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Euro valendo o mesmo que o dólar: como isso afeta o futebol brasileiro?

Notícia do mercado financeiro acende sinal amarelo e pode fazer clubes brasileiros saírem no prejuízo - Getty Images
Notícia do mercado financeiro acende sinal amarelo e pode fazer clubes brasileiros saírem no prejuízo Imagem: Getty Images

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

17/07/2022 04h00

No começo da semana, o euro atingiu o mesmo valor do dólar pela primeira vez desde 2002, quando a moeda única europeia foi criada. Tem ligação com o conflito entre Rússia e Ucrânia e instabilidades geopolíticas geradas por isso.

Mesmo longe da guerra, da Europa, dos Estados Unidos e até das discussões mais profundas do mercado financeiro, tem gente no futebol brasileiro preocupada com o acontecimento. São clubes, empresários e atletas que temem os impactos da paridade entre as moedas nos grandes negócios que estão tocando. O dilema é simples: se tem dias em que o euro vale menos que o dólar, por que avaliar e vender jogador em euro?

"Um sinal amarelo importante nasceu neste aspecto. Tendo o dólar atingido a paridade com o euro, existem analistas de câmbio que preveem inclusive que o dólar vai superar o valor do euro. Assim, quando os clubes brasileiros fecharem o contrato de câmbio das transações feitas em euro vão receber, em reais, menos do que esperavam receber no momento da concretização da negociação", reflete o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em negócios do futebol e sócio do Carlezzo Advogados.

O UOL Esporte ouviu outro especialista, que é o advogado Marcel Belfiore, autoridade em Direito Desportivo e sócio do Ambiel Advogados. A visão é a mesma do colega de profissão: "Para os clubes brasileiros que transferiram jogadores com preço fixado em euros antes da desvalorização, e que ainda têm valores a receber em razão de parcelamento ou atraso, a desvalorização do euro poderá ser sentida. Nessa hipótese, o valor em reais que o clube receberia se o pagamento fosse à vista seria maior do que se for pago após a desvalorização. Isso pode, evidentemente, significar prejuízo para o clube brasileiro."

Representantes de jogadores consultados pela reportagem disseram que os clubes já estão preocupados com o assunto. É tudo muito recente, porque a debilidade do euro frente ao dólar ganhou força só neste ano. Mas já é um tema nos bastidores das negociações e pode interferir no futuro dos nossos jogadores e também em que moeda nossos clubes vão vendê-los.

O UOL ouviu que um jogador da Série A do Brasileirão que têm negociações avançadas com um clube europeu pode na verdade ser vendido para a Arábia Saudita porque os valores em euro e dólares da transação agora são equivalentes, com vantagem para os árabes em outras cláusulas que os europeus não querem ceder.

"Nesse tipo de negócio, as partes podem estabelecer a moeda para fixação do preço da transferência, conforme respectivas pretensões relacionadas ao risco cambial. Como normalmente os clubes pagadores são estrangeiros e a nossa moeda é mais volátil, esse risco habitualmente fica com os clubes brasileiros, que não raras vezes observam ganhos em razão da desvalorização do real. Com esse novo cenário, talvez existam clubes brasileiros que prefiram fixar o preço da transferência em dólar, ao invés de euros, pois imaginam um menor risco de desvalorização do dólar frente ao real se comparado ao euro", diz Marcel Belfiore, mas sem acreditar que isso se torne tendência do mercado porque o futebol europeu segue sendo muito mais sedutor.

João - Divulgação - Divulgação
João Victor, ex-Corinthians, agora é do Benfica
Imagem: Divulgação

Se virar tendência, completa Eduardo Carlezzo, não é um assunto para a atual janela de transferências, que está aberta por mais 46 dias pelo menos nos mercados mais importantes, como Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália: "Assim como euro ganhou força frente ao dólar nos últimos 20 anos, a gangorra agora pode se inverter, e podemos esperar que esse assunto já esteja na agenda dos itens a serem tratados quando da transferência de um atleta. Porém talvez ainda não com tanta ênfase nesta janela."

Os especialistas não acreditam que a janela atual seja mais fraca por causa da paridade entre as moedas.

Até o momento, foram três principais negociações de clubes brasileiros com o futebol internacional: o Corinthians vendeu João Victor para o Benfica por 9,5 milhões de euros (R$ 50,7 milhões na cotação do dia do anúncio da transferência), o São Paulo negociou Gabriel Sara com o Norwich City por 9,5 milhões de libras (cerca de R$ 60 milhões) e o Flamengo cedeu Willian Arão ao Fenerbahce por 3 milhões de euros (mais ou menos R$ 16 milhões).

É grande a chance de as próximas negociações sentirem com mais firmeza o impacto do euro caindo ao mesmo valor do dólar. Até porque não há previsão de mudança na questão do abastecimento de energia e matérias-primas no continente europeu enquanto durar a guerra. "Tende a seguir firme durante este ano", prevê Eduardo Carlezzo. Ou até que as autoridades europeias lancem mão de medidas econômicas para estabilizar a variação da moeda.