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Paulo Antunes já foi ator e participou de novela da Globo antes da ESPN

Paulo Antunes durante cobertura do Super Bowl - reprodução/Instagram
Paulo Antunes durante cobertura do Super Bowl Imagem: reprodução/Instagram

Patrick Mesquita

Do UOL, em São Paulo

29/01/2020 04h00

A temperatura é interpretada em fahrenheit automaticamente, as medidas em pés e o sotaque acentuado fazem qualquer um pensar que não sabe falar inglês fluente. Mas não se deixe levar pelas aparências, Paulo Antunes é mais brasileiro do que parece.

O hoje comentarista dos canais ESPN passou 17 de seus 42 anos morando nos Estados Unidos e tem uma relação íntima com a cultura norte-americana, mas o carinho pelo Brasil o fez retornar e alcançar o posto de uma das principais referências do país quando o assunto é NFL.

"Estava me sentindo meio sozinho, completamente desconectado com o Brasil, com a minha cultura de brasileiro. Estava quase 100% americano. Minha mãe falava comigo em português, eu respondia em inglês, porque era muito mais fácil para mim. Não estava perdendo o idioma, eu entendia, mas para falar era muito difícil. Aí eu vim para o Brasil durante umas férias, acabei me encantando pelas pessoas", conta.

Já em Miami para a cobertura do Super Bowl LIV, que acontece no domingo (2), às 20h30 (de Brasília), Paulo Antunes concedeu entrevista ao UOL Esporte para falar sobre como foi largar os EUA e se aventurar em diversas atividades, que vão desde jogador universitário a "ator da Globo", até se firmar como comentarista de futebol americano.

"Reta final do jogo, eu quero a bola. Eu quero tentar fazer o negócio, porque se eu acertar vai ser a glória, entendeu? Não sei, eu abraço esses desafios, porque se eu conseguir vai ser muito incrível. E se eu não conseguir, não vai ser uma coisa tão ruim assim", analisa.

Criação americana

Paulo Augusto Mansur Antunes nasceu em São Paulo e foi para os Estados Unidos aos 6 anos, no fim de 1984. Filho de um médico desiludido com a situação do país, ele foi embora com toda a família para Sarasota, uma cidade que fica a 370 km de Miami, na Flórida. Lá, ele notou logo de cara a mudança no estilo de vida.

"Lembro que cheguei lá e meu pai tinha uma Mercedes. Aqui, ele tinha um Maverick. Foi diferente lá. E a carreira dele começando a melhorar. Eu lembro que a gente chegou e tinha uma Mercedes, uma piscina. A gente estava num clube", lembra.

Se foi uma grata surpresa ver a mudança financeira, Paulo Antunes levou um choque ao lidar com o estilo de ensino na nova escola e as diferenças entre uma criança brasileira e uma norte-americana.

"Para mim foi uma coisa completamente diferente. Aqui eu tinha muitos amigos, energia muito boa. Uma pegada mais relaxada, mais divertida. Lá, eu já aprendi logo de cara o que era disciplina. Eu lembro que fui para a escola lá e achei as crianças um pouquinho diferentes. Aprendi o que era o sarcasmo e aprendi que você não podia brincar na aula. Lembro de uma vez em que fui até a sala do diretor e ele mostrou uma cinta para mim, eu fiquei completamente em choque. Naquela época, batia. Eu lembro que minha mãe foi até aquela escola e disse: 'se você encostar um dedo no meu filho, vai ter problema aqui'. Eu senti uma diferença nítida entre o americano e o brasileiro, mas eu comecei a aprender disciplina", afirma.

Um motivo, no entanto, foi o suficiente para o hoje comentarista passar a gostar dos Estados Unidos: o esporte. Paulo Antunes começou a jogar tênis, basquete, futebol, tudo com uma estrutura de primeira. Com o passar do tempo, morar nos Estados Unidos deixou de ser esquisito e passou a ser um prazer.

