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Fair play financeiro da Uefa não serviria no futebol brasileiro, diz Scuro

Do UOL, em São Paulo

30/10/2021 04h00

O futebol brasileiro discute já há alguns anos a adoção de um sistema de fair play financeiro, como há em outras ligas do futebol mundial para o controle dos gastos dos clubes de acordo com os valores que eles arrecadam, algo que dificultou, por exemplo, a permanência de Lionel Messi no Barcelona para a temporada atual.

Em entrevista a Mauro Cezar Pereira no programa Dividida, do Canal UOL, o diretor executivo de futebol do Red Bull Bragantino, Tiago Scuro, defende que é necessária a adoção do fair play financeiro no futebol brasileiro —debate que travou em meio aos problemas relacionados à gestão da própria CBF, com o afastamento do presidente Rogério Caboclo sob acusações de assédio—, mas ressalta que o modelo utilizado atualmente pela Uefa não funcionaria no Brasil.

"Eu sou 100% favorável à aplicação de um modelo de fair play financeiro para o futebol brasileiro. Tenho participado de algumas conversas nesse sentido dentro da CBF. O projeto estava bem avançado para ser implementado já neste ano, agora, óbvio que todos esses problemas políticos, essa instabilidade que a CBF vive há algum tempo dificulta a discussão dessas ideias, que dirá a implementação", diz Scuro.

"É preciso ter o conhecimento do ambiente do futebol, da indústria específica. Não adianta um profissional que só trabalhou em banco vir trazer ideias. E principalmente olharmos para o futebol brasileiro porque copiar o modelo de fair play financeiro da Uefa para o mercado brasileiro... é impossível de aplicar, porque nós temos um ponto de partida aqui que são as dívidas. Como é que você vai equilibrar um modelo que limita investimentos, que no caso da Uefa é um modelo limitador, quando você tem equipes devendo R$ 1 bilhão?", questiona.

Para o dirigente, o sistema a ser adotado no Brasil deveria ser gradativo, mas ressalta a necessidade de se acabar com uma situação na qual há clubes com dívidas até em relação aos jogadores, mas seguindo livres para contratar.

"Nós vamos precisar adotar um modelo que seja gradativo. O primeiro passo é cumprir com as obrigações no exercício. Eu acho que esse é o primeiro passo que precisa ser dado. Não é aceitável em uma indústria como a nossa, que os clubes tenham dívidas enormes, que não estejam cumprindo, seja com transferência de jogadores, com direitos de imagem, com qualquer tipo de responsabilidade, e ainda assim contratando e fazendo grandes investimentos para jogar para a frente", diz Scuro.

O limite na capacidade de investimento dos clubes é um ponto crítico que o dirigente utiliza como fator negativo do modelo de fair play financeiro da Uefa, destacando que um clube como o Chelsea jamais chegaria ao seu estágio atual com o sistema que foi adotado pela entidade que rege o futebol europeu.

"Ele limita a sua capacidade de investimento de acordo com a sua receita. O primeiro ponto que tem que ser observado é o tempo, a Série B de Brasileiro e Série A de Paulista, este é um clube que tem aí, em linhas gerais, R$ 15, 20 milhões de receita no ano garantidos pela televisão. Então, um clube que tenha uma receita de R$ 20 milhões e só pode aportar 30% através de um investimento extra, ele vai conseguir aportar mais R$ 6 milhões, então ele passa a ser um clube de R$ 26 milhões, certo? É impossível você sair do status quo. Parte desta característica do futebol europeu, que os clubes de topo estão sempre no topo, médio sempre médio e pequeno sempre pequeno, ele vem dessa limitação também", explica.

"Quando um investidor compra o clube, é natural que no primeiro momento precisem ser feitos investimentos para elevar o patamar dele, e aí, na minha opinião, o Brasil deveria criar limites que considerem o maior da liga. Então, nós não podemos comparar o clube com ele mesmo. Nós poderíamos comparar ele dentro do campeonato. Aí existe uma briga justa do ponto de vista financeiro, então, se nós temos ali Flamengo e Palmeiras na casa dos R$ 600 milhões, ok. Não pode chegar mais do que 80% da maior receita da liga, 70%, garantir uma proteção aos clubes de maior receita, mas não impossibilitar que clubes de menor porte possam alavancar o seu tamanho ou o seu padrão", completa.

Na opinião de Tiago Scuro, a adoção de um sistema como o da Uefa poderia até afastar potenciais investidores dos clubes do futebol brasileiro.

"Trazer esse modelo para o Brasil, ele tende a ser muito mais nocivo, porque, ao invés de atrair investidores, nós vamos afugentar os investidores e nós estamos no momento de tentar trabalhar para que maior investimento venha para o nosso campeonato, então, eu acho que esse é um dos aspectos que, por exemplo, precisam ser adaptados", conclui.

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