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Tite revela conversa com Neymar durante crise no PSG: 'Preocupação humana'

Gabriel Carneiro

Do UOL, em Doha (Qatar)

04/04/2022 04h00

Classificação e Jogos

Faltam pouco mais de sete meses para a Copa do Mundo do Qatar, e a maior estrela da seleção brasileira está longe da melhor forma. Tratado por parte da torcida do PSG como um dos culpados pela eliminação do time nas oitavas de final da Liga dos Campeões e em meio à pior de suas nove temporadas na Europa, Neymar hoje é mais motivo de preocupação do que entusiasmo.

Em entrevista ao UOL Esporte, Tite revelou uma conversa particular com o camisa 10 do Brasil pouco depois de o PSG cair da Champions diante do Real Madrid. O jogador se apresentaria duas semanas depois à seleção, pela qual marcou uma vez na goleada por 4 a 0 sobre o Chile, pelas Eliminatórias.

"Eu vou externar, fazer uma inconfidência. Logo que o Neymar e o Marquinhos ficaram fora da Liga dos Campeões, eu conversei com muitos atletas eliminados, mas com ele [Neymar] eu conversei inclusive com vídeo. Pela minha preocupação humana, do momento, da expectativa que é gerada e de todas as pressões que ele carrega. Quis dizer que o técnico, o Adenor, estava atento ao Neymar pessoa, ser humano, ao Marquinhos também", revelou o treinador, antes de explicar o teor do papo:

"Para que eles compreendam toda essa visibilidade que eles têm e que também acarreta uma série de benefícios na carreira. Saber interpretar essas pressões, esses momentos de frustração. Encarar isso com respeito, saber dessa exposição para que pudessem vir para a seleção brasileira numa condição boa. Também conversei com outros depois que o Real Madrid perdeu o clássico de forma emblemática. Nós ficamos atentos a essas situações todas para dar a devida preparação, o norte."

Apesar da má fase no PSG, Neymar lidera todas as estatísticas da seleção brasileira no ciclo para a Copa do Mundo do Qatar: é líder em gols marcados [14] e em passes para gol [19], responsável portanto por participar diretamente de quase 30% dos gols do time em seus últimos 46 jogos.

Isso ajuda a explicar as razões da tentativa de Tite de mobilizar seu camisa 10, mantê-lo confiante e preparado para os próximos desafios. O treinador, aliás, se notabilizou por um movimento recente de resgate de autoestima do meia Philippe Coutinho, que voltou a ser convocado depois de se recuperar de lesão quando estava em baixa no Barcelona. Hoje, é uma das estrelas do Aston Villa.

A primeira coisa é do atleta, da evolução própria dele, do nível de consciência que ele tem, da maturidade que ele vai desenvolvendo no seu processo evolutivo. Seis meses para um atleta é muito tempo, eu sempre digo isso. Não só para o jovem, mas também para aquele que tem uma certa idade e se mantém em alto nível. O que temos procurado fazer é ter essa relação com o atleta de dizer: confiança tenho, mas vocês vão competir em alto nível. Agora a competição e se vai jogar o mais jovem, aquele que foi resgatado, isso é o de menos. E ser justo e decidir é muito difícil. Sei que inevitavelmente vou agradar uns e desagradar outros, pela competitividade. Mas ter coerência, discernimento, a gente vai."

Neymar - Javier Soriano/AFP - Javier Soriano/AFP
Neymar no jogo de eliminação do PSG contra o Real Madrid na Liga dos Campeões
Imagem: Javier Soriano/AFP

"Aqui o papo é reto"

Tite é o treinador com mais tempo à frente de uma seleção no Grupo G da Copa do Mundo, que também tem Sérvia, Suíça e Camarões. Ele acha que um dos maiores benefícios dos quase seis anos de trabalho é justamente a intimidade que adquire com os jogadores, que permite um gesto como uma ligação de vídeo depois de uma grande derrota.

"Se tu conversar com todos os que estão aí entre os selecionáveis, eles sabem que o papo é reto. Conhecem nossa credibilidade e sabem que a gente não está falando pro forma. Eles sabem que o que será falado para eles eticamente será a mesma coisa falada para ti [repórter], talvez de outra forma. Ou não falar alguns assuntos particulares. Mas essa relação de transparência, de confiança, só o tempo."

A reflexão traz a Tite a memória sobre quando ainda era jogador do Guarani nos anos 80. Foi lá que ele aprendeu a importância de uma relação próxima entre comandado e comandante.

Tite - Gabriel Carneiro/UOL - Gabriel Carneiro/UOL
Tite durante entrevista para o UOL no Qatar
Imagem: Gabriel Carneiro/UOL

"E eu como ex-atleta, uma vez fiquei fora do banco, já com um certo tempo de carreira, e procurei o técnico, disse assim: 'bah, cara, não faz isso para mim, ficar fora do banco a autoestima vai lá embaixo, prefiro ficar fora de tudo me preparando para no próximo jogo tu me utilizar, eu quero ter a sinceridade de falar isso para ti'. Zé Duarte [o nome do técnico], aprendi aí. Mesmo recuperando de uma lesão no joelho, aprendi a ter essa relação de transparência. Passou um, dois jogos, um jogo decisivo contra a Ponte Preta pelo Guarani, em Moisés Lucarelli, entrei. Para tu ver como minha lembrança traz essa relação de lealdade, de sinceridade, que era eu como atleta para o técnico e agora como técnico para o atleta."

Neymar cumpriu suspensão na goleada por 4 a 0 sobre a Bolívia na última semana e volta para os amistosos de junho. Locais, horários e adversários ainda estão indefinidos.