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Única mulher com Brasil na Arábia tem roupa especial e refeição só em hotel

Repórter de TV Kiyomi Nakamura comprou uma Abaya para semana de jogos na Arábia - Arquivo Pessoal
Repórter de TV Kiyomi Nakamura comprou uma Abaya para semana de jogos na Arábia Imagem: Arquivo Pessoal

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em Londres (Inglaterra)

10/10/2018 04h00

A passagem da seleção brasileira pela Arábia Saudita nos próximos dias será uma experiência diferente para jogadores, comissão técnica e até jornalistas. Voz conhecida na cobertura da equipe há quase duas décadas, Kiyomi Nakamura será a única mulher entre todos que seguem o time e precisou de um esquema especial para se adequar ao país asiático.

Durante a passagem do time de Tite por Londres para os primeiros dias de treinamento, a jornalista japonesa que trabalha para as TVs Fuji, NHK, J Sports e Sky Perfectv aproveitou para trocar algumas peças de sua mala. Os shorts que Kiyomi costuma usar nas viagens darão lugar a uma Abaya – roupa típica das mulheres árabes que esconde todo o corpo e deixa apenas o rosto descoberto.

A nova vestimenta será apenas uma das mudanças que Kioymi vivenciará em Riada e Jeddah, cidades que receberão os jogos da seleção brasileira contra Arábia Saudita e Argentina, respectivamente.

“Conversei com amigos, pessoas que já conheciam o país e também pesquisei informações. Será algo bem diferente. Estou com um pouco de receio pela forma como eles tratam as mulheres, são inúmeras restrições”, pontuou a jornalista.

Uma coisa, no entanto, é certa: ela não estará sozinha em nenhum momento. “Uma das orientações que recebi foi andar sempre com um homem ao lado na rua. Eles não toleram mulheres desacompanhadas em local público. Tenho que ter alguém perto”.

Kiyomi Nakamura e Jorge Ventura em treino da seleção brasileira em Londres - Pedro Ivo Almeida/UOL - Pedro Ivo Almeida/UOL
Repórter japonesa estará acompanhada sempre de seu cinegrafista, Jorge Ventura (d)
Imagem: Pedro Ivo Almeida/UOL

E seu guarda-costas não chega a ser uma novidade. Cinegrafista da repórter, Jorge Ventura fará o papel de não deixar Kiyomi desamparada. “Não posso nem sair para comer sozinha”, contou a repórter.

A alimentação, por sinal, foi um ponto delicado na programação montada pela profissional. Como ela e Ventura não são casados, alguns locais poderiam questionar por qual motivo os dois andarão sempre juntos. “Com isso, resolvemos que vamos comer apenas no hotel. Me orientaram que não posso nem falar com outro homem na rua. Então ficarei apenas no hotel e nos treinos e jogos. É melhor, mais seguro. É tudo muito preocupante. Queremos evitar problemas”, frisou Kiyomi.

Preocupada desde que a CBF confirmou os jogos no país asiático, Kiyomi buscou informações com amigos e colegas de profissão do Japão sobre sua segurança para entrar em solo saudita.

“Eu estava muito assustada, até demorei a resolver se iria ou não. Em 2002, o Brasil disputou um amistoso em fevereiro lá em Riad. Na época, falaram para eu nem pensar em ir. Agora me acalmaram. Um amigo que trabalha numa agência de publicidade explicou que o governo árabe pretende disputar uma vaga para sediar uma Copa do Mundo no futuro e está tentando mostrar um país mais aberto agora. Ainda assim fico preocupada. Conversei com membros da CBF e colegas jornalistas para me protegerem”, brincou.

Kiyomi e Ventura durante treino da seleção brasileira em Londres - Pedro Ivo Almeida/UOL - Pedro Ivo Almeida/UOL
Kiyomi e Ventura (d) em treino da seleção em Londres: ainda com roupas normais
Imagem: Pedro Ivo Almeida/UOL

Jornalista espanhola sofreu em 1997

Há 21 anos, durante passagem da seleção brasileira pela mesma Arábia Saudita para a disputa da Copa das Confederações, outra jornalista que acompanhava a equipe sofreu com as restrições culturais do país asiático. Correspondente do jornal Mundo Deportivo, a espanhola Cristina Cubero viu uma tentativa do governo local de impedir sua entrada.

A Fifa teve que intervir na briga diplomática e, após dias de muitas negociações, conseguiu credenciar Cubero para o torneio. A vida da jornalista, no entanto, não era fácil. Ela sofreu para conseguir pedir pratos em restaurantes da cidade e não podia frequentar os mesmos ambientes de repórteres do sexo masculino.

Nos jogos, ela acompanhava tudo de dentro de um camarote da Fifa. Tudo para que os homens no estádio não tivessem contato com a jornalista. Até mesmo um banheiro improvisado teve que ser providenciado para a profissional da Espanha.

“Também estou preocupada com isso. Como deve ser o banheiro feminino em um estádio lá? Será que tem? Mulheres não frequentavam jogos há até pouco tempo. Mas terei que aceitar. Só não quero confusão”, finalizou Kiyomi Nakamura.

Desta vez, no entanto, a entrada no país e o credenciamento para os jogos não serão problemas. Ao comprar os jogos da Pitch – empresa que detém os direitos comerciais dos amistosos da seleção brasileira –, o governo saudita enviou uma autorização para que os jornalistas, inclusive Kiyomi, tenham acesso à Arábia por 30 dias. Com roupa diferente e sem tranquilidade para sair para comer, a jornalista japonesa não espera passar mais que uma semana. Tempo suficiente para mais histórias do livro de quase 20 anos de cobertura da seleção brasileira.