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Cartão para juiz, prisão no meio do jogo... André Luís hoje está sem clube

Episódio pelo Botafogo marcou a carreira do zagueiro André Luís - reuters
Episódio pelo Botafogo marcou a carreira do zagueiro André Luís Imagem: reuters

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

05/01/2019 04h00

Altos e baixos. A expressão pode ser muito bem utilizada para definir a carreira do zagueiro André Luís, hoje com 39 anos. Ao mesmo tempo em que foi tricampeão brasileiro por Santos (2002 e 2004) e Fluminense (2010) e permaneceu durante um bom tempo como um dos principais defensores do futebol brasileiro, especialmente quando formou as "Torres Gêmeas" em dupla com Alex, no clube da Vila Belmiro, ele também ficou marcado por episódios polêmicos que prejudicaram a sua imagem ao longo da carreira, atualmente estagnada.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o ex-xerifão de Santos, Fluminense, Botafogo, São Paulo, Cruzeiro e Benfica não se esquivou das perguntas relacionadas a sua vida profissional - como o cartão amarelo dado para o juiz ou o gesto obsceno à torcida do Náutico que lhe rendeu até uma prisão - e revelou que está à procura de um novo clube depois de uma passagem conturbada pelo Almirante Barroso, modesto time da segunda divisão do futebol catarinense.

Cartão amarelo ao juiz: "fui obrigado a apelar com ele"

Em 2008, quando atuava pelo Botafogo, André Luís proporcionou uma das cenas mais memoráveis - e até hilárias - de sua carreira. Sem aceitar um amarelo recebido na partida contra o Estudiantes, pelas quartas de final da Copa Sul-Americana, o zagueiro tomou o cartão das mãos do árbitro chileno Carlos Chandia e apontou para ele, sendo expulso na sequência.

Na opinião de André Luís, o juiz teve uma péssima atuação no jogo em questão, apesar de ter tido uma ótima carreira como árbitro.

"Esse dia o Chandia roubou uma loucura. Nós estávamos jogando dentro de casa, precisando do resultado, e ele amarrando o jogo o tempo todo e nem aí, naquela calma dele, e neste dia ele tirou o André Luís do sério. Lembro que eu xinguei ele de tudo, eu estava nervoso até porque nós precisávamos do resultado; tínhamos que vencer por 4 a 2 e estava 2 a 2, e o tempo passando e o cara amarrando o jogo. Esse dia eu fiquei P da vida com o Chandia, mas depois eu tive a oportunidade de reencontrá-lo e pedir desculpas pessoalmente, e eu o elogiei ainda, até tinha acompanhado uns jogos dele e ele é um excelente arbitro", diz.

O zagueiro discordou da marcação do árbitro e, revoltado com a expulsão, perdeu a cabeça. Hoje mais calmo, brinca ao dizer que 'foi obrigado a apelar' com Chandia.

"E não é falar mal dele e nem criticar, todo mundo erra, mas eu só achei que ele foi um pouco rígido no meu segundo cartão, em que eu fui apartar a briga do Carlos Alberto, e ali na confusão toda ele chegou me expulsando. Na hora ali eu fiquei enfurecido e, quando vi ele com o segundo cartão amarelo eu falei... Eu nem sei se ele entendeu, mas eu falei que eu tinha ido só apartar a briga, tirar o jogador, e aí ele interpretou que eu fui para agredir alguém e me expulsou. E eu perdi a cabeça, eu já ia para a rua mesmo... Se fosse o primeiro eu ficaria pianinho, mas já era o segundo e aí eu fui obrigado a apelar com ele", acrescenta o zagueiro.

Prisão após gestos obscenos à torcida: "houve exagero"

Também em 2008, mas antes do episódio do cartão amarelo, André Luís já havia saído personagem principal de uma confusão generalizada nos Aflitos, em jogo contra o Náutico, pelo Campeonato Brasileiro. Tudo começou após o zagueiro ser expulso depois de uma entrada por trás em Ruy. Ao deixar o campo, o jogador botafoguense chutou um copo d'água e fez gestos obscenos para a torcida. Quando uma policial militar chegou para algemá-lo, ele puxou o braço e foi cercado por outros policiais que precisaram usar da força para neutralizá-lo.

"Eu lembro que exagerei um pouco na minha expulsão. Primeiro eu dei um chute na garrafinha de Gatorade que foi voar lá na torcida, uma garrafinha plástica que não ia machucar e não ia agredir ou ferir ninguém... E eu achei que o árbitro Luiz Seneme foi um pouco rígido, e eu estava com tanta raiva que eu peguei e chutei a garrafinha com tanta força que ela subiu e passou o alambrado, e caiu na torcida. O meu objetivo era que a garrafinha batesse na tela [alambrado], e foi cair na torcida", recorda André Luís, que viu a ação da policial 'exagerada'.