"E aí começou a minha vida como esportista. Eu joguei futebol, tênis, basquete. Eu acho que isso foi a parte mais divertida da minha vida nos Estados Unidos. O crescimento lá, para mim, dentro do esporte, foi um sonho. Eu lembro que a única certeza que eu tinha na minha vida, quando estava prestes a me formar no 'high school' [ensino médio], é que eu nunca voltaria para o Brasil. Eu não tinha muita certeza do que queria fazer, mas voltar para o Brasil era uma coisa que era impossível para mim. Você vê como são as coisas, né?", afirma.

O esporte americano

Morar nos Estados Unidos também fez Paulo Antunes ter contato direto com os esportes de lá. Hoje reconhecido como fã do Miami Dolphins, ele começou a vida de torcedor admirando outra modalidade: o beisebol.

"Acho que foi muito por causa do meu pai. Em lembro uma vez, em 1986, ele perguntou: 'Que time de beisebol você gosta?'. Eu não conhecia nada de beisebol, mas eu tinha um card de um jogador do (Chicago) White Sox e falei 'White Sox'. E ele: "Red Sox". Inclusive o (Boston) Red Sox está jogando agora, que era final da liga americana de 1986. Eu imediatamente virei torcedor do Red Sox", conta.

A NFL só ganhou espaço na sua preferência graças a Sarasota. Como a cidade ficava longe de Miami, as emissoras transmitiam todos os jogos dos Dolphins sem restrição de área. Não demorou muito para Paulo Antunes se encantar por um nome: o lendário quarterback Dan Marino.

"Comecei a ver Dan Marino toda semana, me apaixonei. Virou uma paixão mesmo. Mas o carinho era igual o que eu tinha pelo Red Sox, igual a paixão que tinha pelos (Boston) Celtics. Acho que é aquela coisa do ser humano: quando não tem uma coisa, quer mais. Deve ser isso. Porque meu sonho era que o Red Sox ganhasse um título — acho que eu posso morrer, ganharam quatro (2004, 2007, 2013 e 2018). Os Dolphins não ganham nunca", revela.

Carinho pelo Brasil e pelo Corinthians

Mesmo vivendo nos Estados Unidos, Paulo Antunes tinha contato com o esporte brasileiro. Na América do Norte, ele chorou com a queda da seleção na Copa do Mundo de 1990, assistiu a todos os jogos da campanha do tetra, em 1994, e dava um jeito de escutar aos jogos do Corinthians.

Paulo Antunes ao lado de Tom Brady - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Paulo Antunes ao lado de Tom Brady
Imagem: Arquivo Pessoal

"O Corinthians era uma coisa difícil, mas eu escutava os gols, porque a Jovem Pan colocava os gols, com a narração acho que do (José) Silvério. A internet estava nascendo lá em 1995. Então, eu perguntava para minha família aqui: 'E aí, e o Corinthians?'. Lembro quando o Corinthians foi campeão (brasileiro) em 1990. Se eu tivesse aqui, teria sido provavelmente o melhor título da minha vida, com 12 anos vendo aquilo", recorda.

Solidão e "frio" nos EUA

Já mais velho, Paulo Antunes foi para Boston estudar jornalismo na Emerson College, uma das mais conceituadas dos Estados Unidos. E foi lá que ele notou que as coisas não estavam tão bem assim. O agora comentarista se sentiu sozinho em diversos momentos, notou que estava ficando uma pessoa "fria" e admitiu que precisava dar uma nova chance ao Brasil.

"Estava ficando muito americano. Estava perdendo um pouquinho da alegria de algumas coisas, precisava voltar para o Brasil [...]. Eu lembro que teve uma festa lá em casa, em Boston, meu vizinho e eu, num andar. Abrimos os dois apartamentos, o pessoal entrava no dele, no meu. E aí acabou que a concentração ficou mais no dele. Aí eu lembro que fui no meu, e coloquei um CD lá, que tava tocando umas músicas brasileiras. Tinha bebido um pouquinho. Tocou Marisa Monte, que eu gosto pra caramba e pensei: 'Eu tô precisando dar uma chance a mais para o Brasil e não perder meu lado brasileiro, porque acho que isso é muito, muito importante. Vou sofrer se eu perder isso e me tornar um americano meio amargo, frio'."

