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UOL foi à cidade onde Podolski nasceu. Lá, ele não é tão mito quanto aqui

José Ricardo Leite

Do UOL, em Gliwice (Polônia)

03/09/2014 06h00

Lukas Podolski caiu nas graças de muitos brasileiros e não são poucos os que dizem que ele virou “mito”. Estar no país e vivenciar os costumes locais pareciam lhe agradar mais do que levantar o troféu da Fifa e colocar no peito a medalha de campeão mundial. Dançou com índios, viu jogo do Brasil com bandeira verde e amarela, usou camisa do Flamengo, arrebatou milhares de fãs no Twitter ao escrever em português e até ouviu pedidos pra ser presidente.

Se virou uma febre assim aqui, imagine então na cidade onde nasceu e é único campeão mundial entre os quase 200 mil habitantes e todos os outros da história? Um brasileiro nessa situação seria provavelmente o grande símbolo desta cidade. Mas se você acha que Podolski é mais ídolo em sua terra natal do que aqui, vai se decepcionar. Nem mesmo as "médias" que faz lhe garantem unanimidade ou status de ídolo e orgulho local.

“A cidade acho que é meio dividida em relação a ele. Alguns acham que ele eleva o nome, outros já não fazem qualquer associação. Eu mesmo não tenho identificação alguma com ele, só ouvi dizer que que nasceu aqui. Pode ter quem goste, mas não se fala tanto nele por aqui”, falou Jacek Bugajny, de 21 anos, que estava com a namorada em um parque. Ela só fez um não com a cabeça ao ser questionada sobre o conterrâneo famoso.

Muito do certo desdém da cidade de Gliwice, na região sul da Polônia e que foi território alemão até a Segunda Guerra Mundial, se explica por uma decisão da família do jogador. No final da década de 80, enquanto os países do Leste Europeu viam o comunismo capengar e ter poucos horizontes, Waldemar Podolski e sua mulher Krstynna, mãe de Lukas, foram tentar a vida na Alemanha Ocidental, capitalista, em busca de novos horizontes.


Eles então foram viver em uma região próxima à Colônia. Lukas tinha apenas dois anos e passou a ter também cidadania alemã.  Foi lançado nas categorias de base do Colônia e, quando jovem, começou a defender a Alemanha, em uma decisão que rende controvérsias em seu país natal. A decisão de Podolski pela seleção alemã sempre teve ressalvas. Ele já disse que escolheu lá por não ter sido procurado pela federação do país de origem. Isso de certa forma gerou uma rejeição de alguns que não aceitam o fato de jogar pelo país vizinho. 

Mas Podolski sempre fez de tudo para ficar de bem com os poloneses. Usou com seus conterrâneos muito mais seriedade nas ações do que as brincadeiras com os brasileiros por sua paixão por esse estilo de vida. Apesar de morar e jogar na Alemanha, fazia algumas visitas à Polônia para ver os parentes que ficaram, entre os quais uma de suas avós, que continua até hoje morando no distrito de Sósnia, região periférica e pobre de Gliwice que vive à base da extração de carvão. Ao marcar um gol na Euro de 2008 contra o time vermelho e azul, não comemorou. Sempre falou polonês além do alemão e tem projetos sociais no país de nascimento. Prometeu encerrar a carreira no Gornik Zabrze, clube de sua cidade natal e que não ganha um Polonês há 26 anos.

É esperado quase que como um salvador e ajudou o time a conseguir um contrato de fornecimento de material esportivo com a Adidas. Usa sua imagem para que o time alavanque mais crianças à escolinha. Ainda assim, suas aparições na cidade natal são restritas ao clube e familiares. Nunca foi chamado para alguma condecoração oficial, festa ou homenagem. Tudo isso faz com que não tenha o status de ídolo local, segundo jornalistas da cidade. Eles entendem que há quem goste do atacante, mas outra parte não. O que não o faz ser unanimidade.

“Na verdade, nós nem ficamos sabendo se ele vem aqui ou não. É uma história meio complicada. Não sei (se é ídolo local)... não existe nenhum tipo de menção em relação a ele na cidade. Não há nada pra se ver ou tocar na cidade que faça lembrança, nada. Só se for uma coisa na mente das pessoas. Ele já disse algumas vezes que tem identificação com sua terra natal e a Polônia. Mas é levada em conta pra algumas pessoas essa questão de preferir jogar pela Alemanha. Não posso falar por todas pessoas, cada um pensa de um jeito. Alguns acham que foi normal e outras não aprovam. Eu entendo”, opinou Michat Tngbacz do jornal Nowiny Gliwickie, um dos mais populares da cidade e em cuja redação há até uma camisa da seleção alemã autografada pelo atacante, mas que foi dada por um amigo.

“É uma questão complicada. Ele nasceu em Gliwice, deixou a cidade muito pequeno e isso faz com que não haja uma ligação profunda entre ele e a cidade. E ele também joga pela Alemanha, ou seja, representa o nosso vizinho rico. Provavelmente se você perguntar nas ruas de Gliwice, 50% vão dizer que ele orgulha a cidade, e outros 50% vão dizer que não porque ele é alemão. Acho que ele é mais popular em Sósnia, seu distrito”, falou Michal Biegun, jornalista local e que trabalha atualmente no site esportivo local “Sportowefakty”.

Bastian Schweinsteiger e Lukas Podolski vestem camisa do Flamengo antes de jogo contra a França - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

A divisão se reflete quando dois jovens com chuteiras nos pés foram questionados sobre o que significa para eles o camisa 10 da Alemanha na Copa. Não à toa, um é torcedor do Gornik Zabrze. “Ele é muito bom, escreva aí que adoro ele e a cidade também. Vai vir jogar aqui ainda no Gornik futuramente”, falou. “Vamos ver, vamos ver. Eu só acho ele bom jogador, não mais que isso”, rebateu o amigo Daniel Matewta.

“Ídolo? Não, não, de jeito nenhum. Orgulho? Talvez pra alguns da cidade, pra nós não. Ele saiu muito cedo, sabemos pouco dele. Há quem não goste da decisão dele, mas acho normal. Ele saiu garoto e já morava na Alemanha”, falou Joanna Zadeberny, que caminhava com seu marido e teve seu raciocínio complementado e até rebatido por ele.

“Por que ele não veio jogar aqui então e preferiu a Alemanha do que a Polônia?”, indagou Artur Zadeberny.  “Nada de ídolo, o dele (ao apontar o filho) é Lewandowski”, completou, ao lembrar do atacante do Bayern de Munique, mais famoso jogador polonês do momento.

No distrito onde nasceu, redondezas do time Gornik Zabrze, ele é um pouco mais lembrado. Segundo o clube informou à reportagem, Podolski  “é alemão, mas nunca esqueceu sua terra, não canta o hino alemão, fala perfeitamente o polonês, visita a família e não comemorou o gol na Euro de 2008”. Ressalta ainda que sempre visita o clube no verão e que tem orgulho de falar sobre ele, mostrando sua ligação nas redes sociais

A avó de Podolski ainda vive na Sósnica, em um edifício antigo e mal conservado da rua.M.Reja. Foi procurada, mas não quis dar entrevistas.

Apesar do sucesso no Brasil com isopor de cerveja nas mãos e postar frases como “Sabe de nada inocente”, Podolski não vive lá grande fase e nem se tornou um jogador tão brilhante como muitos esperavam. Atuou só 54 minutos na Copa do Mundo e quase foi negociado por seu clube, o Arsenal.

Foi eleito o melhor jogador jovem da Copa de 2006, quando tinha 21 anos, e teve a grande chance ao ser contratado naquele ano pelo Bayern de Munique. Mas teve passagem discreta e foi parar no Arsenal em 2012, e na última temporada foi mais reserva do que titular.