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"A identidade com o torcedor segue igual na quarentena", diz especialista

Homem segura bola de futebol para ilustrar a pandemia de coronavírus - Jarry S/Getty Images
Homem segura bola de futebol para ilustrar a pandemia de coronavírus Imagem: Jarry S/Getty Images

Thiago Fernandes

Do UOL, em Belo Horizonte

13/06/2020 04h00

A paralisação do futebol brasileiro por causa da pandemia do novo coronavírus está perto de completar 90 dias e os clubes seguem tentando de todas as maneiras alternativas para driblar a crise. A principal delas está naquela que é considerada umas maiores fontes de receitas de todos eles: o sócio-torcedor.

De acordo com aquilo que presidentes e executivos dos clubes tem falado em entrevistas e publicações, em média eles já perderam de 20% a 30% de seu quadro de associados. Diante desse cenário, a pergunta que fica é uma só: como conseguir manter o sócio adimplente, em meio às dificuldades financeiras enfrentadas pela população, em um período sem jogos?

André Monnerat, diretor de negócios da Feng Brasil, empresa especializada em programas de sócios e engajamento de torcedores, e que atende clubes como Flamengo, Vasco e Santos, afirma que o desafio está na mensagem que cada agremiação pode levar ao seu público.

"A verdade é que os jogos pararam, mas a identidade com o torcedor continua a mesma. Este sentimento continua importante, e ser sócio é ter a certeza de que ele se mantém vivo, como sempre. O desafio é conseguir transmitir essa mensagem com força para o torcedor, tanto na comunicação quanto nas ações envolvendo o programa", explica.

Números com programas de sócios estavam em ascensão

No final do ano passado, a Feng divulgou um amplo levantamento mostrando que o faturamento dos clubes da Série A com programas de sócios cresceu 42% desde 2014, representando uma receita total de R$ 390 milhões em 2018. A expectativa para 2019 é que esses números fossem ainda maiores. Os dados foram obtidos por meio dos balanços oficiais dos clubes.

Para voltar um pouco no tempo, os programas de sócios ganharam impulso maior no Brasil desde o lançamento do Movimento por um Futebol Melhor, iniciativa da AmBev em torno do patrocínio da Brahma a muitos clubes e que gerou movimentação de departamentos de marketing antes não tão engajados nesta fonte de receita - além de um grande investimento em mídia na época para contar a história de que virar sócio torna seu time mais forte dentro de campo. O Movimento perdeu força na estratégia da cervejaria - hoje seu site nem mesmo está no ar -, mas de fato o faturamento dos clubes cresceu de lá pra cá.

Essa receita com mensalidades oriundas dos programas de sócios representa, em média, 8% dos pouco mais de R$ 5 bilhões que essas agremiações tiveram de receita total. Mas há clubes em que este percentual é bem maior, como é o caso dos gaúchos Inter (22%) e Grêmio (19%), pioneiros em dar foco na construção desta fonte de renda. Além disso, tradicionalmente a grande fonte de receita B2C dos clubes é a bilheteria dos jogos; mas nos últimos dois anos esses números tem chegado bem perto do total de bilheteria, que foi de R$ 417,5 milhões.

Clubes tentam driblar a crise em meio à pandemia

Alguns clubes têm trabalhado bem e tentado criar alternativas durante este período. Um deles é o Santos, que ofereceu promoções para novas adesões e deu desconto de 50% no plano básico, fato este que gerou duas mil novas inscrições durante o mês abril. O sucesso foi tão grande que a ação foi estendida para esse mês de maio. Outra ação importante foi uma campanha publicitária lançada durante o aniversário do clube, com um manifesto sobre a importância do torcedor permanecer ao lado do clube.

Já o Fortaleza lançou algumas medidas de proteção ao sócio: cada adimplente ganhou dois meses no contrato, enquanto o sócio inadimplente tem a oportunidade de quitar apenas uma das parcelas em atraso para regularizar a situação, e também ganhar dois meses a mais no contrato.

"Tivemos um aumento de sócios em março e uma queda de mais ou menos 20% em abril, o que é perfeitamente compreensível. Prorrogamos em dois meses o contrato dos sócios adimplentes e ajudamos aos inadimplentes ficarem em dia por meio de ações. Nossa meta é fazer com que o nosso torcedor também entenda esse momento de dificuldade, e ele tem procurado fazer isso de diferentes maneiras", afirma Marcelo Paz, mandatário do Leão.

