Maratonas em casa

Confinados, atletas amadores correm longas distâncias na varanda, no quintal ou na sala de estar. Isso pode?

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo Arquivo pessoal

Em uma era muito, muito distante (digamos até mês passado), quando ainda era seguro sair de casa e ficar a menos de dois metros de pessoas desconhecidas sem ter medo de ser atingido por partículas invisíveis dispersas no ambiente, as pessoas costumavam correr ao ar livre. Hoje, corredores amadores dependentes da intensidade de um treino puxado precisam adaptar-se às circunstâncias do mundo assolado pela pandemia.

E muitos deles decidiram não parar de correr. Se as ruas já não são um lugar seguro, eles transformaram a própria casa em pistas de corrida. Veja o caso do paulista Marcelo Oliveira, ultramaratonista de 42 anos que se viu trancado em casa depois que o governo estadual decretou as medidas de distanciamento social em março.

Acostumado a completar provas de 170 km nas quais passa até 24 horas correndo, o gerente comercial que está de férias resolveu que não seria grande coisa fazer uma maratona entre o portão da garagem e a churrasqueira de sua casa. No domingo retrasado, Marcelo fez uma live enquanto completava sua maratona solitária em seu corredor de 12 metros, fazendo os 42 km em 6 horas e 7 minutos.

"Dentro de um espaço pequeno você acaba forçando mais porque não tem como dar aceleração. Foi um desafio interessante", disse o atleta. "Se você sair pra rua as pessoas te veem como imbatível e não somos. Quando eu respeito a quarentena, meus seguidores e vizinhos entendem a necessidade de fazer isso. Minha motivação foi mostrar que era possível treinar sem sair de casa."

Arquivo pessoal
Montagem de Reprodução/Internet

O distanciamento social é a estratégia recomendada pela ciência para achatar a curva de contágio do novo coronavírus, mas fazer exercícios ao ar livre não está proibido - desde que respeitada a regra de evitar aglomerações. Na terça-feira (7), o jornalista Marcelo Cosme, da Globonews, foi abordado e importunado verbalmente por um homem enquanto caminhava sozinho na orla de uma praia no Rio de Janeiro, prática recomendada pelas autoridades sanitárias.

Em uma entrevista à imprensa na noite anterior, o ministro da Saúde Henrique Mandetta brincou sobre ter liberado um dos funcionários da pasta, "um ultramaratonista", a seguir com seus treinos regulares na rua.

Mesmo assim, os atletas amadores que proferem fazer seus treinos na segurança do confinamento têm exemplos internacionais nos quais se inspirar. O francês Elisha Nochomovitz viralizou nas redes sociais após completar a distância de uma maratona na varanda de sua casa, no subúrbio de Toulouse.

"Louco é a melhor palavra para me descrever", disse o corredor que completou dez maratonas só no ano passado.

Arquivo pessoal

Alguns atletas não chegam a tanto, mas também não abdicaram da rotina de treinos mesmo dentro de casa. O paulistano Pedro Andrade, um engenheiro de segurança do trabalho de 29 anos, escolheu evitar ao máximo sair ao mundo exterior para não levar a chance de contágio a seu pai e seus sogros, que estão no grupo de risco da covid-19.

Pedro estava treinando para a maratona de Porto Alegre quando a quarentena começou. Temendo perder o ritmo, cogitou alugar uma esteira elétrica para treinar em casa, mas a crise financeira causada pelo vírus demoveu-o da ideia. Agora, ele corre de 5 a 6 km todos os dias no quintal de casa, um quadrilátero de 7 x 8 metros. "Fico dando voltas, alterno dez para cada lado", ele conta. "É bem diferente de correr na rua, o ritmo tem que ser mais leve. É apenas para não ficar parado e não pirar no meio dessa loucura que estamos vivendo."

Correr em casa não tem sido uma exclusividade de quem mora em casa. A advogada Márcia Lopes, tem feito seus 5 km diários em um trajeto de 6 metros entre a sala e a cozinha de seu apartamento em São Paulo.

