Só para assinantesAssine UOL
OpiniãoEsporte

O Ninho escancara desumanidade e mesquinhez dos dirigentes do Fla

O documentário "O ninho, futebol e tragédia", da Netflix, não traz fatos novos a respeito de tudo que já foi publicado sobre a morte de dez jovens no CT do Flamengo, no início de 2019. Mas ainda assim é ótimo e impressiona pelo roteiro, muito bem feito, que mistura todos os absurdos que cercaram aquela catástrofe (antes e depois) com depoimentos emocionados e emocionantes dos pais das vítimas, que se tornaram tão vítimas quantos seus filhos queimados naquele alojamento improvisado.

O que mais salta aos olhos e embrulha o estômago, porém, é a (não) atuação dos dirigentes rubro-negros. Como puderam ser tão irresponsáveis, diante de tantos alertas, multas e outras advertências, inclusive sobre a gambiarra fatal no ar-condicionado?

A alegação de que nada valia a pena ser feito pois "logo os meninos iriam ser transferidos para o antigo hotel-concentração dos profissionais", no próprio CT é risível, irresponsável e inconsequente. Agiriam assim com seus filhos?

Como tais cartolas puderam ser tão frios, insensíveis e mesquinhos no trato com os familiares após a tragédia e, principalmente, durante as negociações das indenizações às famílias?

Não custa lembrar que 2019 foi o ano em que o Flamengo mais investiu no futebol, formando, em duas janelas milionárias, o timaço que encantaria o continente e colecionaria títulos, sob o comando de Jorge Jesus. Foram R$ 249,5 milhões em contratações de jogadores.

A ausência do presidente Rodolfo Landim já no primeiro encontro na Justiça com os pais das vítimas revolta não somente os parentes mas a qualquer um assistindo ao documentário. Omissão injustificável, covarde, imperdoável.

Num dos momentos mais tocantes da série (de três capítulos) o pai do goleiro Bernardo Piseta mostra, entre emocionado e revoltado, uma carta que lhe foi enviada pelo Fluminense! Por ser ele tricolor (a mãe do jovem é rubro-negra, como assim era seu filho), o presidente Mário Bittencourt fez questão de lhe escrever se solidarizando com sua dor.

- Nunca recebemos nada do Flamengo - murmura com a voz embargada.

- Nem um telefonema o Landim nos deu - conta, mais adiante, o pai de Christian Esmério, a única família que ainda não aceitou acordo.

Continua após a publicidade

Outro instante que revolta é mostrado no dia de aniversário de um ano do incêndio. Praticamente todas as famílias se dirigiram para o CT do Ninho do Urubu para rezar por lá. À exceção de uma (que o clube, disse na época ter pedido permissão com antecedência), todas foram barradas sem dó nem piedade! Como não houve um dirigente de bom senso para liberar a entrada? O que poderiam fazer, além de rezar? Um pequeno protesto? E não teriam esse direito?

Fica clara em "O Ninho" a estratégia usada pela diretoria rubro-negra para forçar os acordos financeiros nos termos que ela queria. Vencer pelo cansaço. Sempre discutindo através de advogados e sem a presença dos principais dirigentes. Nada de apoio ou conforto. Só números frios. Ano após ano, as famílias foram se cansando de continuar vivendo aquele pesadelo a cada reunião e acabaram cedendo.

Comenta-se, extraoficialmente, e isso não está na série, que os acordos giraram em torno de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões por cabeça. Em despacho do juiz André Alex, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, o Flamengo foi condenado, no último dia 15 de fevereiro, a pagar quase R$ 3 milhões à família do goleiro Christian Esmério, a única que não aceitou o acordo. O clube já recorreu.

Em tempo: cinco anos após a tragédia, ninguém ainda foi responsabilizado por ela. Custo a crer que alguém será algum dia.

Sintomaticamente, nenhum dos dirigentes do Flamengo, nem da administração Bandeira de Mello, nem da de Rodolfo Landim, aceitou gravar entrevistas para "O Ninho". Temiam por suas imagens. Mas elas poderiam ficar pior do que ficaram? Acho impossível!

Parabéns ao diretor Pedro Asbeg.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes