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Bairro mais afetado de SP tem alívio durante pandemia com ginástica na laje

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

26/04/2020 08h11

Segundo o último levantamento da Secretaria de Saúde de São Paulo, a Vila Brasilândia é o bairro que registra o maior número de mortos pela Covid-19. Na Zona Norte da capital, tem por volta de 270 mil moradores - mais de 12 mil por km² - e já convive normalmente com carências. Em tempos de pandemia e isolamento, um homem de 39 anos nascido e criado no bairro tenta promover aos vizinhos momento de desafogo.

Estudante do último de Educação Física, Ivan Nascimento fazia estágios remunerados em uma empresa de assessoria esportiva e na Sub-Prefeitura da Freguesia do Ó, mas as atividades foram canceladas por causa da quarentena de combate ao coronavírus. Em casa, ele começou a ocupar o tempo livre com ginástica em família e gravação de vídeos para postar na internet com seus treinos. Daí veio uma sugestão.

"Sugeriram que eu fizesse meu treino na laje de casa para talvez motivar outras pessoas. Eu nem questionei: "ah, será que alguém vai querer?". Fiz um teste: avisei os vizinhos de frente que ia fazer um treino no domingo de manhã, eles toparam e aí subi na laje. Eu fazia o exercício e demonstrava, eles iam repetindo cada um na sua casa. Quando eu percebi tinha gente fazendo o mesmo em várias varandas do bairro, porque minha laje é bem centralizada", conta o futuro educador físico, ao UOL Esporte.

A primeira experiência foi no dia 5 de abril. No domingo seguinte ele voltou à laje e tinha gente até nas ruas laterais olhando e repetindo os exercícios de forma espontânea. Então a coisa foi se sofisticando: ele arrumou uma caixa de som e um microfone para ser ouvido pelos vizinhos, orientou o pessoal a levar para o treino pelo menos uma cadeira, um cabo de vassoura e uma garrafa pet cheia d'água e criou um nome: "aulão na laje".

Ivan Nascimento - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Estudante de educação física de 39 anos foi jogador de futebol e professor em escolinhas
Imagem: Reprodução/Instagram

A iniciativa se espalhou rápido. Ivan já foi personagem de reportagens do "Globo Esporte", do "Balanço Geral" e do "Mulheres" na TV. Inclusive, um apelo de Cesar Tralli e Felipe Andreoli ao vivo na Globo o fez aumentar a frequência dos aulões: "Eles pediram e eu atendi. Antes era só aos domingos, agora estou fazendo aos sábados, domingos e feriados, então chega a ter três vezes na semana."

O aulão na laje é composto basicamente por treinos funcionais, que usam o peso e a força do corpo - sem necessidade de aparelhagem. Quando precisa levantar um peso tem quem use vasos de plantas e tijolos. Vale tudo. A sessão de ginástica dura entre 30 e 40 minutos e é para um público bem variado: "O bom de ser profissional com formação acadêmica, ou quase isso, é a noção de até onde podemos ir. Falo no microfone para todos respeitarem seu limite. Se alguém não consegue fazer o exercício de um jeito faz do outro, adapta."

Se você deixa o carro parado por muitos dias sem dar partida alguma peça vai falhar, tem que ter manutenção. O corpo é assim, ele precisa se sentir ativo. Quando eu não subir na laje o pessoal pode fazer uma caminhada em casa, no quintal. Só não pode ficar parado, porque aí quando terminar a quarentena em vez de ter liberdade saudável você não vai ter é energia para sair.

Aulão - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Vizinhos se mobilizam com cabos de vassoura, garrafas pet e cadeiras para o treino funcional
Imagem: Acervo pessoal

O personal trainer da comunidade da Vila Brasilândia que colocou os vizinhos para malhar seguirá o projeto por tempo indeterminado. Perto de terminar a faculdade, ele sonha em trabalhar futuramente no futebol, como treinador, auxiliar ou na preparação física: "Quero voltar para o futebol, foi onde tudo começou."

Ivan foi jogador profissional até 28 anos de idade. Lateral-esquerdo, começou na base do Juventus, em São Paulo, e em seguida defendeu Velo Clube-SP, Interporto-TO, Central-PE, Atlético de Três Corações-MG, Minas Esporte Clube-MG e Ribeiro Junqueira-MG, quando decidiu parar: "Eu tive que largar por razões financeiras mesmo, por ver que não estava dando certo. Aí meu sogro me deu oportunidade de trabalho e recomecei. Em 2017 consegui uma bolsa universitária de atleta para fazer faculdade e estou me desenvolvendo, sempre com esse objetivo."