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SPFC: Torcedores fazem vaquinha para tornar entorno do Morumbi um caldeirão

Grafite feito por Alan homenageia os campeões de 2005. Expectativa é terminar o desenho até o jogo contra o Cuiabá - Arquivo pessoal
Grafite feito por Alan homenageia os campeões de 2005. Expectativa é terminar o desenho até o jogo contra o Cuiabá Imagem: Arquivo pessoal

Brunno Carvalho

Do UOL, em São Paulo

14/05/2022 04h00

O sol começa a sumir na fria tarde de sexta-feira em São Paulo, enquanto Alan Kolesnik, 46, o "RZ", sobe os 13 degraus da escada apoiada em um muro que até três dias atrás era todo branco. Com a ajuda de Breno Marchese, 29, ele arranca os fios que ajudaram na simetria e se prepara para passar mais uma demão de tinta.

As cores vermelhas já dominam um terço do muro de 15 metros e os traços do rascunho começam a desenhar feições bastante conhecidas para quem é são-paulino. Rogério Ceni, Mineiro, Amoroso, Paulo Autuori e companhia simbolizam a homenagem aos campeões mundiais de 2005 feita em um espaço situado do outro lado da rua da bilheteria principal do estádio do Morumbi, na avenida Jules Rimet.

É o primeiro passo de um projeto ambicioso. Eles querem transformar os arredores do estádio em um museu a céu aberto da história são-paulina. Isso para o lado do mandante, é claro. Na rua que serve como acesso ao visitante, o plano é fazer um caldeirão tricolor. "Quero que lá seja uma pintura mais hostil, para eles entenderem que aqui é nosso lugar. Eles vêm, assistem ao jogo, vão embora, mas sabendo que tem pressão."

A ideia é que os inúmeros muros que compõem a avenida Jules Rimet e a Giovanni Gronchi exibam pedaços da história são-paulina. Ao lado dos campeões mundiais de 2005, Alan pretende grafitar os heróis de 1992 e 1993. Mas para isso precisa de dinheiro. "Não tenho nem para esse que estou fazendo."

Breno e Alan grafite Morumbi - Brunno Carvalho/UOL - Brunno Carvalho/UOL
Breno e Alan sonham em criar uma identidade são-paulina nos arredores do Morumbi
Imagem: Brunno Carvalho/UOL

Os dois amigos contam que tiveram uma ajuda fundamental de Renato Pereira, dono do estacionamento e da casa onde as primeiras pinturas serão feitas. De acordo com Alan, Renato foi um dos idealizadores e participou da escolha dos desenhos - semelhantes aos que ele tem em forma de quadros no estabelecimento. Foi dele uma das primeiras verbas arrecadadas pela dupla para que o museu a céu aberto tivesse início.

Alan e Breno iniciaram uma vaquinha nas redes sociais para levantar fundos para que o projeto ande. Alan fica responsável pelos desenhos, Breno cuida da comunicação. "Sou quase um analfabeto digital, nem meu Instagram eu sei usar direito", avisa o artista.

A iniciativa começou há pouco menos de um mês. Um texto escrito por Breno rodou os grupos de WhatsApp dos amigos são-paulinos e chegou no Twitter. O post do perfil "1930stuff" teve mais de mil curtidas e chegou na reportagem, que esteve no local para acompanhar o primeiro dia de trabalho da dupla.

Eles estimam terem conseguido levantar até agora cerca de R$ 1 mil. "Tem cara que tinha dois reais na conta e falou que ia mandar os dois reais e teve cara que falou que ia mandar R$ 200 para o negócio andar. Qualquer ajuda é bem-vinda. Se o cara quiser mandar 50 centavos, pode mandar", diz Breno.

A ida aos jogos do São Paulo fora do país como visitante foi importante para que eles quisessem deixar o Morumbi mais com a cara do clube. A cidade de Rosário, na Argentina, por exemplo, é dividida pelas cores do Rosario Central e Newell's Old Boys. Os muros pintados de azul e amarelo ou vermelho e preto deixam claro a qual clube pertence àquela região.

