O novo raio

Thiago Braz repete a sua história, chega a uma Olimpíada sem favoritismo e sai de Tóquio-2020 com medalha

Beatriz Cesarini Do UOL, em Tóquio (Japão) Matthias Hangst/Getty Images

Quem disse que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar? Pode ser meio torto, mas Thiago Braz está aí para provar que acontece. Quando ele foi anunciado pelos locutores do Estádio Olímpico de Tóquio, onde estão sendo realizadas as competições de atletismo das Olimpíadas, ele entrou com um sorriso tímido.

Parecia que não sabia se tinha a permissão de seguir em frente. Era como se estivesse revivendo aquele 15 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro, quando pouca gente o conhecia. Mas foi naquele dia que Thiago foi campeão olímpico e ele sabia exatamente o que fazer para repetir a medalha.

Depois daquela entrada meio sem jeito, o saltador que conquistou o ouro no estádio Olímpico do Rio ressurgiu em um salto. Ele pegou a vara, cerrou os dentes, correu e ultrapassou o sarrafo a 5,87 metros de altura. O grito que ecoou na arena enquanto o atleta caía no colchão não foi à toa: "Eu sabia que quem passasse de 5,87m seria medalha".

Como há cinco anos, porém, ele só foi autorizado a comemorar quando o francês Renaud Lavillenie falhou. O francês chegou com o pé direito lesionado. E, no Japão, em uma queda feia antes da final, contundiu o esquerdo. Visivelmente correndo com dor, ele tentou pular os 5,87m e não conseguiu. Foi para o tudo ou nada em 5,92 e não deu certo. Quando o sarrafo caiu para o francês, Braz garantiu a medalha.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio não estavam procurando um novo raio após a aposentadoria de Usain Bolt? Thiago Braz tem de ser um dos candidatos...

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Gaspar Nóbrega/COB

Tem um cara lá em cima, que é Deus, que me ama, que me ajuda a romper limites e a conquistar lugares em que todos os atletas desejam estar. Isso para mim é uma honra, uma felicidade, de poder estar conquistando de novo uma medalha. Não que as outras competições não sejam importantes, eu queria muito ter vencido todas as outras, mas sempre aconteceu alguma coisa, detalhes técnicos, perda de condição física. São detalhes da vida que a gente tem que saber como conduzir. Mas foi bom, eu amadureci."

Glória e queda após a Rio-2016

Voltando cinco anos no tempo, é bom a gente lembrar o cenário no estádio Olímpico do Rio de Janeiro —aquele mesmo que você conhece hoje como Nilton Santos— em 2016. Thiago Braz era um dos cotados para ser protagonista na prova. Mas estava longe de ser indicado ao ouro.

O lugar mais alto do pódio tinha um dono e ele era o francês Renaud Lavillenie, então recordista mundial e maior nome da prova do salto com vara desde a aposentadoria do ucraniano Sergey Bubka, até hoje uma referência da modalidade.

É mais ou menos o que representava o sueco Armand Duplantis hoje. Aos 21 anos, ele chegou ao estádio como grande favorito, recordista mundial e maior nome da prova desde... Lavillenie. É verdade que Thiago não repetiu o feito e superou o recordista, mas espere um pouco que você vai ver que ele superou o sueco de uma maneira.

O que as duas noites tiveram em comum, também, foi o desempenho de Thiago. De 2016 a 2021, o brasileiro sofreu. Ele se tornou uma celebridade instantânea e, como ele mesmo diz, "não soube lidar com a medalha de ouro". Deslumbrado, os resultados ficaram ruins e o brilho olímpico foi se apagando.

Após a conquista olímpica, Thiago passou a ser agenciado pela empresa da família de Neymar. Foi disputado por BM&F Bovespa, então a grande equipe do atletismo nacional, e pelo Pinheiros, principal clube poliesportivo do país. Só que a pandemia e a falta de resultados foram cruéis e, em abril do ano passado, foi demitido.

Valery Sharifulin/TASS via Getty Images Valery Sharifulin/TASS via Getty Images

A grande perda

Essa demissão encerrou um ciclo de reconstrução muito mais pessoal do que esportiva para ele. Depois do ouro, Thiago voltou à Itália, junto ao técnico ucraniano Vitaly Petrov. A ideia era bater o recorde mundial. A morte do amigo e fisioterapeuta Damiano Viscusi em 2017, porém, mudou tudo.

Ao UOL, ele admitiu o impacto da perda. "A gente se conhecia desde 2010, mas a amizade foi ficando mais forte quando fui morar na Itália. Ele adorava dar conselhos, perguntava como eu estava. Eu precisava daquilo, dessa interação, desse cuidado", contou Thiago ao projeto Minha História.

"No ambiente em que vivo, se não se cuidar psicologicamente, a gente se perde. A cobrança não vinha só de fora. Eu também me cobrava muito, pensava se tudo aquilo que eu fazia estava valendo a pena. Nos 30 anos de carreira como fisioterapeuta, ele nunca tinha sido tão próximo de um atleta. Ele se transformou em um irmão, me levou para dentro da própria família. E eu acabei virando uma porta para ele realizar o sonho da medalha olímpica."

Viscusi foi diagnosticado com câncer no pâncreas meses antes da Rio-2016 e escondeu de Thiago. Quando o brasileiro ainda comemorava a medalha, recebeu a notícia. Ele ainda foi ao Mundial de 2017, mas o amigo morreu três dias depois que Thiago saltou. Naquele dia, sem foco na competição, ele se machucou.

"A morte dele mexeu muito comigo. Foi a primeira vez que perdi alguém tão próximo, alguém que eu considerava parte da minha própria família."

BEN STANSALL/AFP

De bem com suas origens

A perda de Viscussi fez Thiago repensar a vida pessoal e sua carreira. Ele decidiu, então, retornar ao Brasil para ficar mais perto da família. Foi aí que ele reatou com seu ex-técnico, Elson Miranda. Ambos tinham se desentendido feio antes da Rio-2016.

"Eu dei o primeiro passo e pedi para o Elson ser meu técnico novamente. Não foi uma conversa fácil, mas foi uma conversa aberta. Eu amadureci bastante, ele também", disse. Elson foi o técnico de Thiago em Tóquio, ao lado de Petrov.

Quem também estava lá era Augusto Dutra. Membro da equipe que treinava com Elson, ele também tinha se desentendido com Thiago. "O Augusto Dutra foi uma inspiração no começo da minha carreira lá em Marília, foi dele que enchi o saco para convencer o treinador a me levar para Bragança. Tínhamos sido parceiros no salto com vara. Éramos colegas. Tinha tentado falar com ele antes, mas sem um bom resultado. Acredito que meu desejo de conversar com ele era tão grande que acabei atraindo isso. Dessa vez, ele tomou a iniciativa. Me chamou para conversar. Quando sentamos, conversamos por umas cinco horas. Pedimos desculpas um para o outro e nos abraçamos", contou no Minha História.

Foi um alívio. Literalmente um alívio. Acho que os anos que eu passei, entre altos e baixos, chegar e lutar pela medalha era muito importante. E não só para mim, mas para minha família, minha esposa, meu treinador e por todas as pessoas que me acompanham. Mesmo estando saltando mal, elas nunca deixaram de acreditar em mim."

Thiago Braz, sobre a medalha de bronze conquistada em Tóquio

É difícil quando as coisas não estão indo bem. A gente sabe quem são nossos amigos, nossos companheiros, nossos investidores quando a gente está passando por momentos ruins. Agora sim, a gente ganhou uma medalha, estamos bem, felizes, mas desejo que outros atletas não passem pelo que eu passei."

Thiago Braz

O ano que salvou Thiago

Depois desse período em São Paulo em que se reconectou com amigos, Thiago voltou a Fórmia, na Itália, mais leve. Foi lá que dez os últimos meses de sua preparação ao lado, novamente, de Petrov. Em meio à pandemia, Thiago se isolou e decidiu não dar mais entrevistas até chegar em Tóquio.

"Me isolar ajudou. Cada um tem um processo. Conhecer novas pessoas, pessoas boas, e montar um time que busque coisas positivas é difícil, mas é o meu novo desafio. A gente vai encontrar as ótimas pessoas que acreditam no esporte, nos atletas. Todo mundo merece um incentivo", acrescentou.

Os bons resultados durante o ciclo podem ser contados nos dedos. Depois do ouro, ele só superou os 5,85m três vezes. Uma em 2017, ainda no embalo olímpico (5,86m em um torneio na França), uma em 2018 (5,90m em um torneio na França) e outra em 2019 (5,92m em Monaco).

Mas foi uma temporada apenas regular, entre 2020 e 2021, que mostrou que era possível. Saltou duas vezes para 5,80m e uma para 5,82m, o que foi suficiente para trazê-lo à Olimpíada como oitavo colocado do ranking mundial. Esses resultados mostraram que ele era capaz de saltar ao lado dos melhores.

"Esse ano foi melhor, eu juro. Foi um ano mais constante, e eu tinha um desejo muito grande de buscar essa constância, porque, se a gente for ver a minha carreira, desde o início, eu sempre tive altos e baixos. A gente vem trabalhando esses anos. Infelizmente aconteceu depois das Olimpíadas, de eu ir mais mal do que bem. Mas acho que, agora, estou em um bom caminho. Espero que nos próximos anos eu continue mantendo os melhores resultados", disse Braz, que atribuiu a conquista de hoje a um amadurecimento e à rede de apoio com "pessoas boas".

Ina Fassbender/AFP Ina Fassbender/AFP

Azarão mais uma vez

Foi assim que Braz chegou a sua final: confiante, mas não favorito. Voltando aos números. Sabe aqueles 5,92m do torneio de Mônaco? Eram uma marca boa, mas desde aquele dia, ele nunca mais passou dos 5,82m, dez centímetros mais baixo. Em toda a sua carreira, ele só tinha passado dos 5,87m seis vezes. Quando ele passou justamente dessa marca para conquistar sua segunda medalha olímpica, comprovou aquilo do "saltador de altos e baixos".

"Quando chegou na Rio-2016, eu não tinha atingido ainda os 6 metros [ele foi campeão olímpico com 6,03m]. Aqui no Japão, cheguei sem os 6 metros de novo. Pesou, mas como tudo aconteceu no Rio, de um dia para o outro, também pode acontecer. Por que não acreditar que hoje poderia? Eu tentei, mas não aconteceu de saltar 6 metros. Só que consegui a medalha também", disse.

"É claro que no Rio foi mais que especial, a torcida brasileira é 'outros 500'. Acredito que se a gente pudesse ter tido o público seria muito legal, muito mais inspirador. Só que a mágica dos Jogos Olímpicos não deixou de acontecer. A emoção acaba sendo a mesma, mesmo não tendo público. O desejo pela medalha e honrar o país acaba acontecendo de qualquer forma."

Gaspar Nóbrega/COB

Lutar pela medalha, pela participação em Tóquio, buscar um ótimo resultado? Tudo isso era muito importante para mim, mas não só. Era importante para minha família, minha esposa, meu treinador e por todas as pessoas que me acompanham. Mesmo estando saltando mal, nunca deixaram de acreditar em mim. É difícil, quando as coisas não estão indo bem, ver quem são as pessoas ao seu lado, acreditando em você. E nós sabemos disso, a gente tem esse ditado, de ver quem são nossos amigos, nossos companheiros, nossos investidores quando a gente está passando por um momento ruim. Agora sim, a gente ganhou uma medalha, estamos bem".

HANNAH MCKAY/REUTERS

O nome segue no livro dos recordes

Para completar a saga, é preciso voltar a Armand Duplantis, aquele sueco de 21 anos que chegou ao estádio como grande favorito, recordista mundial e maior nome da prova desde Renaud Lavillenie. E esse final é feliz para Duplantis, mas mais para Thiago Braz.

Mesmo após assegurar sua medalha de bronze, Thiago Braz não conseguiu vibrar. Era preciso esperar o fim de sua prova e ver Duplantis tentar apagá-lo do livro dos recordes. É que, desde 206, o nome Thiago Braz aparece ao lado das palavras "recorde olímpico". Nunca um saltador de vara passou pelo sarrafo mais do que o brasileiro.

E as chances disso acontecer eram grandes na noite de hoje. Afinal, Duplantis parecia imbatível, voando alto. Repetir seu recorde mundial de 6,18m parecia garantido. Chegar aos 6,19 era muito provável. Mas ele tentou uma vez. Duas vezes. Três vezes. O sarrafo caiu em todas.

Então, teve de se contentar com os 6,02m com que tinha eliminado o norte-americano Christopher Nielsen, o medalhista de prata (com 5,97m). Os 6,03m que deram ao brasileiro o ouro em 2016 sobrevivem até a próxima Olimpíada. Thiago Braz segue no livro dos recordes.

Ele que me perdoe, mas, sim, eu queria que meu recorde permanecesse. Não é fácil, nas Olimpíadas, com toda a pressão, com o peso que é, saltar seu melhor resultado. Mas ele tinha total possibilidade de saltar o recorde mundial e olímpico. E eu acredito ainda, tenho essa esperança, de que para mim é possível [saltar acima de 6,03m] e bater meu próprio recorde."

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