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Ele foi ao Japão por causa de Zico e virou garoto-propaganda de perucas

Jogador Alcindo após treinamento do Corinthians, em 1998 - Folhapress - Folhapress
Imagem: Folhapress

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

22/01/2017 04h00

Depois de passagens por Flamengo (onde foi revelado em 1986), São Paulo e Grêmio, Alcindo seguiu para o Japão para defender o Kashima Antlers em 1993, a convite do amigo Zico, com quem tinha jogado no rubro-negro. E não se arrependeu. Tornou-se ídolo no país asiático (claro que em menor proporção que o Galinho) e ficou lá por um bom tempo – cerca de quatro anos. Neste período, além de jogar futebol, Alcindo arrumou uma "profissão extra" nada comum. Cabeludo, mas ao mesmo tempo careca em partes da cabeça, foi convidado para ser garoto-propaganda de perucas. Inicialmente, a proposta era para usar o acessório em campo, mas a ideia foi rejeitada por Alcindo, que gostou da experiência e conseguiu fazer dinheiro com isso.

Em entrevista ao UOL Esporte, o ex-atacante de 49 anos fala, além da experiência como garoto-propaganda de perucas, da idolatria que tem por Zico, da hilária história com terremoto que passou no Japão, do fim de carreira provocado por lesões e de seu atual emprego: hoje, é fazendeiro de soja na cidade de São Miguel do Iguaçu, no Paraná. Confira:

O convite para ir ao Japão. Houve receio?

“Não, primeiro porque quando veio o convite para eu ir, na hora eu aceitei, porque o Zico é uma pessoa assim: aonde ele vai, ele vai para cumprir as determinações, ele tenta fazer sempre o melhor, é uma pessoa séria, então não tem problema, onde ele vai a gente vai junto, qualquer um quer ir ou quer estar ao lado dele para o trabalho, e lá eu fui para jogar com ele, fui para a vaga do Milton Cruz [ex-auxiliar do São Paulo]. Eu fiquei dois anos no Kashima e depois fui vendido para o Verdy Kawasaki. Depois eu fui para o time do norte Consadole Sapporo e de lá, em 96, eu fui para o Corinthians”.

A história da peruca e o apelido curioso no Japão

Atacante Alcindo em ação pelo Corinthians (1996) - Rogerio Assis/Folha Imagem - Rogerio Assis/Folha Imagem
Imagem: Rogerio Assis/Folha Imagem
“No Japão eu fazia propaganda de peruca na televisão, mas para jogar não tinha peruca, não, eu fazia a propaganda, usava a peruca, tirava depois que terminava a gravação e jogava normal, eu tinha aquela carequinha no meio da cabeça. Os caras me chamavam de careca lá no Japão, me apelidaram de Kappa [criatura sobrenatural do folclore japonês], depois você procura na internet e vê o que é [risos], e todo mundo queria tocar na minha careca quando eu andava na rua, falavam que dava sorte, e saiu o boneco do Kappa, saiu eu daquele jeito parecido e vendeu bastante peruca no Japão. Eu fiquei três anos com eles, renovei três anos, só que não é igual hoje, né? Se fosse fazer um contrato os valores seriam maiores, mas deu pra ganhar alguma coisa”.

O ‘projeto peruca’ e o conselho de Zico

“Acho que eu estava na sexta ou sétima rodada, eu tinha uns três meses de Japão, e aí o diretor de marketing me chamou e falou comigo, este projeto da peruca... Daí eu falei: ‘eu vou conversar com o Zico para me dar orientação, sugestão’, e eles queriam que eu jogasse com a peruca, mas isso era outra empresa, queriam que eu usasse a peruca todos os dias. Aí eu falei: ‘não, né’, e o Zico falou: ‘vai te tirar toda a sua característica’, e daí apareceu a outra empresa, aí eu aceitei, mas da minha maneira, e a empresa estava em segundo lugar em vendas, comigo ela foi para primeiro lugar [risos], a mídia veio para cima, foi muito forte, e eu estava fazendo também bastante gols e o Kashima era uma equipe, na época, considerada pequena, e nós estávamos em primeiro e segundo lugar no campeonato, e tudo isso ajudou. A empresa ainda existe, há dois anos a empresa fez 50 anos e me convidaram, me pagaram passagens e eu fui para o Japão para a festa deles, porque eu fui o que mais vendeu lá. Eu não sabia, mas o japonês é muito vaidoso, fiquei sabendo quando estava lá, muitos deles usam peruca e a gente não sabe, mas não é que eles são totalmente carecas, tem uns que têm metade, a peruca é feita para adaptar para cada pessoa. E não é barato, não”.

Idolatria no Kashima e no Japão

Zico e Alcindo comemoram gol pelo Kashima Antlers - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
“Na verdade, no Japão eu sou ídolo japonês. Eu não sou de uma equipe só. O japonês, no geral, gostava muito de mim, do meu estilo de futebol, então por onde eu ia as pessoas me idolatravam. Mas o ídolo maior lá, eu sempre falo, foi o Zico. Vai ser e dificilmente alguém vai tirar, porque o Zico fez muita coisa pelo futebol japonês e eu agradeço muito ao Zico por ter me levado para lá”.

