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Técnico prata em 1984 diz ser contra convocação de Dani Alves para Tóquio

Daniel Alves durante treino em Yokohama antes da estreia da seleção olímpica nos Jogos de Tóquio-2020 - Lucas Figueiredo/CBF
Daniel Alves durante treino em Yokohama antes da estreia da seleção olímpica nos Jogos de Tóquio-2020 Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

21/07/2021 17h27

Maior colecionador de títulos da história do futebol mundial, com 42 conquistas, Daniel Alves inicia nesta quinta (22) ao lado da seleção brasileira a busca por um feito que ainda não tem na carreira: o ouro olímpico. Para Jair Picerni, treinador do Brasil na conquista da medalha de prata nos Jogos de Los Angeles-1984, o jogador do São Paulo nem deveria ter viajado ao Japão.

"Eu não convocaria, porque hoje não tem nada a ver, não é a praia dele. Ele é um bom jogador, tem experiência e se saiu bem profissionalmente. O regulamento mudou, a Fifa ampliou de 18 jogadores para 22. Em 84, acima de 23 anos só tinha o André Luiz, que tinha 24, o Kita e o Gilmar Rinaldi, com 25 anos. Os demais tinham 18, 19, 20 anos. Quem tem que ajudar são os jovens, e não um ou outro jogador, nenhum é melhor que o outro, porque começa a ficar uma coisa diferenciada. A Olimpíada é um tiro, é curta", disse Picerni, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Jair Picerni, técnico de futebol - Fabrício Cortinove - Fabrício Cortinove
Jair Picerni também fez história com o São Caetano ao ser vice da Libertadores (2002) e do Brasileiro (2000 e 2001)
Imagem: Fabrício Cortinove

Atualmente com 76 anos, sendo 50 deles dedicados ao futebol (seja como jogador ou técnico), Jair Picerni está afastado dos gramados. Porém, tem acompanhado os acontecimentos do mundo da bola e, portanto, disse que teria escolhido Neymar entre os atletas acima da idade permitida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) — devido à pandemia de Covid-19, a entidade ampliou o limite de 23 para 24 anos, de forma extraordinária para a edição japonesa.

"O Neymar iria ajudar mais. Mas está difícil pegar os jogadores de fora, os clubes não estão liberando. Você viu aí o Gerson, que era do Flamengo e foi negociado com o Olympique de Marselha. O próprio Pedro [não foi liberado pelo Rubro-Negro]. Para pegar jogadores de fora, só o Neymar", comentou Picerni, que logo disse que "daria um corretivo" no astro do Paris Saint-Germain se tivesse a oportunidade.

"Acho ele um grande jogador tecnicamente, mas não iria bater falta, pênalti, tiro de meta, escanteio, defender escanteio... Onde já se viu o Neymar defender escanteio, ele vai fazer gol contra dentro da pequena área. Eu queria dar umas palavras com o Tite [técnico da seleção principal] e falar: 'acorda, cara. Deixa dois velocistas à frente do seu adversário, vai deixar três para marcar dois, e não lotar a pequena área'. Isso é um dos erros do Tite, mas ele é um amigão meu. O Neymar é para fazer gol, mas bate tudo, dá impressão que toma conta da seleção brasileira."

A estreia do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio acontecerá nesta quinta, às 8h30 (de Brasília), contra a Alemanha, no estádio Internacional de Yokohama.

Com Romário vetado, Inter foi a base de 84

A primeira das seis medalhas olímpicas da seleção masculina de futebol — tem um ouro (2016), três pratas (1984, 1988 e 2012) e dois bronzes (1996 e 2008) — teve intervenção fundamental do Internacional. O Colorado cedeu mais da metade (12 dos 18 jogadores) do time que foi dirigido por Jair Picerni na conquista da prata em Los Angeles-1984, quando o Brasil foi derrotado na decisão pela França por 2 a 0.

"Eu queria ter levado o Romário e um outro pessoalzinho que estava jogando no profissional, o Romário iria ajudar muito. Só que sempre tinha problemas com os clubes na época. Achavam que esse negócio de Olimpíada ainda era só para molecada, amador, não tinha nada a ver com os clubes", recordou.