Pelo Brasil, os clubes tentam encontrar novas soluções. O Vasco, clube que mais ganhou sócios-torcedores no país durante o final da última temporada, dá como opção três meses grátis a quem renovar os planos para compensar o período sem jogos. No Sul do país, Grêmio e Internacional, considerados pioneiros e modelos de gestão em sócios, promoveram inúmeras ativações de engajamento nas redes sociais.

"A palavra chave agora não é atrair, e sim reter. Difícil imaginar torcedores aderindo aos programas neste momento, cujo principal produto é algo que não está sendo realizado. Agora, atuar sobre a frente financeira e com ações de engajamento por meio de excelência em conteúdo e frequência, além do viés social obrigatório no momento, podem ajudar os times a perderem menos sócios em suas bases. Irão se sobressair os times que se prepararam para entender suas bases de torcedores e agirem de forma assertiva e proativa", aponta Gustavo Herbetta, fundador da agência de marketing esportivo da Lmid, e que já foi superintendente de marketing do Corinthians entre os anos de 2015 e 2017.

Na capital paulista, Palmeiras e Corinthians, dois dos principais clubes em sócios-torcedores também promoveram algumas iniciativas: a principal delas, em ambos, é que terão os valores pagos a partir do mês de abril revertidos em créditos para a aquisição de ingressos de jogos futuros.

Por outro lado, não são apenas os chamados 'grandes' que vem criando alternativas. O Botafogo de Ribeirão Preto, por exemplo, está comercializando antecipadamente os ingressos (vouchers) dos jogos que o time disputará no estádio Santa Cruz nesta temporada, e vai destinar 100% do valor líquido arrecadado para a Prefeitura de Ribeirão Preto na luta contra a Covid-19.

"Cada clube, cada plano e cada torcida têm suas realidades próprias, é difícil falar em receita de bolo. Mas certamente é preciso trabalhar a comunicação para ressaltar o significado de ser sócio: se torcer para o seu clube é uma parte importante de quem você é, manter-se sócio é uma grande afirmação disso. Além disso, há formas de interação digital para manter o sócio engajado com o programa. Por exemplo: os que têm programas de pontuação estão usando bastante resgates de prêmios como participação em lives, desafios de videogame e coisas do tipo", completa André Monnerat.

Live com narrador Luís Roberto rende valor recorde ao Fortaleza

A live realizada pelo Fortaleza na última semana, voltada para o programa de sócio-torcedor e que teve entre os convidados o narrador do Grupo Globo, Luís Roberto, rendeu um valor recorde aos cofres do clube: 937 novas adesões e arrecadação de R$ 612 mil.

Durante a live da série "Vencedores" que está acontecendo na TV Leão, canal oficial do clube no Youtube, o torcedor poderia aderir ao sócio com desconto de 50% em todos os planos, incluindo todas as formas de pagamento.

O clube já havia realizado uma outra live no início deste mês para celebrar os cinco anos do gol histórico na final do Campeonato Cearense de 2015, que deu o título ao Leão. O evento alcançou 87.000 espectadores, quase um Castelão e meio, com arrecadação de R$ 140 mil.

O Fortaleza vem realizando diversas ações promocionais para arrecadar recursos durante a pandemia, tanto envolvendo desconto em produtos pelo e-commerce quanto na redução de preços nos planos de sócios. A mais recente é a pré-venda do novo uniforme principal do Tricolor, a Tradição, que tanto sócios como não sócios têm desconto até o fim da Live de lançamento.

"Já tínhamos feito outras ações para melhorias do sócio e essa promoção foi a que teve mais adesões. Sempre que lançamos uma promoção, fazemos um estudo, analisamos o momento, o perfil do torcedor, as motivações que ele teria para se adequar e aderir ao programa de sócio, e essa de 50% de desconto teve uma aceitação muito boa. Sabemos que é um período em que as pessoas não costumam fazer esse tipo de investimento, mas entendemos que o torcedor tem uma confiança no clube, sabe da importância dessa ajuda, e que fazer o plano de sócio é algo que ele vai usar mais na frente", explica o presidente Marcelo Paz.