A hilária história do terremoto

“Muito terremoto. Teve um muito engraçado... Lógico que depois foi engraçado, porque não tem nada de engraçado no terremoto, mas teve um que a gente estava treinando e estava toda a torcida assistindo ao treino; aí começou a tremer e de repente estava todo mundo deitado no chão. Ficaram de pé eu, o Zico, o Carlos Alberto Santos e o ex-goleiro Abelha [risos], só os brasileiros, aí nós nos olhamos e deitamos também, até passar o terremoto [risos]. Isso foi em 93, no primeiro ano que eu estava lá. Começou a tremer alguns segundos e todo mundo se jogou no chão, a torcida que estava na arquibancada deitou no chão e aí nós brasileiros fomos para o chão também, mas já tinha passado o terremoto [risos]”.

Alcindo = características de Zico + Renato Gaúcho?

Valdir Espinosa, Renato Gaúcho e Alcindo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
“Acredito que sim, porque no futebol você vai sempre aprendendo. Depois que você vai engrenando nas equipes profissionais, a cada ano você vai aprendendo, e o auge de um atleta é 23, 24, 25 anos, por aí. Tem alguns que são mais precoces, casos do Neymar, Messi, são jogadores diferenciados, já eu atingi isso [auge] com 23 anos. Eu me espelhei no Zico e no Renato Gaúcho, eu via na televisão e eu achava: ‘poxa, um dia eu vou ser famoso igual, vou chegar lá’, essas coisas, não cheguei igual aos caras [risos]. Na verdade, no Flamengo, eu aprendi muito com o Zico, porque quando eu estava nos juniores o Zico tinha voltado da Itália e eu subi para o profissional, e a gente fazia treinos. O Zico treinava no time reserva contra os juniores porque estava recuperando o joelho depois da Copa do Mundo de 86, ele me posicionava muito em campo e depois acabamos jogando juntos na equipe principal do Flamengo, então sempre tinha esse posicionamento. Depois jogamos juntos no Kashima Antlers, no Japão, então eu sempre peguei o Zico como um espelho, sempre como ensinamento. E do Renato Gaúcho eu peguei a velocidade, eu sempre via e falava: ‘nossa, como o Renato é rápido’. No Flamengo eu fiquei de 85 a 91: em 85 estava nos juniores e em 86 subi para o profissional, fui campeão carioca em 86, ganhei a Copa do Brasil de 90, a Copa União de 87, aí eu fui convocado para a seleção brasileira de juniores pelo Jair Pereira. Depois a sub-23 com Renê Simões, fui eleito o melhor jogador amador do Brasil em 87 pela CBF”.

Fim de carreira por conta de lesões

“Eu não cheguei a jogar na Cabofriense [depois do Japão], eu assinei o contrato e machuquei o joelho de novo, no primeiro dia de treino, daí eu parei e operei de novo e fiquei quase dois anos parado. Aí eu comecei a treinar lá no Zico CFZ, joguei no time dele lá para eu voltar aos poucos, fiquei quase dois anos com aquele joelho bichado, mas eu não conseguia jogar mais, não, jogava 20 minutos e uma hora estourava a panturrilha, estourava a virilha, aí era a coxa, aí eu resolvi parar contra a minha vontade [risos]. Eu parei em 2000, tinha 32 para 33 anos; dava para eu jogar mais uns quatro, cinco anos tranquilamente, mas o problema foi o joelho, não adianta, então o último clube que eu joguei foi o do Zico, com muito orgulho”.

Hoje é fazendeiro de soja em São Miguel do Iguaçu, no Paraná

“É o meu ganha pão. Desde quando eu ganhei dinheiro com futebol eu comprei a fazenda. Daqui uns dias vai começar a colheita, eu estou de férias agora, mas daqui a uns dez dias começa a colher. Eu administro, se precisar ajudar, eu ajudo, se precisar colher porque faltou funcionário, se precisar puxar com o caminhão eu vou, se precisar colocar a mão na massa eu coloco, o negócio é meu [risos]. A minha fazenda tem cinco funcionários, ela é enxuta ela, não é uma fazenda grande, é uma fazenda pequena, e uma coisa que eu aprendi com o meu pai: quando você tem um negócio, você vê o final dele; se você não enxergar o final, então você vai se perder. Não adianta querer tudo, roubar os outros, enganar os outros, eu aprendi isso. Eu sou de família muito honesta, o que é meu é meu, o que não é meu, eu não quero. Isso é de berço, vem de família. Foi o meu pai que fez tudo na época, comprou, ajeitou, preparou tudo, e quando eu parei de jogar estava tudo pronto”.

Pretende trabalhar com futebol?

“Eu fui convidado para ser treinador em Foz do Iguaçu, do futebol feminino, fui treinador e ficamos em terceiro lugar na Copa do Brasil, em 2015. Eu fiz alguns cursos para aperfeiçoamento... É muita gente, é cobra comendo cobra, então prefiro cuidar do que é meu lá na fazenda, tranquilo, que é mais seguro para mim no momento do que você arriscar uma coisa que você não sabe se vai conseguir. E não depende de mim, depende das pessoas quererem, então sempre pensei nisso”.

Homens x mulheres no futebol

“Muito diferente, o que você mandar fazer, elas fazem, sem muita boquinha, não tem nhé nhé nhé. Elas são determinadas, querem aprender, enquanto jogadores de futebol, muitos que estão jogando não jogam porcaria nenhuma e acham que sabem tudo, que são craques”.