Futebol pelo mundo

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Conflitos envolvendo Israel já mudaram Copas e agora afetam a Euro-2024

A Guerra entre Israel e o Hamas, que começou no sábado (6), tem consequências também no futebol. A Uefa anunciou o adiamento dos confrontos da seleção israelense contra Suíça e Kosovo, válidos pelas Eliminatórias da Eurocopa de 2024. Os duelos aconteceriam nesta Data Fifa.

Israel luta para disputar pela primeira vez o torneio europeu e ocupa a terceira posição de seu grupo, com 11 pontos, atrás de Suíça (14) e Romênia (12), a quatro rodadas do fim desta fase. Os dois primeiros de cada grupo garantem vaga na Eurocopa, mas os israelenses já têm garantida uma chance de repescagem, por causa do desempenho na Liga das Nações.

O adiamento das partidas contra a Suíça e Kosovo é mais um capítulo de uma história de boicotes, polêmicas e tensões que começaram nas relações de Israel com seus vizinhos e respingaram no esporte.

Essas tensões explicam, entre outras coisas, porque, desde 1992, os israelenses fazem parte da Uefa, a entidade que rege o futebol europeu. A seleção joga atualmente as Eliminatórias Européias de Copas do Mundo, da Eurocopa e os seus clubes fazem parte do ecossistema de torneios europeus, disputando vagas na Champions League, Europa League e Conference League.

Boicote e mudança na Copa do Mundo

O Estado de Israel foi criado em 1948, após decisão da Assembleia Geral da ONU, em novembro do ano anterior. Menos de dez anos depois, aconteceu o primeiro boicote aos israelenses, nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958.

Na época, havia apenas uma vaga para seleções da Ásia e da África. Depois do anúncio de que Israel disputaria as eliminatórias, os países da Liga Árabe anunciaram que não jogariam contra os israelenses. Outros países seguiram a decisão, e nenhuma equipe entrou em campo diante da seleção do Estado recém-criado.

Assim, Israel garantiria uma vaga automaticamente para a Copa, mas a Fifa alterou o regulamento para evitar que um time chegasse ao Mundial sem disputar uma única partida. A decisão foi mudar o regulamento da Copa do Mundo e criar uma repescagem.

Depois da recusa da Bélgica, o País de Gales aceitou disputar duas partidas contra a seleção israelense. Os galeses foram até Ramat Gan, no distrito de Tel Aviv, para a primeira partida, e venceram por 2 a 0. Três semanas depois, repetiram o placar no segundo jogo, em Cardiff.

Jogadores de Israel comemoram o título asiático de 1964, o único do futebol do país
Jogadores de Israel comemoram o título asiático de 1964, o único do futebol do país Imagem: GPO Israel

A Copa Asiática apagada do mapa

Apesar do boicote dos vizinhos, Israel continuou como país filiado à AFC, a confederação asiática de futebol. Em 1964, o país foi escolhido como sede da fase final da Copa Asiática. Os países muçulmanos boicotaram o evento por se recusarem a jogar em território israelense.

O resultado foi um torneio de apenas quatro equipes: Israel, Hong Kong, Índia e Coreia do Sul. A seleção local venceu, naquele que é até hoje o único título de sua história. Além do primeiro lugar em 1964, Israel soma dois vices-campeonatos, em 1956 e 1960.

O torneio de 1964 foi tão excepcional na história do futebol asiático -- além de boicotes a Israel, também houve tensões envolvendo a China e a Índia -- que vídeos recentes de história da AFC não citam a competição.

Israel ainda participaria da Copa Asiática em 1968, quando terminou na terceira colocação. Quatro anos depois, a seleção israelense desistiu da edição de 1972, e meses depois foi excluída da AFC a pedido das confederações de países vizinhos.

Seleção de Israel na Copa do Mundo de 1970: classificação teve boicotes
Seleção de Israel na Copa do Mundo de 1970: classificação teve boicotes Imagem: Fifa.com

Na única Copa, mais tensões

Depois de perder a vaga na Copa do Mundo de 1958 para o País de Gales, Israel não disputou as Eliminatórias de 1962 e 1966. Na volta, de olho em um lugar no México em 1970, a seleção encontrou novamente a resistência de adversários.

Os países árabes, mais uma vez, não disputaram a fase de classificação. Depois da definição do formato das Eliminatórias, a Coreia do Norte anunciou que não jogaria contra Israel e, portanto, deixou o torneio.

