Topo

Retranqueiro, conservador ou em construção? Rótulos desafiam Tite até Copa

Tite durante partida da seleção brasileira contra o Chile pelas Eliminatórias; duelo contra a Argentina é hoje (5), às 16h - Lucas Figueiredo/CBF
Tite durante partida da seleção brasileira contra o Chile pelas Eliminatórias; duelo contra a Argentina é hoje (5), às 16h Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

05/09/2021 04h00

A seleção brasileira enfrenta a Argentina hoje (5), às 16h, na Neo Química Arena, em jogo atrasado da sexta rodada das Eliminatórias da Copa do Mundo do Qatar. Reedição da final da Copa América disputada há dois meses, a partida tem um peso especial para o técnico Tite, que nas últimas semanas tem lidado com algumas críticas sobre o nível de desempenho do Brasil.

Quanto aos resultados há pouco a ser dito: o time lidera as Eliminatórias com 100% de aproveitamento em sete jogos — nenhuma seleção tinha feito isso. Já dentro do universo das críticas não é a avaliação negativa sobre as atuações do Brasil que causa incômodo a Tite. Ele acha que é natural dentro do que chama de "fase de construção" do time. O que chega a irritar são os rótulos.

Em algumas das últimas manifestações públicas do treinador, o termo "conservador" apareceu em perguntas de jornalistas ou reflexões dele. A palavra diz respeito às suposições de que Tite mexe pouco no time, reduz as oportunidades a nomes diferentes ou é excessivamente cauteloso para fazer a seleção atacar com mais jogadores e dominar as partidas.

Tite teve dois tipos de reação ao rótulo: primeiro citou parte de seu currículo no futebol, que também envolve a construção de times vistosos e algumas goleadas. Depois, usou de bom humor para ironizar o assunto. Foi na entrevista coletiva pós-vitória por 1 a 0 sobre o Chile. Ao lado de seu auxiliar Cleber Xavier, o técnico foi perguntado sobre a atuação de Weverton e a qualidade dos goleiros da seleção.

Na resposta, lembrou-se de uma história do passado sobre um massagista da Portuguesa que sugeriu que o time jogasse com dois goleiros para parar de perder. "Nós poderíamos jogar na seleção com qualquer um dos três goleiros, é uma grande safra", concluiu. Cleber Xavier lembrou de Alisson e Ederson, vetados desta convocação, e completou: "Dá para jogar com cinco goleiros". Daí, Tite se virou para ele em tom de piada:

Seu retranqueiro! Não sou eu [o retranqueiro], é ele [Cleber]."

Cleber Xavier devolveu, retomando o termo que já tinha aparecido no dia anterior: "Retranqueiro, não. Conservador." Tite se divertiu e novamente mencionou o currículo, o que mostra que o assunto frequenta suas reflexões sobre futebol: "Quando fez 7 a 0 com o Inter no primeiro tempo do jogo contra o Caxias, aí era o quê (risos)? Estrategista, faceirinho."

Tite - Vipcomm - Vipcomm
Tite conquistou três títulos pelo Inter entre junho de 2008 e outubro de 2009
Imagem: Vipcomm

O jogo a que se refere o treinador foi no Campeonato Gaúcho de 2009. Dirigido por Tite, o Internacional goleou o Caxias por 8 a 1 na final do segundo turno, sendo 7 a 0 construídos no primeiro tempo, e foi campeão estadual por já ter faturado o primeiro turno.

O time foi elogiado pelo desempenho e o treinador ganhou o rótulo de "faceirinho", que no Rio Grande do Sul é o que se diz dos times ofensivos e ousados. O ex-goleiro Lauro fez parte daquele time e daquele jogo e lembra como foi:

Era o ano do centenário do Inter e nossa equipe estava embalada depois do título da Sul-Americana com o Tite. A verdade é que tornamos aquele jogo fácil com uma estratégia bem montada de ir para cima. O Tite estabeleceu um conceito semelhante ao que víamos no futebol europeu, porque no Brasil se jogava diferente. Não estou defendendo, mas ele e o Cleber são estudiosos do futebol, atualizados. Na minha visão ele encaixa os jogadores com segurança, são times que não tomam gols e aí podem ser efetivos. Esse rótulo de conservador acho que estão confundido com defender bem."
Lauro, ao UOL Esporte

Lauro  - Alexandre Lopes - Alexandre Lopes
Lauro era o goleiro titular do Internacional no ciclo vitorioso sob o comando de Tite
Imagem: Alexandre Lopes

Por que o rótulo incomoda?

Em seus últimos cinco jogos, a seleção brasileira tem três vitórias por 1 a 0, um empate em 1 a 1 e uma derrota também por 1 a 0. Apesar dos placares magros que supõem um time que não corre muitos riscos em campo, o histórico está mais para faceirinho do que para conservador: em cinco anos de trabalho são 129 gols marcados em 62 jogos, média de dois por jogos. A média cresce em partidas oficiais (2,1) e no recorte só das Eliminatórias (2,5).

Tite - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Tite comandou só um treino antes do jogo contra a Argentina
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Tite também discorda do ponto da crítica que estabeleceu que ele conduz uma "panela", não dá oportunidade para novos ou mexe pouco no time. Até na transmissão da Globo de Chile x Brasil, o narrador Galvão Bueno afirmou que não era do feitio do treinador mexer no time no intervalo, sendo que o histórico recente diz o contrário. Desde que foram permitidas cinco substituições em razão da pandemia ele agiu no intervalo em oito de 14 jogos.

O estafe do treinador também condena a afirmação de que são sempre os mesmos convocados. Desde a Copa do Mundo da Rússia foram chamados 80 jogadores diferentes e 43 deles estreantes. A lista atual tem cinco que nunca foram convocados para a seleção e vivem a primeira chance. Apesar de isso acontecer num contexto de 12 cortes, são elementos que mostram que o rótulo de conservador é frágil.

Tite não tem rebatido diretamente o discurso e a ideia é de não fazê-lo, por mais que mostre incômodo nos bastidores. Também não vê motivos para qualquer mudança radical no sistema de jogo da seleção por considerar que está em desenvolvimento a montagem do time que disputará a Copa do Mundo de 2022. Em 2018, ele acha que o fato de o time ter alcançado o auge do desempenho nas Eliminatórias atrapalhou a busca por objetivos maiores na Copa da Rússia. Agora, o plano é não pular etapas.

Seleção brasileira treina na Neo Química Arena antes de enfrentar Argentina

Ao mesmo tempo, o entendimento de que é um processo não apaga a insatisfação de Tite com meio-campo e ataque da seleção, o que chama de "processo criativo". Ele tem feito testes e diferentes combinações de jogadores em que as únicas regras são Casemiro na proteção da zaga e Neymar com plena liberdade de movimentação para criar espaço por dentro, ora mais recuado, ora como centroavante, ora pela esquerda.

Todos os outros são adaptáveis, mas ninguém conseguiu se firmar e essa é uma preocupação muito maior do que com os rótulos.