"Eu não tenho nada contra a policial [Lucia Helena]. Ela poderia ter me acompanhado até o vestiário sem querer me segurar, sem querer me prender. Eu não agredi ninguém, achei que foi um pouco de exagero por parte dela, mas tudo bem, já passou, eu não guardo mágoa dela, não tenho nada contra. Já passou, vida que segue. Mas digo e repito: houve exagero da parte dela, ela poderia me acompanhar até ao vestiário e não me prender", acrescenta o zagueiro, que admite o erro ao ter feito gestos obscenos em direção à torcida do Náutico nos Aflitos.

"A única coisa que eu errei nesta parte foi ter feito aquele gesto obsceno para a torcida. Ali eu peço para ninguém fazer, e nem se faz diante de um campo de futebol, de um espetáculo como foi nos Aflitos, casa cheia, torcida apoiando, incentivando... Eu não oriento ninguém a fazer aquilo porque não é bom", afirma.

André Luis foi levado ao Juizado do Torcedor nos Aflitos e precisou passar pelo meio da torcida alvirrubra. O então presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas, tentou intervir, mas foi empurrado pelas autoridades e também foi levado.

"Eu me lembro muito bem: o Didi, volante, e o Fábio, atacante, foram juntos até ao vestiário comigo, junto com a polícia. Eles me acompanharam e o Bebeto [de Freitas, então presidente do Botafogo] depois deu as caras e veio comigo no meio da torcida. Então esses três aí eu tenho que tirar o chapéu, eles foram guerreiros e foram até o final comigo. E na delegacia foi tranquilo, acertamos tudo verbalmente. Eu acabei pagando para o hospital de câncer do Recife 25 salários mínimos e se resolveu tudo ali mesmo, até porque eu não agredi ninguém, não matei ninguém, não feri ninguém, não tinha porque serem injustos comigo".

À procura de um clube: "Fluminense preferiu manchar a minha carreira"

Depois de disputar o Paulistão de 2018 pelo Taboão da Serra e passar pelo Almirante Barroso-SC sem sequer entrar em campo, André Luís hoje procura um novo clube. O último grande em que atuou foi o Fluminense, mas uma saída conturbada - por justa causa - após algumas faltas a treinos resultaram em uma queda na carreira do zagueiro. Segundo ele, a forma com que ele deixou as Laranjeiras acabou manchando a sua imagem com os outros times.

André Luís, zagueiro do Taboão da Serra na Série A-3 do Paulista de 2018 - CA Taboão da Serra/Divulgação - CA Taboão da Serra/Divulgação
Imagem: CA Taboão da Serra/Divulgação
"Atrapalhou, nenhum grande clube me contratou. Na época muitos clubes grandes queriam me contratar, só que eu não sei o que aconteceu, o que eles alegaram, que clube nenhum mais estava querendo me pegar. Eles poderiam tentar me encaixar em outro clube, arrumar um clube fora do Brasil, tinham várias situações que eles podiam fazer para ficar bem para o clube e para o atleta, mas preferiram manchar a minha carreira, minha imagem diante do futebol", diz.

"Depois dali foi difícil fazer contratos com os clubes porque o Fluminense me deu uma justa causa; falou que eu faltei 40 dias no treino e eu faltei uma semana só. Eu tive que resolver alguns problemas em Porto Alegre e alegaram que eu faltei 40 dias de treino, e foi aí que dificultou a minha ida para outros clubes grandes. Eu tinha como comprovar que não faltei 40 dias, na época era o Muricy no começo, e depois, nessa condição de eu faltar nesta uma semana de treino, era o Abel Braga, só que ali eu já estava treinando separado, o Abel não teve culpa de nada disso, de eu treinar separado, vem de fora veio, da diretoria. Armaram para mim, até porque depois clube nenhum mais me pegou", acrescenta.

Agora, a expectativa de André Luís é encontrar algum clube para disputar o Campeonato Catarinense. Enquanto isso, continua treinando na cidade de Balneário Camboriú (SC).

"Eu estou sem clube. Temos alguns contatos para o regional, estou aguardando respostas aqui em Balneário Camboriú. Eu estive aí [em São Paulo] no começo do ano no Taboão da Serra, nós não classificamos... O nosso objetivo era classificar para o mata-mata, mas ficamos em décimo na tabela. Nós poderíamos ter classificado, até pelo elenco que tínhamos, um elenco bom, forte, e por circunstâncias acabamos não classificando. Depois do Taboão da Serra eu vim para o Almirante Barroso, de Itajaí, para a disputa do Catarinense, mas devido a eles não falarem a mesma língua que a minha eu peguei e preferi me retirar, preferi sair fora", completa.

VEJA OUTROS TRECHOS DA ENTREVISTA

Pouco tempo no São Paulo: "não estava satisfeito"

André Luiz em treino do São Paulo - Gaspar Nóbrega/VIPCOMM - Gaspar Nóbrega/VIPCOMM
Imagem: Gaspar Nóbrega/VIPCOMM
Eu não estava satisfeito porque não estava jogando, e foi quando pintou o Fluminense. O Muricy Ramalho me chamou e eu acabei indo para o Fluminense e fui campeão brasileiro em 2010. Quando eu saí do Barueri estava uma briga do Corinthians e do São Paulo para eu ir. No Corinthians eu ia para jogar, né? E acabei não indo e fui para o São Paulo. E cheguei lá e joguei poucos jogos; jogava um e ficava quatro, cinco fora. Eu não estava satisfeito.