Hoje completamente adaptado ao Brasil, apesar de ainda raciocinar em inglês em boa parte do tempo, Paulo Antunes não tem planos de retornar aos Estados Unidos.

"O que me assusta um dia voltar para os EUA é justamente esse Paulo voltar. Aqui eu sinto que tem o calor humano, que me complementa muito bem, e lá é uma coisa mais de solidão, de trabalho, é mais frio mesmo. Eu me sinto melhor aqui. Mas eu entendo que lá tem as melhores oportunidades", reflete.

Ator global, repórter e ator

O retorno ao Brasil aconteceu na metade dos anos 2000. Formado em jornalismo, Paulo Antunes aproveitou que o tio era dono de uma afiliada do SBT em Santos para dar os primeiros passos profissionais. O desejo, no entanto, era morar em São Paulo. Pensando nisso, ele decidiu fazer um curso de teatro na escola de atores do diretor Wolf Maya.

Não demorou muito para o jornalista conseguir sua primeira participação em uma novela do SBT. Pouco tempo depois, ele decidiu, na maior "cara de pau", pedir uma chance ao próprio Wolf Maya. A atitude curiosa fez com que ele conquistasse uma pontinha na novela Cobras e Lagartos (2006), da Globo.

Paulo Antunes em Cobras e Lagartos, da Globo - Reprodução - Reprodução
Paulo Antunes em Cobras e Lagartos, da Globo
Imagem: Reprodução

"Era um bandido, encapuzado, não conseguia enxergar nada. Também, viu? Aí coloquei a minha corrente para fora para falar assim: 'A minha corrente aqui, está vendo que sou eu?'. Minha chance de aparecer na Globo, e eu encapuzado. Quem que faz negócio encapuzado, quem que anda encapuzado? Eu não conseguia enxergar nada, é demais, né? E tinha que ser o capuz preto também, porque os outros estavam com um capuz mais claro. Eu com a corrente para fora. Playboy encapuzado. Aí eu tirei o revólver pesado: 'Passa tudo que vocês têm aí, velharada'. Peguei o cofre e saí andando. Meio estranho, depois eu vi no ar. Porque você pega o cofre e pelo menos apontando a arma. Cofre pesado também, cheio de ponta, machuquei meu braço pegando o cofre", lembra.

Temos um Djoko!

O contato com o jornalismo esportivo começou alguns anos depois. Paulo Antunes queria ter a experiência de trabalhar em alguma emissora renomada no Brasil. Sem nenhum conhecido no meio, ele deu um jeito de se "infiltrar". Pegou o telefone e saiu ligando para Cultura, BandSports e ESPN.

Após diversas tentativas frustradas de conseguir falar com algum diretor dos canais, ele finalmente teve a oportunidade de conversar com Paulo Vinicius Coelho, o PVC, então um dos chefes da ESPN Brasil.

"Comprei o livro dele. Coisa do americano... Comecei a ler para poder compartilhar algumas coisas. Eu fiz uma fita-piloto com meu material, em todos os formatos possíveis. Conversei com ele uns 15 minutos. A gente conversou sobre a comparação entre as Copas de 1994 e 2002, que era o que interessava o PVC. Aí ele falou: 'acho que você tem perfil para esportes radicais'. Eu nem sabia que ia ter futebol americano, beisebol aqui. Eu queria simplesmente entrar na ESPN Brasil, ganhar um pouquinho mais de dinheiro, morar em São Paulo e ter uma experiência de primeira linha, na minha visão", afirma.

Os contatos não avançaram, mas outro nome da ESPN serviu de inspiração para uma nova tentativa. O jornalista estava de férias nos Estados Unidos e viu um especial feito pelo então repórter André Plihal com bastidores do terceiro título Mundial do São Paulo. Paulo ofereceu ao canal uma espécie de documentário sobre os playoffs da MLB, principal liga de beisebol do mundo.