"O Inter tinha caído fora [do Campeonato Brasileiro] e eu falei para o meu assistente, que era o Ernesto Lance, para ligar para o presidente do Inter [Roberto Borba] porque eu precisava de alguns jogadores, nenhum clube queria me dar jogadores (risos). Ninguém tomava o conhecimento do que era uma Olimpíada, essa que é a verdade", acrescentou.

Entre os jogadores cedidos pelo time gaúcho estavam: o goleiro Gilmar Rinaldi; os zagueiros Mauro Galvão, Pinga e Aloísio; os laterais André Luís e Luiz Carlos Winck; os meio-campistas Dunga, Ademir e Paulo Santos; e os atacantes Kita, Milton Cruz e Silvinho.

Veja outros trechos da entrevista com Picerni:

UOL Esporte: É verdade que o Fluminense foi o clube escolhido pela CBF para representar o Brasil na Olimpíada de 84?

Picerni: Sim, mas ninguém tinha o conhecimento do que era uma Olimpíada. Os grandes clubes — Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, Palmeiras, Corinthians, São Paulo... — só pensavam no time profissional. Na conversa com o presidente do Inter ele falou que poderia levar o time todo. Depois de dez anos, o Gilmar Rinaldi, goleiro, e o Dunga foram campeões da Copa de 1994 [nos Estados Unidos]. O ouro só veio em 2016, aqui no Brasil. Só depois da prata de 84 que os dirigentes começaram a ver o peso que era ganhar uma medalha. Pô, a Olimpíada é um dos maiores eventos do mundo.

UOL Esporte: Na seleção olímpica de 84, o Dunga já era o cara, o líder que se tornou o capitão do tetra na Copa de 94?

Picerni: Era nada. Ele não falava muito, era quietão. Quem vê de fora tem a impressão que o Dunga é meio espalhafatoso, mas não é nada disso. Naquela ocasião era todo mundo falando a mesma língua, não tinha um melhor que o outro não, tanto que o capitão era o volante Ademir, parceiro do Dunga no meio-campo. Tinha também o Gilmar, outro meia do Flamengo que jogava bem e tinha uma canhotinha muito boa. Ele batia bem falta, era o nosso batedor de faltas. Cada um tinha uma função. Hoje é tudo atrapalhado, ninguém sabe o que faz. Por isso que eu falo do Tite, hoje é uma correria pra lá e pra cá, ninguém sabe quem é defesa e quem é ataque.

UOL Esporte: Qual a maior lembrança que você tem das Olimpíadas de Los Angeles-1984?

Picerni: Foi uma novidade, mas assumimos a responsabilidade juntos. Falei que não iríamos para passear, que era para tentarmos ganhar alguma medalha. Mas lembro que a segurança era muito forte. Tinha um pessoal lá da SWAT [unidade tática dos EUA] para onde nós íamos. Tinha helicóptero em cima, era uma época meio ruim, atentados. Mas dava para ir à Disney, coisa linda. Eu até tirei foto com o Mickey, mas não consigo achar essa foto.

UOL Esporte: Teve alguma história curiosa durante este período nos EUA?

Picerni: Quando acabavam os jogos à noite, eu falava: 'pessoal, vamos fazer um churrasquinho, de migué. A polícia vai tomar conta da gente, a gente pode beber uma cervejinha que não vai fazer mal a ninguém'. O pessoal do Inter tinha o pandeiro, o tamborim, gostavam de um sambinha. O pessoal da SWAT começou a comer uma carninha e os jogadores brasileiros, como são muito atrevidos, tiraram os bonés dos policiais e colocavam na cabeça deles. Falei que iriam prender a gente, mas o pessoal da SWAT começou a sambar, todos durão. Eles adoraram os brasileiros, nos agradeceram quando fomos embora. Foi um espetáculo.

UOL Esporte: Nos Jogos de Tóquio o Brasil vai enfrentar duas seleções que você enfrentou em 1984: Alemanha (Ocidental) e Arábia Saudita. A seleção terá dificuldades?

Picerni: Agora existe uma cobrança muito grande em cima da medalha de ouro. Digo isso para todas as competições, na natação, no vôlei... Há uma cobrança muito grande. Nesta primeira fase o Brasil deve passar bem, depois tem que saber quem virá, é uma outra competição. Hoje todo mundo quer disputar uma Olimpíada, quer assistir, quer participar.