Grafite muro São Paulo Morumbi - Brunno Carvalho/UOL - Brunno Carvalho/UOL
Rascunho na parede ajuda Alan a projetar o grafite final no muro
Imagem: Brunno Carvalho/UOL

"Em outros lugares, o pessoal domina o entorno do estádio. O bairro do Morumbi é muito impessoal. Apesar de a gente amar as barraquinhas que têm aqui, elas são montadas na hora do jogo e vão embora. Esses grafites vão ser uma forma de a gente mostrar que a gente ocupa o espaço e amamos o nosso time. Vai ser um aviso diário de que esse lugar é do São Paulo", explica Alan.

Mesmo sem os recursos necessários, eles já começam a pensar nos próximos desenhos que serão feitos. Um dos muros será usado para recriar a icônica bicicleta de Leônidas da Silva, um dos maiores ídolos do São Paulo. Em outro, a forte relação do clube com o Uruguai será retratada com o rosto de ex-atletas, como Darío Pereyra e Diego Lugano. Jogadores mais antigos, como Arthur Friedenreich, também serão lembrados. "Meu avô falava que ele era melhor até que o Pelé", recorda Alan.

A dupla quer que o primeiro desenho seja concluído amanhã de manhã (15), horas antes da partida do São Paulo contra o Cuiabá, pelo Brasileirão. A esperança é que a pintura atraia a curiosidade dos torcedores e renda apoio para os projetos futuros.

Breno (à esquerda) e Alan (na escada) se ajudam no projeto para deixar a região do Morumbi com a cara do São Paulo - Brunno Carvalho/UOL - Brunno Carvalho/UOL
Breno (à esquerda) e Alan (na escada) se ajudam no projeto para deixar a região do Morumbi com a cara do São Paulo
Imagem: Brunno Carvalho/UOL

Pinto tudo, desde puteiro até igreja

Alan grafite Morumbi - Brunno Carvalho/UOL - Brunno Carvalho/UOL
Alan Mozor grafita profissionalmente desde 1995
Imagem: Brunno Carvalho/UOL

Alan Mozor grafita os muros da região do Morumbi por amor ao São Paulo, mas fora dali usa a arte também para ganhar a vida. Ele trabalha como grafiteiro desde 1995 e não tem restrições sobre locais ou tipos de trabalho: "Faço trampos grandes, como no Wet'n Wild [parque aquático paulista], até clientes menores. De puteiro a igreja, eu pinto tudo".

O primeiro contato com a arte começou no picho, ele diz. "É um protesto, um jeito de a periferia aparecer e dizer 'eu existo'". Na adolescência, percorria São Paulo com os amigos preenchendo os muros. Certa vez, quando desenhava em uma escola, foi chamado por um professor que o ensinou a grafitar. "Eu pirei. Ali foi a semente."

Se tudo der certo no plano com Breno, Alan verá sua arte espalhada pelos arredores do Morumbi. Um feito especial para quem diz acompanhar os jogos do clube no estádio desde os 10 anos.

"Como são-paulino, isso aqui é um prazer. Eu sempre quis ocupar o Morumbi, é uma questão de identidade. E acho que também vai me dar um retorno profissional, porque cada trabalho que faço é uma repercussão. A ideia é o projeto virar um monstro."

A imensidão de muros que cercam o Morumbi fará com que a dupla precise de ajuda. Eles têm entrado em contato com moradores da região para usarem o espaço, mas convidam quem mais queira chegar. "O muro é público, vem quem quer."

Como toda exposição de arte, eles planejam uma curadoria para o museu a céu aberto do São Paulo. A condição para os grafiteiros é clara: tem que ser são-paulino e bom com o spray na mão.

"Esse é um trabalho bem elaborado. A gente vai fazer coisas mais simples também, mas tudo com qualidade. Não adianta fazer um tigre com dor de dente, ou o Mineiro vesgo. Isso a gente não quer que aconteça, quer manter um padrão", explica.

Os dois não descartam uma ajuda futura do São Paulo, caso o clube tenha interesse, mas dizem querer que o projeto comece de forma independente. "É dos torcedores. Pode vir ajudar quem quiser: torcedor, sócio-torcedor, clube, torcida organizada".

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