"Tenho 52 anos, sou hipertensa e a corrida 'salvou' minha vida", ela conta. "Pela idade sei que já estou no grupo de risco então não vou sair, mas também não conseguiria ficar parada. Só preciso tirar as cadeiras do lugar. E ainda deixo a água em cima da mesa, ou seja, tem até 'ponto de hidratação' kkkkk"

Correr é colocar um pé na frente do outro em um ritmo constante, e quem corre na rua sabe que a paisagem e as alternâncias no percurso quebram a monotonia de uma atividade que é, por definição, repetitiva. Quem está correndo em casa pode se sentir engolido pelo tédio mais rapidamente e para eles talvez haja alternativas, como o "Circuito Sesc de Corrida em Casa".

Nessa modalidade, organizada pelo Sesc do Rio Grande do Sul, o atleta se inscreve para a prova on-line. No dia marcado, um instrutor orienta os participantes em lives nas redes sociais a fazer até 5 km em "corrida estacionária", uma espécie de marcha ritmada sem sair do lugar, enquanto uma tela mostra imagens de paisagens como praias e campos gramados.

Uma alternativa mais competitiva está em iniciativas como a prova "Corre em Casa" da agência Corre Brasil, que oferece até números de inscrição para o participante prender à camiseta e um ranking com os melhores desempenhos - o tempo da prova é medido por aplicativos de corrida. A organização recomenda que a corrida seja feita no piso de casa, em trajetos entre os cômodos da residência.

Arquivo pessoal

Correr em casa e sem esteira é seguro?

Mas enquanto qualquer exercício físico pode ser considerado melhor que nenhum exercício físico, é preciso ter cuidado com as adaptações de atividades normalmente feitas em espaços abertos. Acostumados aos movimentos e intensidades habituais, esses atletas confinados podem se submeter a um risco maior de lesões caso mantenham o mesmo ritmo em espaços menores.

"Eu corri três vezes dentro de casa, mais precisamente na minha laje de 30m²", afirmou o corredor Iury Zamarian, que já disputou quatro provas São Silvestre e ficou entre os 100 primeiros na última edição. "Porém, depois dessa última vez, eu parei e comecei a estudar um pouco da fisiologia do corpo e os impactos negativos dessa prática e acabei vendo que a médio prazo, fazer esse tipo de atividade contribui significativamente para um aumento de lesão."

O educador físico José Carlos Fernando, o Zeca, da assessoria esportiva Ztrack Esporte e Saúde, pondera que a corrida em casa é uma moda que tende a ser passageira.

"Não vejo nisso uma tendência. O que acontece é que as pessoas estão acostumadas a correr na rua e agora que se veem presas dentro de casa, estão buscando fazer coisas muito próximas do que fazem na rua. Mas isso vai ter uma vida curta, as pessoas vão fazer isso uma vez, no máximo duas e não mais."

Zeca afirma ter alunos que já correram em casa "de brincadeira", mas já desistiram e resolveram alugar uma esteira para manter os treinos. E se a pessoa não tem condição de alugar uma esteira, não quer sair de casa e mesmo assim não quer parar de correr, que cuidados ele recomendaria para uma prova caseira?

Tem que criar um percurso em casa e limpar esse percurso, tirar móveis, mesas com ponta, coisas de vidro. O piso não pode ser escorregadio. E tem que fazer num ritmo mais lento, não pode ser um espelho do que você faz na rua. Como em casa você não tem uma corrida reta e tem que ficar desviando e mudando de direção, começa a usar grupos musculares que não se usa tanto na corrida, então pode sentir desconforto e dores

José Carlos Fernando, o Zeca, da assessoria esportiva Ztrack Esporte e Saúde

O fisioterapeuta Edson Santiago concorda e afirma que o treino de corrida em casa, além de aumentar o risco de lesão no joelho, não levaria o corredor a um ganho de performance.

"Essa mudança de direção em ambiente pequeno leva ao processo de frenagem muito frequente e isso tende a acarretar uma sobrecarga no joelho e consequentemente maior risco de lesões", diz. "Corrida de quilometragem muito alta dentro de casa não é muito recomendável. Você faz essa corrida e não melhora a performance já que para melhorar é preciso alcançar certa frequência cardíaca, o que não dá para fazer correndo dentro de casa. A possibilidade de lesionar e não ter ganho de performance é maior."

Os dois profissionais recomendam circuitos de exercícios que o atleta amador pode fazer para manter a forma e a saúde mental em tempos de confinamento.

E, claro, para quem não consegue ficar sem correr, é útil lembrar que exercícios ao ar livre não estão proibidos e são até recomendados, desde que se respeite a distância social e se evite aglomerações.

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