O Grupo 2, que inicialmente seria disputado pelos norte-coreanos, os israelenses e a Nova Zelândia, transformou-se em um mata-mata em que Israel venceu o país da Oceania por 6 a 0 no placar agregado, com as duas partidas disputadas em Ramat Gan.

Vencedora do Grupo 2, a seleção de Israel enfrentou a Austrália por uma vaga. Os israelenses venceram o primeiro jogo, em casa, por 1 a 0; na segunda partida, um empate por 1 a 1 garantiu um lugar no Mundial do México.

Com a classificação de Israel, a seleção de Marrocos -- que ficou com a única vaga da África -- ameaçou não disputar o torneio. Dois anos antes, em 1968, os marroquinos abandonaram o torneio de futebol da Olimpíada da Cidade do México porque estavam no mesmo grupo dos rivais.

Para evitar um novo incidente, Fifa assegurou que os dois países não se enfrentariam, colocando ambas no pote 4, chamado de "Resto do Mundo".

Israel acabou no Grupo 2, com Uruguai, Itália e Suécia. Depois de estrear com derrota para os uruguaios (2 a 0), a seleção israelense empatou com a Suécia (1 a 1) e com a Itália, que seria vice-campeã (0 a 0).

Grupos dirigidos e volta ao mundo

Em 1974, os países árabes passaram a disputar as Eliminatórias mesmo com a presença de Israel, por conta de um arranjo da Fifa, que montou grupos "dirigidos" para evitar que as seleções se encontrassem durante a disputa de uma vaga no Mundial.

Para a Copa da Alemanha, as Eliminatórias -- que então englobavam Ásia e Oceania -- foram divididas por zonas: Israel jogava com adversários da Ásia Oriental (no caso, Coreia do Sul, Tailândia e Malásia); já os países do Oriente Médio faziam parte de outra zona, que incluía Indonésia e Coreia do Norte, ambos contrários a jogar contra os israelenses. A única vaga da Ásia-Oceania acabou ficando com a Austrália.

Expulsa da AFC, a seleção de Israel disputou as Eliminatórias de 1978 pela OFC, confederação da Oceania, e novamente enfrentou rivais da Ásia Oriental. Foi eliminada em um grupo com Coreia do Sul e Japão; a Coreia do Norte, desta vez colocada na mesma chave, desistiu do torneio mais uma vez em protesto.

Para a Copa do Mundo de 1982, Israel disputou pela primeira vez as Eliminatórias da Uefa, ficando na última posição do Grupo 6, em que se classificaram Escócia e Irlanda do Norte.

Nas duas Copas seguintes, os israelenses foram colocados novamente na confederação da Oceania. Em 1986, ficaram em segundo lugar, atrás da Austrália, que disputou (e perdeu) uma repescagem contra a Escócia. Já em 1990, Israel superou australianos e neozelandeses e foi à repescagem contra a Colômbia -- acabou perdendo por 1 a 0 em Barranquilla e empatando por 0 a 0 em Ramat Gan.

Em 1992, Israel entrou definitivamente na Uefa. Desde então, disputa as Eliminatórias da Copas do Mundo pela Europa, e jamais voltou a se classificar.

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Anan Khalaili celebra gol de Israel em jogo contra o Brasil no Mundial sub-20
Anan Khalaili celebra gol de Israel em jogo contra o Brasil no Mundial sub-20 Imagem: Buda Mendes - FIFA/FIFA via Getty Images

Polêmica e mudança no Mundial sub-20

Mesmo enfrentando rivais considerados mais fortes na Europa, Israel conquistou em campo uma vaga para o Mundial sub-20 deste ano, que seria disputado na Indonésia, maior país de maioria muçulmana do mundo, que não tem relações diplomáticas com Israel e apoia a Palestina.

Protestos às vésperas do sorteio dos grupos fizeram a Fifa retirar o torneio da Indonésia, a menos de dois meses da data marcada para o início da competição. A Argentina, país com a maior comunidade judaica da América Latina e com boas relações com Israel, foi escolhida como sede.

Com a bola rolando, Israel foi uma das surpresas da competição. A seleção ficou em terceiro lugar, eliminando o Brasil nas quartas de final e perdendo por 1 a 0 nas semifinais para o Uruguai, que acabou ficando com o título.

Durante o torneio, a boa campanha da equipe e a diversidade da seleção, que tinha jogadores de diferentes origens, foram celebradas como uma trégua numa região de conflitos constantes. "Finalmente, houve consenso sobre alguma coisa", escreveu na época o jornalista Herb Keinon, do Jerusalem Post.

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