Mauro Cezar Pereira

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O Flamengo não precisa virar SAF para erguer seu estádio, como quer Landim

Em outubro de 2019, quando a Câmara dos Deputados discutia o projeto que acabou virando a Lei das SAF, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, participou de uma audiência pública em Brasília. Lá, defendeu veementemente o modelo de gestão do Flamengo e condenou a pressa para promover a transformação de clubes em empresas.

"Nada resiste à má gestão. Tudo resiste a uma boa gestão. Projeto de lei deveria ser para que as boas práticas de gestão sejam aplicadas nos clubes. Gera uma insegurança nos clubes a pressa pela qual as coisas vêm evoluindo. Será que isso tudo é necessário? É para ser feito de forma corrida?"

Em 2024, as receitas do Flamengo se multiplicaram tremendamente em relação a 2019 e Rodolfo Landim corre contra o tempo para encaminhar a transformação do Flamengo em SAF antes de deixar a presidência em dezembro.

Em fevereiro de 2020, Landim afirmou em entrevista à TV Brasil que construir um estádio próprio não estava nos planos do Flamengo e que a concessão a longo prazo do Maracanã era a prioridade.

"A torcida canta 'o Maraca é nosso', então temos de atendê-la. O Maracanã está muito bem localizado, com transportes públicos bem acessíveis, tradição esportiva, história. Além disso, há a questão do custo. Um estádio simples vai custar R$ 12,5 mil por assento, e se projetarmos 60 mil lugares isso nos custaria cerca de R$ 800 milhões, que somados ao custo do terreno iria a R$ 1 bilhão. E isso tudo para termos um estádio menor, numa localização pior. Não está nos nossos planos", disse na oportunidade.

Em 2024, o Flamengo administra o Maracanã há cinco anos e disputa a licitação para seguir gerindo o estádio pelos próximos 20 anos como franco favorito, em parceria com o Fluminense. Mas Rodolfo Landim acena para os sócios com a necessidade de transformar o Flamengo em SAF para a construção de um estádio próprio.

É verdade que Landim não é o único que mudou de opinião sobre a necessidade de o Flamengo ter um estádio próprio nos últimos anos, que apresentaram uma série de evidências de que, concessão ou não, o Maracanã nunca será inteiramente do Flamengo. Mas o modus operandi do presidente passa a impressão de que, mais do que um fim, o estádio é um pretexto para a transformação do clube em SAF.

A revolução financeira promovida a partir de 2013 no Flamengo sem dúvida nenhuma chegou, para pegar emprestada uma expressão de Bruno Henrique, a "outro patamar" na gestão Landim. É impossível não reconhecer isso quando o clube acaba de apresentar um balanço revelando que, mesmo num ano de fracassos dentro de campo, bateu o recorde histórico do futebol brasileiro com R$ 1,37 bilhão de receitas e R$ 320 milhões de superávit.

São cerca de R$ 500 milhões de vantagem para o Palmeiras, segundo colocado. No mesmo ano, o Flamengo reduziu ainda mais suas dívidas, inclusive zerando os empréstimos bancários.

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Apesar disso, Landim tenta convencer os sócios do clube que construir um estádio próprio afetaria as receitas e a competitividade do Flamengo e que a melhor maneira de financiar esse projeto seria abrir mão de parte do controle do futebol do clube, transformando-o em SAF e vendendo uma parcela minoritária a um investidor.

Deve chegar nos próximos dias ao Conselho Deliberativo, como revelou o site Mundo Rubro Negro, uma proposta de emenda assinada pelo primo e vice-presidente de Patrimônio de Landim, Arthur Rocha, que regulamenta o processo de transformação do clube em SAF. A intenção de Rocha, declaradamente, seria dificultar o processo, criando um quórum mínimo para aprovação na Assembleia Geral.

Só que, como efeito colateral, a emenda tira a possibilidade de o Conselho Deliberativo opinar sobre o eventual projeto e colocar regras e restrições para o funcionamento da SAF - como por exemplo impedir que atuais dirigentes do clube assumam cargos na administração da Sociedade Anônima do Futebol.

Como o próprio Landim declarou em 2019, a boa ou má gestão independe do formato. Os percalços da SAF do Vasco não se diferenciam muito dos do clube social nas últimas décadas. A SAF do Botafogo promove uma ciranda de técnicos de deixar inveja a várias associações. As taças das atuais Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil estão na sala de troféus de associações com orçamentos bem inferiores ao Flamengo - cujo futebol está nas mãos de um dirigente amador que usou as instalações do clube para apresentar versão posteriormente desmentida por imagens sobre a agressão a um torcedor e não recebeu nenhuma sanção por isso.

O Flamengo pode e deve construir seu estádio próprio e, se realmente tem a possibilidade de comprar o terreno do Gasômetro, deve aproveitá-la. Mas tem robustez financeira suficiente para fazê-lo sem precisar constar nas tabelas da CBF como SAF Flamengo. O argumento de que criar uma SAF seria alternativa preferível a constituir uma parceria específica para o estádio, porque isso significa ter que dividir receitas futuras, e desafia a lógica e a matemática.

Mas talvez seja uma "conta de padeiro", como a que Landim já alegou ter feito para apresentar ao Conselho Deliberativo a fantasiosa versão de que os títulos dos sócios passariam do valor atual de R$ 20 mil para cerca de R$ 500 mil.

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O Flamengo tem quase 50 milhões de torcedores. Com o projeto de Arthur Rocha, cerca de 1.200 a 1.400 sócios bastarão para que o patrimônio desses torcedores, o futebol do Flamengo, tenha ainda menos donos do que hoje. O Flamengo foi ao Bayern de Munique buscar um modelo para se transformar em SAF. Deveria se espelhar era nos 316 mil sócios do clube alemão. Em vez disso, cria regras para limitar o número de sócios de fora do Rio e vê o presidente dar entrevista a este blog para comparar o sócio-torcedor a um simples bebedor de Coca-Cola.

Já que é difícil entender os motivos do Flamengo possa ter para virar SAF, encerro o texto como comecei, com uma antiga frase do próprio Landim, antes de ser eleito em 2018, que talvez dê algumas pistas. "É uma promessa minha: se eleito, vou ficar só três anos. E uma nova pessoa, do nosso grupo, que será o próximo presidente do Flamengo. As pessoas, quando têm possibilidade de se reeleger, trabalham para elas e não para o clube."

* jornalista e membro nato do Conselho Deliberativo do Clube de Regatas do Flamengo

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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