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Rodrigo Mattos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Governo Bolsonaro, CBF e clubes falharam em proteger e fiscalizar atletas

Colunista do UOL

14/05/2023 04h00

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A investigação do MP de Goiás sobre a máfia de apostas expande-se a um número considerável de jogadores. A cada nome divulgado repetem-se a indignação de torcedores e os pedidos por banimento, ambos com uma boa dose de razão, já que os atletas traíram o espírito do esporte. Mas pouco é falado sobre a posição de fragilidade e a falta de fiscalização que os atletas ficaram após o crescimento das apostas no futebol no Brasil.

Lembremos: as apostas esportivas foram liberadas por lei em dezembro de 2018. Por quatro anos, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se omitiu de realizar a regulamentação necessária para o segmento. O cenário que se tinha, portanto, era de jogo liberado sem regra nenhuma.

As casas de apostas instalaram-se em paraísos fiscais para receber as apostas sem pagar nenhum imposto. Nem todas têm donos conhecidos, não há nenhuma regra para as modalidades de apostas. Só agora o governo federal vai fazer uma MP para regulá-las, enfim, depois de mais de quatro anos.

Mas as marcas são até bastante conhecidas. Os sites de apostas tornaram-se os principais anunciantes no futebol. Camisas de clubes, placas de competições da CBF, generosos espaços na mídia esportiva, nas transmissões, jogadores de seleção e ex-astros como garotos-propaganda, etc. A estimativa é de um investimento de R$ 3 bilhões por ano do setor.

A aposta nos jogos, em cartões amarelos, escanteios, resultados, se enraizou na cultura do futebol. De torcedores a jornalistas e até a pessoas que nem acompanhavam o esporte. Ok, estava legalizado, faz parte. Mas era óbvio que os jogadores seriam envolvidos.

O lateral Marçal, do Botafogo, deu uma esclarecedora entrevista contando que já foi abordado para levar cartão e diz que é um movimento que atinge vários atletas.

O problema é que essa popularização não veio acompanhada de medidas por parte do governo, CBF e clubes para controlar o aspecto negativo que viria junto: as manipulações de lances para apostas. Era previsível, óbvio, pois ocorreu em todos os outros mercados com apostas legalizadas, como nos EUA, na Ásia e na Europa.

Não houve nenhuma campanha junto a jogadores explicando o veto a participarem em apostas, nem os efeitos nocivos para suas carreiras. Será que os atletas conhecem a previsão do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) de banimento deles do futebol (fim da carreira) por manipular jogos? Será que conhecem a lei penal na qual podem ser enquadrados por atuar em manipular em apostas?

"Ah, mas o caráter do atleta...". Quem disse que um jogador identifica claramente que levar um cartão amarelo, fato corriqueiro, o torna um corrupto? Um pênalti ou um vermelho é mais claro que prejudica sua equipe. Quando colegas participam, de uma certa forma, o jogador sente que é referendado aquele tipo de comportamento. Assim, a participação de atletas vai se alastrando.

Também não houve movimentos para ter um mínimo controle sobre os jogadores. Lembremos que, após a máfia do apito em 2005, a Federação Paulista de Futebol passou a exigir até certidões antecedentes criminais e disponibilização de dados financeiros de árbitros. Não sei se seria possível fazer algo com atletas, mas poderia se criar medidas que mostrassem ao menos que se estava de olho no comportamento deles.

Os jogadores, portanto, estavam expostos a uma quadrilha (provavelmente devem existir outras) sem nada para blindá-los ou investigá-los. Será que os clubes acompanhavam o movimento de seus atletas se negociavam com apostadores até no vestiário? Havia algum diretor de olho para saber se havia cartões ou pênaltis suspeitos? Eram cobrados?

Tanto CBF quanto clubes quase só abordaram as apostas sob o ponto de vista da receita que entrou nos cofres. A exceção é o presidente do Vila Nova, Hugo Bravo, que é policial, e denunciou o esquema depois de fazer apuração por conta própria.

A tímida medida da CBF foi contratar a empresa Sports Radar para monitorar apostas e avisar órgãos fiscalizadores. Os relatórios da empresa são bem básicos, depois dos jogos e das apostas realizadas. O STJD, internamente, tem uma visão de que os documentos têm pouca utilidade. Não tiveram efeito prático nenhum na investigação do MP-GO, feita a partir da denúncia dirigente do Vila Nova. Talvez fosse necessário ser criado um departamento exclusivo de integridade na CBF para avaliar possíveis irregularidades em suas competições. Ou um órgão externo financiado pela entidade.

A verdade, portanto, é que o governo (ao não regulamentar as apostas) e o sistema de futebol (CBF, federações e clubes) falharam por não criarem um sistema de prevenção contra a manipulação. São vítima do esquema hoje, sim. Mas deveriam ter sido proativos antes. E jogaram os jogadores, ponta final, a um ambiente sem regulação em que cada um iria agir da própria cabeça.

Esse texto não defende livrar a cara de nenhum jogador. Os jogadores são adultos e responsáveis pelos próprios atos. Quem se meteu no esquema tem que ser punido, suspenso por um ou dois anos ou banido, de acordo com o STJD, além de responder penalmente. Deve ser julgado dentro das suas responsabilidades, não prejulgado como alguns fazem ao tratar como condenados jogadores citados nas investigações, sem acusação formal.

É só preciso reconhecer que o sistema do futebol não fez nada para evitar o sucesso do assédio aos jogadores. Só agora o futebol acordou para o tamanho do problema que deprecia seus campeonatos.