O projeto não foi adiante, mas foi o suficiente para chamar a atenção de José Simões, um dos chefes da ESPN na época. Foi então que Paulo Antunes conseguiu um teste para comentar no canal.

"Eu não sabia os termos do futebol americano em português. Para mim era tudo em inglês. Eu anotava tudo que os caras falavam aqui para fazer esse teste. Eu gravei um jogo, eu lembro, era Steelers x Chargers. Gravei o primeiro tempo. Eu sabia todas as jogadas antes de elas acontecerem. Fiz o teste com o Everaldo, errei o nome dele no ar, que é um nome meio diferente. Eu falei 'Esmeraldo'. Problema, cara. Mas eu lembro que ele foi muito, muito bonzinho comigo. Muito simpático, muito leve e óbvio que eu estava muito inseguro. Dia seguinte, disseram que o João gostou muito do meu teste. O primeiro jogo que fiz foi um jogo de beisebol, em março. Lembro que ficava com dor de cabeça depois dos jogos, de ter que traduzir tudo para o português para poder me comunicar no ar", lembra.

Dupla de sucesso com Everaldo Marques

Não demorou muito para o jornalista se destacar. A dupla com Everaldo Marques rapidamente bombou. Com uma transmissão informativa e divertida, com os já famosos "latidos", narrador e comentarista conquistaram o público. O sucesso foi tanto que os dois foram entrevistados por Jô Soares, no extinto programa que o apresentador tinha na Rede Globo.

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Hoje, é difícil pensar em Paulo Antunes sem Everaldo Marques. A parceria foi tão natural que o comentarista tem certa dificuldade para responder o tamanho da importância do narrador em sua carreira.

"Eu sei que no início, quando eu tinha uma insegurança, o Everaldo me ajudou, ele sempre foi parceiro. Ele não precisa aparecer mais do que ninguém. Então acho que essa união realmente foi muito importante. Mas eu também já trabalhei com outros narradores, já me senti em casa com outros narradores. Já me diverti muito com também. Então eu não sei se seria muito diferente. O que eu sei é que a nossa química é uma química especial. Eu tenho muita liberdade para me expressar, falar bastante. Ele provoca discussões boas também. É muito divertido fazer jogos com o Everaldo", conta.

Agora, Paulo Antunes se prepara para a 10ª cobertura in loco do Super Bowl, algo que parecia inacreditável quando ele retornou ao Brasil. Com o nome já consolidado, o comentarista se diz feliz com o feedback que recebe dos fãs de futebol americano e se diz surpreso com a interação de ídolos de outros esportes.

"Tem alguns jogadores de futebol que gostam. Acho que uma vez o Cássio falou: 'temos um jogo'. O Cássio em 2012 foi sensacional. Recentemente, o Djalminha falou que respeita muito o meu trabalho. O Fábio Luciano também. Essas interações são muito, muito legais. É legal, eu não me acho nada. Mas eu fico muito feliz que o esporte tenha alcançado essas pessoas. E quando você consegue interagir com pessoas que você respeita e você admira, é muito especial", analisa.

Futuro longe da NFL?

Paulo Antunes se diz grato a tudo o que o futebol americano proporcionou em sua vida, mas não pense que ele pretende ser comentarista para sempre. Assim como "se jogou" em outras funções antes de entrar na ESPN, ele tem planos de tentar algo novo daqui a alguns anos.

"Eu não me vejo como só comentarista de futebol americano. Eu me vejo como comunicador, um jornalista que comenta futebol americano na ESPN. Eu não me vejo limitado a isso. Acho que sou capaz de apresentar, de ir para o ramo do entretenimento. Acho que me daria bem com um programa de entrevistas. Fiquei um mês na Copa do Mundo produzindo conteúdo, não pela ESPN. Eu não me vejo comentando futebol americano o resto da vida, para sempre. Não é a minha meta de vida. Eu gosto do que eu faço, é muito gostoso de fazer, mas eu consigo me imaginar fazendo outras coisas também", afirma.