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Monaco: como clube de microestado conquista torcida e lida com Covid-19

Markus Breglec, executivo chefe de marketing do Monaco - AS Monaco
Markus Breglec, executivo chefe de marketing do Monaco Imagem: AS Monaco

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

19/05/2020 04h00

Embora dispute o Campeonato Francês, o Monaco não é propriamente um time da França. Criado no principado de Mônaco, microestado independente com menos de 40 mil habitantes, o clube conseguiu atingir fama mundial, chegou à final da Liga dos Campeões em 2004 e é, desde 2013, o único que conseguiu romper a hegemonia do Paris Saint-Germain na Ligue 1 ao levantar a taça nacional em 2017.

Em entrevista ao UOL Esporte, Markus Breglec, executivo-chefe de marketing do Monaco, falou sobre o desafio de fazer do clube uma força no futebol europeu sem contar com um número alto de fãs no seu próprio território e a relação com os brasileiros de um time que já teve nomes como Fabinho, Sonny Anderson e Maicon. O Monaco hoje tem a maior presença digital depois do PSG, dentre todos os times do Campeonato Francês.

Breglec também falou sobre os desafios causados pela pandemia do novo coronavírus, e defendeu que os clubes de futebol tenham um papel ativo de auxílio à sociedade e combate à crise. "É uma situação sem precedentes e está desafiando todo o esporte futebol em todos os seus aspectos. Buscamos diversas formas de manter os nossos torcedores conectados ao clube, procurando produzir conteúdo interessante e relevante do nosso time, e, nesse cenário, também dos nossos médicos, nutricionistas e preparadores, para que ajudemos a manter nossos torcedores saudáveis e bem durante esse período único. Nesse momento, gerar receita é secundário, o foco deve ser no apoio aos afetados pela crise humanitária".

UOL Esporte: como fazer um clube de um microestado com menos de 40 mil pessoas ganhar relevância na Europa?

Markus Breglec: O Monaco sempre foi um clube único de muitas maneiras, desde o sucesso que teve ao longo de todos os anos até o famoso uniforme com design diagonal criado pela princesa Grace Kelly, no início dos anos 60, que atraiu a atenção de fãs na França e no resto do mundo. O clube se apoia na marca "Mônaco", que é um local conhecido no mundo todo como um destino turístico e uma terra famosa pela relação com esportes por meio do GP de Fórmula 1, o Masters Series de tênis e o próprio clube. No futebol, é o berço de campeões mundiais e grandes promessas como Henry, Trezeguet e, claro, Mbappé, com uma das melhores academias de base do mundo. O estádio, sua localização e o "mito" de Monaco contribuem para o crescimento do clube através dos anos.

UOL Esporte: como crescer sem poder contar com torcida no próprio território?

Markus Breglec: aumentar a nossa torcida não é, por si só, o único objetivo. É tão importante quanto isso a forma como nos conectamos e conversamos com nossos fãs, como criamos um diálogo além de apenas exibirmos conteúdo. Enquanto clube, temos que ser mais criativos e atrativos do que os outros. Estamos trabalhando na construção de uma nova estratégia, uma plataforma de marca completamente nova, e, simultaneamente, remodelando e repensando nosso processo de idealização e criação de conteúdo.

UOL Esporte: Monaco tem uma estimativa do número de torcedores pelo mundo?

Markus Breglec: o Monaco tem a maior comunidade digital do Campeonato Francês depois do Paris Saint-Germain. O clube tem fãs pelo mundo na casa das dezenas de milhões, tanto localmente, na França, como internacionalmente. Nosso trabalho é promover um acesso mais próximo aos jogadores e à comissão técnica, entregando aos torcedores o que eles querem mas também sendo modernos e surpreendentes na nossa produção de conteúdo.

UOL Esporte: como atrair fãs tão longe do mercado nacional?

Markus Breglec: o clube aposta muito no digital. Estamos reformulando a nossa marca e modernizando nosso processo criativo para garantir que ganhemos mais fãs e mais engajamento com o clube. Dar acesso, digitalmente, a histórias empolgantes do passado e do presente e aproximar torcedores do time e dos atletas é a chave, mas sempre com o tempero da mística de Monaco para surpreender.

Neymar disputa bola na partida entre PSG e Monaco - Gonzalo Fuentes/Reuters - Gonzalo Fuentes/Reuters
Imagem: Gonzalo Fuentes/Reuters

UOL Esporte: como o Monaco vê o mercado brasileiro?

Há alguns anos, o clube fez uma parceira digital com o Cruzeiro e foi uma experiência muito interessante para as torcidas de ambos os times. Em geral, o mercado brasileiro é sempre muito interessante para qualquer clube europeu, e isso não é diferente para nós. A paixão pelo futebol no país, seu tamanho e a qualidade dos jogadores brasileiros sempre fazem dele um mercado importante para ser observado, ainda mais quando já existe um histórico de brasileiros alavancando suas carreiras no Monaco, como Fabinho, Maicon ou Sonny Anderson.

UOL Esporte: clubes brasileiros, em geral, dependem sempre dos mesmos tipos de receita, e bilheteria e direitos de transmissão são as fontes majoritárias - ambas estão ligadas a uma base grande de torcedores, e o ato de torcer é normalmente passado de geração a geração. Como o Monaco lida com isso diante das limitações trazidas pela questão populacional?

Markus Breglec: Os tipos de receita são similares no futebol, mas de fato é mais fácil para clubes em cidades grandes atraírem uma grande torcida para seus estádios. Torcer, porém, é mais do que geografia, é também sobre como alguém se conecta emocionalmente com um clube, com um jogador, com uma partida histórica, com uma camisa icônica. Nesse sentido, nosso legado é a nossa força. O clube tem uma torcida local apaixonada, mas também uma fora do país, e, ao longo dos anos, conseguiu excitar fãs ou amantes de um bom futebol. É uma combinação de continuar desenvolvendo talento futebolístico, equilibrando isso com jogadores consagrados para formar um time forte, que consiga competir no mais alto nível na França e disputar as competições europeias regularmente.

UOL Esporte: como o clube tem trabalhado para manter receita e torcida em meio à pandemia do coronavírus?

Markus Breglec: É uma situação sem precedentes e está desafiando todo o esporte futebol em todos os seus aspectos. Nós buscamos diversas formas de manter os nossos torcedores conectados ao clube, procurando produzir conteúdo interessante e relevante do nosso time, e, nesse cenário, também dos nossos médicos, nutricionistas e preparadores, para que ajudemos a manter nossos torcedores saudáveis e bem durante esse período único.

Nosso foco principal, porém, tem sido não só solidariedade, mas adotar ações que ajudem e apoiem os afetados pela crise, direta ou indiretamente. Lançamos um programa de solidariedade por meio da nossa organização filantrópica AS Monacoeur com várias frentes: oferecemos as instalações do clube para hospitais e organizações de combate à pandemia; criamos uma pareceria com a cruz vermelha para um movimento de doações, apoiamos programa de doações de sangue e estamos, com parceiros, trabalhando na criação de mascaras de proteção.

Ao mesmo tempo, tentamos transmitir o máximo de informação possível sobre o vírus. Para pedir às pessoas para ficarem em casa, lançamos uma campanha e um vídeo especial com nosso atacante Ben Yedder, que foi publicado em diversas mídias brasileiras. Nesse período, gerar receita é secundário, o foco é no apoio aos afetados pela crise humanitária.