega ao cúmulo da deselegância ao postar no Instagram as contas que os clientes deixam em seus restaurantes.

No caso dos jogadores da Seleção, somente eles têm o direito de decidir como e onde gastar o dinheiro que ganham graças ao seu trabalho. Inclusive, têm o direito de desembolsar o equivalente a R$ 3 mil pelo tal bife com ouro.

E têm o direito de saber que a folha de ouro salpicada não confere nenhum atributo à carne que comeram: o ouro não melhora o gosto, não realça o aroma, não deixa o bifão mais ou menos macio. "Do ponto de vista técnico, não tem nenhum efeito mesmo", me disse um chef-restaurateur com quem conversei hoje para tentar entender justamente qual o benefício do ouro para aquela refeição.

Melhor seria terem pedido um bom chimichurri, é ou não é?

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do informado na matéria e na homepage do UOL, o bife de ouro custa cerca de R$ 3 mil. A informação já foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL