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'Nordeste é grande': Marcos Leonardo e as segundas chances no Santos

Lucas Musetti Perazolli e Gabriela Brino

Do UOL, em Santos (SP)

13/11/2022 04h00

Marcos Leonardo tinha apenas oito anos quando passou em uma peneira do São Paulo. Naquela época, morava em Itapetinga, na Bahia. No Brasil, jogador tão novo não pode viver em alojamentos e ele teve de esperar. Aos 11 anos, foi morar em Taubaté, no interior de São Paulo. A ideia era voltar ao Tricolor Paulista, mas, antes disso, encontrou uma escolinha do Santos. E o Peixe mudou sua vida —mas, para isso, precisou de uma segunda chance.

No primeiro teste, fez seis gols. Não passou. O motivo? Erraram o nome dele na lista. Fez outro teste e, acredite, foram seis gols. Dessa vez, passou. Era a segunda chance de Marcos Leonardo, mas também de sua família ter um jogador de futebol.

"Meu pai saía escondido às 4h da manhã para jogar. Chegava com roupa rasgada e tomava um couro da minha avó. Bahia e Flamengo foram na porta de casa buscar meu pai, mas a minha avó não deixou. Tinha medo do mundo", conta o centroavante do Santos em entrevista ao UOL Esporte.

Nordeste é grande

Marcos Leonardo tem orgulho de ser de Itapetinga, cidade de menos de 80 mil habitantes na Bahia. O atacante, inclusive, carregou o apelido de "Bahia" na base do Santos, até o clube achar melhor chamá-lo pelo nome.

Marcos Almeida, pai de Marcos Leonardo, sempre que pode está em sua cidade natal. No começo do ano, a casa da família virou ponto de coleta de comida e produtos de higiene por causa das fortes chuvas na região. Ele também mantém um projeto social para tirar crianças da rua por meio do futebol.

Pai e o filho vivem essa rotina de ida e volta entre Santos e Itapetinga desde que a joia chegou à base. Nos primeiros meses, eles moraram com Sandry, companheiro desde o sub-13 e atualmente colega no elenco profissional. Na sequência, conseguiram um pequeno cômodo numa das casas de aluguel da Rua Princesa Isabel, onde fica a Vila Belmiro.

Os perrengues fazem a dupla nutrir o sonho de criar um instituto como o de Neymar para ajudar crianças em situação de vulnerabilidade social. "Teve um dia que meu pai falou para eu ir na padaria comprar média. Se fala média em Santos, né? Com cinco reais, comprei seis ou sete pães. Na Bahia, comprava dez com dois reais. Já deu pra ver a diferença absurda ali. Passei muita dificuldade, perrengue. Foi para dar valor. E quero retribuir. Recebi chuteira, roupa e nunca me humilhei nem tive muito. Queremos mais para frente abrir o Instituto Marcos Leonardo", falou o camisa 9.

Léo, como é chamado carinhosamente pelo elenco, já ajuda como pode. Um dia, ao sair de carro do CT Rei Pelé, algumas crianças esperavam os jogadores. O Menino da Vila recebeu um pedido:"Tio, me passa um PIX?". Ele recusou, mas convidou os garotos para um lanche no McDonald's: "Foi um momento gostoso. Criança, cara. Vendendo bala, jujuba... Criança tem que estudar, tem que se divertir, aproveitar bastante. Ver as crianças trabalhando no semáforo parte o coração e partiu o meu. Foi um momento pequeno, mas de felicidade para eles".

Essa consciência de classe também apareceu numa resposta de Marcos Leonardo sobre o Nordeste. Perguntado sobre as críticas à região após as eleições, o santista defendeu seus conterrâneos. "Nordeste é grande. E decidiu, né? Decidiu quem foi eleito. Independentemente de A ou B, cada um tem que ver o melhor para ele. Não é justo uma pessoa ter algo para comer e a outra não ter. Não é justo, cada um viu o melhor para si e fez. Cada um tem sua opinião e basta respeitar".

Marcos Leonardo comemora gol com elenco do Santos - Ivan Storti/ Santos FC - Ivan Storti/ Santos FC
Marcos Leonardo comemora gol com elenco do Santos
Imagem: Ivan Storti/ Santos FC

O pai-treinador

O pai de Marcos Leonardo não realizou o sonho de virar jogador profissional, mas foi fundamental na trajetória do filho até a promoção ao grupo principal do Santos. O coruja incentiva, cobra e ensina o filho desde criança.

Desde a base, Marcos Almeida pede para o atacante trabalhar além da rotina do Santos. Já no sub-12, eles iam toda sexta-feira na praia para atividades complementares. Quando o salário aumentou, a preparação foi acrescida de personal e fisiologista.

"Hoje o futebol tem muito detalhe, é muito rápido. Quem trabalha fundamento se sobressai. Faço gol de direita, esquerda, cabeça, o que importa é o gol. Meu pai é o meu melhor treinador e ele sempre me ensinou isso. Tive vários excelentes e dou mérito, aprendi com cada um, mas o melhor técnico é meu pai", agradece.

Desde pequeno, Marcos Leonardo é incentivado pelo pai a assistir vídeos. As primeiras indicações foram Ronaldo e Romário, de sua época. Depois, o santista gostou e passou a ver tudo de Ricardo Oliveira e Cristiano Ronaldo: "Eu vejo, depois a situação acontece no jogo e eu consigo lembrar e pensar mais rápido que o zagueiro".

Marcos Almeida incentiva, mas depois cobra. A maior corneta agora é para ser mais ousado em campo: "Eu era ponta e gostava de driblar, driblava bastante. Meu pai pega no pé para gingar. Ele me viu pequeno e eu driblava. Fala para eu ir para cima e eu vou melhorar nisso".

'Quero ser ídolo'

Aos 19 anos, Marcos Leonardo pretende ganhar pelo menos um título e se tornar ídolo para ser negociado. O Santos espera lucrar com outros atletas para poder manter seu centroavante titular absoluto.

Independentemente dos valores recebidos ou do "sim" do presidente Andres Rueda, Marcos Leonardo promete sair apenas com o "aval de Deus". Ele e sua família são muito religiosos e têm o costume de buscar respostas na igreja.

"Rueda falou que precisa de dinheiro para pagar as contas e salário. Eu, sinceramente, não tenho pressa para sair do Santos. Quero virar ídolo aqui, ter meu nome, que lembrem do meu nome sempre. E sair pela porta da frente, não vou passar a perna em ninguém. Quero sair pela porta da frente. E depois chegar numa seleção principal e jogar uma Copa. Só vou sair quando Deus disser para eu ir", promete.

O contrato termina em 31 de dezembro de 2026 e a multa rescisória é de 100 milhões de euros (R$ 518 milhões, na cotação atual). Pai e empresários adotam o mesmo discurso: a joia só sairá se a proposta for irrecusável. A ideia para 2023 é de permanência no Santos.

Santos mal, Marcos bem

O Peixe vive mais um ano frustrante. O time brigou contra o rebaixamento no Campeonato Paulista, foi eliminado precocemente na Copa do Brasil e Sul-Americana e não deve cumprir o objetivo de estar na Libertadores em 2023. Mesmo assim, Marcos Leonardo "se salvou".

As cobranças da torcida são grandes e o pressionam, mas ele aprendeu a lidar. E uma das formas foi saber quando ficar em silêncio.

Lucas Barbosa comemora gol com Marcos Leonardo - Ivan Storti/ Santos FC - Ivan Storti/ Santos FC
Lucas Barbosa comemora gol com Marcos Leonardo
Imagem: Ivan Storti/ Santos FC

"Futebol tem a parte mental como muito importante. Contra o Atlético-MG, deu tudo errado pra mim. Se 10 bolas, nove é gol e ela não entrava. No jogo seguinte, fiz um gol bonito contra o Juventude. Quando as coisas não dão certo, tento me distrair. Leio alguns comentários, muita gente é fake, vão no embalo e eu só dou risada. Eu jogo um Freefire, Fifa, não posto porque evito... Se momento não é tão bom, não é momento de postar isso ou aquilo. Evito polêmica, não sou chegado nisso. Prefiro ficar quieto, mesmo tendo razão".

O camisa 9 é o artilheiro do Santos na temporada, com 20 gols, e adquiriu papel de liderança no elenco mesmo com 19 anos. O garoto dá conselhos aos que são ainda mais novos, como Ângelo, e sempre fala no vestiário antes e depois dos jogos.

Assim como em 2021, Marcos Leonardo cresceu de produção na reta final do Campeonato Brasileiro e agora espera que o próximo ano seja diferente.

"Independentemente do resultado, sempre vou dar meu melhor, brigando em cada jogada. Meus números são bons, mas infelizmente a temporada não é boa e serve de aprendizado para cada um para não repetirmos. A gente oscilou muito, mas eu, particularmente, faço temporada boa, com gols, e mais ainda nessa reta final", explica.

Se continuar mesmo em 2023, Marcos Leonardo espera realizar seu objetivo de ser capitão do Santos.

"Eu gosto de brincar, mas na hora de ser sério eu sou bem sério. Vestiário tem que incentivar, deixar time a mil. Sempre vou ser assim, todo mundo tem que falar no vestiário. Sempre tive esse perfil. E sempre foi meu sonho virar ídolo, líder e um dia usar a braçadeira".

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