Escorregão em semi histórica contra o Corinthians (2001)

Para mim, especificamente, foi doída a eliminação. Imagina tomar o gol faltando alguns segundos para acabar o jogo, jogo decisivo... Mas aconteceu, eu escorreguei, ninguém está ali de sacanagem, ninguém quer perder. Até lembro que, na época, sobrou inteiro para o André Luís, isso foi errado, parece que eu joguei sozinho aquele jogo, sobrou a bronca para mim, e eu lembro até hoje, ficou guardado para mim isso aí, mas são coisas do futebol. O Gil naquela época estava voando, é um ex-jogador que eu respeito muito, é amigo meu, e eu tiro o chapéu para ele. Mas voando por voar eu também estava voando, mas aconteceu de eu escorregar. Foi o maior escorregão que eu sofri dentro do futebol, mas acontece. Depois dali eu dei a volta por cima e, em 2002, nós fomos campeões brasileiros em cima do próprio Corinthians.

Título brasileiro de 2002: "tem que tirar o chapéu para o Leão"

O time do Santos campeão brasileiro em 2002 - Folha Imagem - Folha Imagem
Imagem: Folha Imagem
Nós classificamos na oitava colocação, depois a gente pegou o São Paulo [melhor clube da primeira fase do Brasileiro de 2002] e fomos eliminando os adversários... Grêmio, tudo time de chegada e de tradição, e foi uma volta por cima fantástica. Foi o Leão quem montou o time; eu lembro que o Giba lançou a garotada para o profissional, depois o Giba caiu e veio o Leão, e o Leão pegou a garotada da base e montou o time, e a gente coroou com o título. Tem que tirar o chapéu para o Leão, que confiou na garotada, deixou a garotada a ponto de bala para chegar ao seu objetivo que era o título brasileiro de 2002. E fazia 18 anos que o Santos não ganhava um título de expressão, então já estava na fila.

Torres gêmeas: "Alex é diferenciado"

André Luís, jogando pelo Santos em 2003 contra o Atlético-PR pelo Campeonato Brasileiro - Fernando Santos/Folha Imagem - Fernando Santos/Folha Imagem
Imagem: Fernando Santos/Folha Imagem
Bons tempos. Foi o Leão quem descobriu esta Torre Gêmea. Ali foi especial, foi um prazer jogar ao lado do Alex. Ele foi um grande zagueiro, uma grande pessoa, eu inclusive sou fã do Alex, ele é um grande profissional e teve uma grande passagem pelo Santos. Todos os jogos foram especiais. O Alex é diferenciado, ele não dá bote errado, tem velocidade, cabeceio bom, não perdia uma bola, chuta forte... Foi um dos melhores zagueiros que passou pelo Santos, tem que tirar o chapéu para ele.

Derrota para o Boca na Libertadores: "perdemos na Bombonera"

Era para coroar todo o trabalho que começou desde o ano 2000, mas onde a gente deixou a desejar foi lá na La Bombonera, a gente tinha que ter feito o resultado lá. Perdemos por 2 a 0 e depois ficou difícil. Um empate lá seria diferente, no Morumbi era outra história. A gente ia fechar com chave de ouro. Inclusive, além da Libertadores, a gente perdeu o título do Brasileiro para o Cruzeiro em 2003. O Cruzeiro disparou (100 pontos a 87), era para a gente ter levado.

Luxemburgo: "trabalhar com ele foi um prazer imenso"

Trabalhar com ele foi um prazer imenso. Todo mundo sabe da capacidade e da competência do Luxemburgo. É um grande treinador, vitorioso, e eu só tenho que tirar o chapéu para ele e elogiá-lo pela nossa campanha em 2004 e pela trajetória dele no futebol. É um grande profissional no ramo e eu só tenho que agradecê-lo por ter trabalhado duas vezes com ele.

Por que não deu certo no Benfica? "Não me acostumei"

Eu fui sozinho e, até me acostumar lá... Eu estranhei muito o ambiente em Portugal, e era a primeira vez que eu tinha saído do Brasil. Não me acostumei, é bem diferente daqui do Brasil. Apesar de terem muitos brasileiros morando lá, eu não me acostumei muito em Portugal, e foi quando eu fui para a França, o Benfica me emprestou para o Olympique de Marseille, e lá eu já me acostumei, me senti bem melhor do que quando estava em Portugal.

Tentou ser goleiro, mas não deu...

No começo, no Grêmio de Bagé, o rival do Guarany, eu estava como goleiro, mas aí não deu, né [risos]? Eu vi que não era para mim. A posição de goleiro é complicada, aí eu apelei para zagueiro mesmo e comecei a descer a porrada nos atacantes, aqui ninguém passa. Aí no Nova Iguaçu nós fizemos uma boa campanha na segunda divisão do Rio de Janeiro, chegamos na final e foi ali que o empresário Francisco Dambran me vendeu para o Santos, em 1999.