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Olivetto: Patrocinadores comandam Olimpíadas, mas bom senso deve prevalecer

O publicitário brasileiro Washington Olivetto - Divulgação/Miro
O publicitário brasileiro Washington Olivetto Imagem: Divulgação/Miro

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, em São Paulo

04/06/2021 04h00

Realizar Jogos Olímpicos em meio a uma pandemia, contra alertas de associações médicas quanto a riscos, é decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI), que detém todos os direitos sobre eles. Mas para o publicitário Washington Olivetto, há interesses comerciais muito grandes por trás das Olimpíadas, e os patrocinadores têm voz ativa na decisão final. Segundo ele, no caso de Tóquio 2020, "o bom senso do pessoal da saúde deve correr paralelamente com o lado financeiro".

Para se ter ideia, a partir do balanço oficial divulgado sobre o ciclo 2013-2016, a receita do COI foi de US$ 5,7 bilhões (cerca de R$ 28,5 bilhões), contabilizados a venda dos direitos de transmissão por tevê (73% do total) mais o dinheiro de patrocinadores "top" (18%) e "outras entradas" (9%).

Das 12 empresas globais que chegaram até os Jogos do Rio 2016 (Coca-cola, Airbnb, Alibaba, Atos, Bridgestone, Dow, GE, Intel, Omega, Panasonic, P&G, Samsung, Toyota, Visa), o COI arrecadou US$ 1,003 bilhão (R$ 5 bilhões).

A parte de direitos de transmissão alcançou nada menos que US$ 4,157 bilhões (R$ 20,7 bilhões). Quase tudo saiu da Comcast, a controladora da NBC dos Estados Unidos, que vendeu US$ 1,250 bilhão (R$ 6,25 bilhões) em anúncios para os Jogos de Tóquio 2020, em mais um recorde, depois do US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões) do Rio 2016. A própria NBC já divulgou que adquiriu o próximo ciclo (2021-2032) por nada menos que US$ 7,65 bilhões (mais de R$ 38 bilhões).

Diante dessas cifras, é de se avaliar o peso dos anunciantes nas Olimpíadas de Tóquio 2020. De toda forma, Washington Olivetto destaca que as empresas mais consequentes neste período de pandemia perceberam que "mais importante que o negócio é a saúde das pessoas, porque o negócio não existe sem a saúde."

A hora da empatia

De acordo com Olivetto, em meio à pandemia, os anunciantes estão mais preocupados em informar do que em seduzir. "Não é um período para tentar vender, e sim de ser mais generoso e construir uma boa imagem para o futuro", diz.

"São decisões muito difíceis de serem tomadas, por parte do COI, dos patrocinadores, dos organizadores e também dos atletas, que têm carreiras colocadas em risco, no momento, ou para quem adiamento ou cancelamento pode significar que 'passe do ponto' ou perca o trabalho de toda uma vida. É tudo muito complicado", observa.

Mas os japoneses já usavam máscaras em época de gripe e têm essa cultura do cuidado com a saúde, como lembra Olivetto. "E o negócio segue junto. As duas coisas andam paralelamente. Eles estão se preparando com todas as precauções para os Jogos. Eu fico pasmo é com a situação que assistimos no Brasil, da Copa América, sem nenhum tipo de preparação, porque aí é falta total de bom senso total. Copa América é algo pequeno, com interesse comercial de um determinado grupo, que é o da Conmebol. Para qualquer país que fosse, neste momento só pode levar problemas."

Mudanças históricas

Depois das dívidas causadas pelas Olimpíadas de Montreal, em 1976, e de Moscou, em 1980, o movimento olímpico só teve continuidade porque o empresário norte-americano Peter Ueberroth se dispôs a realizar Los Angeles 1984 apenas com a iniciativa privada. No ano seguinte, o COI lançou seu programa de "top sponsors", e as Olimpíadas ganharam relevância inimaginável pelo lado comercial, principalmente para a televisão.

"Não existe nada de mal quando isso é bem feito. Não vamos imaginar que patrocinador ou interesse financeiro é pecado. É pecado quando é mal feito. E no mundo de hoje, se não existir o negócio, é impossível fazer uma Olimpíada, um evento desse tamanho", diz Olivetto.

O publicitário ainda lembra que o esporte, além do fascínio, mexe com mudanças que atingem cidades. "Barcelona se abriu para o mundo depois da Olimpíada 1992. Aqui em Londres, tivemos o maior encalhe dessa fruta em todos os tempos, porque Wimbledon foi cancelado e se interrompeu a tradição do morango com chantilly durante os jogos de tênis."

O esporte mexe com muita coisa há muito tempo, lembra Olivetto. "Mexe com politica - mexeu na Alemanha contra o nazismo. Mexe com um pais, como a França... Conheço a família que em 1958 queria montar o jornal L'Équipe, de esportes, porque acreditava que a fabulosa seleção francesa ia ganhar a Copa. Mas tomou 5 a 2 do Brasil, e perceberam que a França não era o país do futebol, mas do ciclismo. Foi quando começou o Tour de France, com finais de etapas mais glamorosas até que a Fórmula 1 em Mônaco."

Confiança midiática

Assim, mesmo em uma Olimpíada sem público, como deverá ser Tóquio 2020, os patrocinadores encontrarão sua linguagem, como observa Olivetto: "A gente não sabe ainda, certo, certo... Nenhuma dúvida de que não ficariam nada felizes com o cancelamento dos Jogos, mas estão abertos a isso. O que sei é que os grandes patrocinadores têm cada vez mais confiança na ideia da responsabilidade social. Mas não sabemos ainda como irão se comportar."

Nos esportes de massa, assinala Olivetto, o espaço midiático é o mais importante. "Mesmo que se perca o espaço físico. Vimos no sábado, na final da Champions League, por exemplo: os patrocinadores foram os mesmos dos últimos anos, mesmo sem os eventos locais. Cada um vai ter sua linguagem. E, do ponto de vista deles, dos grandes anunciantes, o espaço de mídia continua sendo espetacular."