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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Como um craque do Corinthians virou o técnico da pior derrota do Boca

Rivellino e Dino Sani em treinamento do Corinthians na década de 1960 - Reprodução Twitter
Rivellino e Dino Sani em treinamento do Corinthians na década de 1960 Imagem: Reprodução Twitter

Colunista do UOL

26/06/2022 04h00

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Quem é mais novo talvez não o conheça. Mas quem acompanha o futebol há mais tempo não duvida em colocar o nome de Dino Sani como um dos maiores volantes da história.

Nesta semana em que muito se fala sobre o confronto entre Corinthians e Boca Juniors pelas oitavas de final da Libertadores, vale resgatar a sua trajetória nos dois gigantes sul-americanos.

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Dino Sani defendeu o Boca Juniors em 1961
Imagem: Reprodução El Gráfico

Revelado pelo Palmeiras, e se tornando depois um ídolo do São Paulo, Sani era perfeito para roubar a bola e distribuir o jogo. Tanto foi assim que começou a Copa do Mundo de 1958 como titular do Brasil que seria campeão.

Em 1961, ainda no Tricolor, foi transferido para o Boca Juniors, onde jogou ao lado de uma legião brasileira que incluía também Orlando, Edson, Maurinho, Almir e Paulo Valentim. Vestiu a camisa azul e ouro apenas por uma temporada antes de fechar com o Milan, conquistando o Campeonato Italiano e o torneio que hoje seria a Liga dos Campeões da Europa.

Com a pecha de grande estrela daqueles tempos, Dino Sani chegou ao Corinthians em 1965, pendurando as chuteiras no Parque São Jorge em 1968. Ficaria famoso por ser o mentor daquele que começava a carreira e seria um dos grandes ídolos da história do clube: Roberto Rivellino.

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Dino Sani chegou ao Corinthians com status de estrela nos anos 1960
Imagem: Reprodução web

Em 1968, Sani estrearia como técnico no próprio Corinthians. E nesta função ele voltaria a encontrar o Boca.

9 a 1 para o Barcelona

A carreira de Sani foi sólida também como treinador.

Convidado a assumir a seleção brasileira depois da saída de João Saldanha em 1970, ele recusou e armou times fortes nos mais diferentes estados.

Seguiu sua trajetória no Internacional, Goiás, Palmeiras, Coritiba, Peñarol, Flamengo, Fluminense e Ponte Preta, quando seu nome foi sondado pelo Boca Juniors em 1984.

O Boca atravessava uma gravíssima crise financeira, e Sani foi escolhido pelo passado como jogador do clube. O responsável pelo futebol do Boca daqueles tempos, Domingo Corigliano, decidiu apostar em um técnico estrangeiro, e o valor disponível para o salário chega a ser hilário: apenas US$ 2.500 (R$ 13.108 na cotação atual) por mês.

Corigliano mantinha também uma forte relação com o Peñarol, onde Sani havia sido campeão uruguaio em 1978 e 1979.

O ex-volante durou só 16 jogos, sendo o comandante xeneize de uma partida muito lembrada na Argentina até hoje.

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Dino Sani comanda lendário goleiro Loco Gatti em treinamento do Boca em 1984
Imagem: Reprodução web
O Boca foi atropelado pelo Barcelona por 9 a 1 no Troféu Joan Gamper, placar que perdura até hoje como a pior derrota xeneize em todos os tempos.

Não teve troféu e nem goleada, mas outro vexame mostra bem a dureza do Boca de Dino Sani naqueles tempos.

Com o time principal em greve (incluindo o técnico) por salários atrasados, o Boca enfrentou o Atlanta, pelo Campeonato Argentino, escalando juvenis e usando camisas reservas que sequer tinham o número estampado.

Os algarismos foram improvisados com canetinha, que suavam e manchavam a parte de trás do uniforme.

O momento embaraçoso acabou sendo devidamente superado tanto por Dino Sani quanto pelo Boca. O ex-volante voltou ao Brasil e comandou trabalhos respeitados no Coritiba e no Grêmio.

Refeito dos traumas de 1984, o Boca enfileirou títulos nacional na década de 1990 e virou o bicho-papão da Libertadores na virada do milênio, saltando de duas para seis conquistas.

Hoje com 90 anos, Dino Sani vive com a família em São Paulo, mas acompanha pouco o esporte que o consagrou. Ele explicou os motivos em entrevista recente ao Museu do Futebol:

"Vejo [futebol] de vez em quando, com dificuldade. A ruindade é imensa. Muita correria e pouco cérebro. Tem profissional que vai dominar a bola e ela bate na canela. Hoje, você não vê um passe de cabeça. É cabeceio para qualquer lado, menos no pé do companheiro. Ainda tenho a cabeça do futebol antigo, porém acho um desperdício. As coisas sempre mudam para pior. E não me refiro apenas ao futebol, mas ao mundo em geral".