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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Manos de Dios: Como Maradona inspira vôlei da Argentina para final inédita

Diego Maradona participa de aquecimento em jogo de vôlei na Argentina em 1995 - Reprodução TV
Diego Maradona participa de aquecimento em jogo de vôlei na Argentina em 1995 Imagem: Reprodução TV

Colunista do UOL

04/08/2021 12h00Atualizada em 04/08/2021 12h47

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A seleção argentina de vôlei masculino vai disputar a semifinal olímpica às 9h (de Brasília) de amanhã (5) contra a França. É a primeira presença do país entre os quatro melhores desde Sydney-2000. E a campanha de Tóquio conta com uma inspiração especial: Diego Armando Maradona, cuja morte há oito meses reforça sua presença cada vez mais no imaginário coletivo argentino.

Maradona teve um longo histórico de interação com o vôlei do país. Há, inclusive, um vídeo viral de um aquecimento seu, nanico entre os gigantes. Diego faz embaixadinhas e logo começa a levantar com sua canhota mágica (e depois com a cabeça e com o ombro), enquanto os atacantes argentinos afinam suas cortadas antes de um amistoso em 1995

A amizade de Maradona com a seleção de vôlei vem da sua preparação para a Copa do Mundo de 1994 e do seu treinamento físico para jogar pelo Boca Juniors em 1995. Como um novato qualquer, Diego usava as instalações do CenARD, prédio dedicado ao treinamento dos atletas de elite localizado no bairro de Núñez, perto do Monumental. De magnetismo quase místico, ele logo ficou amigo dos jogadores argentinos que treinavam para o Pan de 1995, disputado em Mar del Plata. Aquela era a seleção de vôlei de Javier Weber e Marcos Milinkovic, nomes de forte presença também nas quadras do Brasil.

"Víamos Diego todos os dias, éramos amigos de verdade, jogávamos inclusive algumas peladinhas com ele, os médicos e os fisioterapeutas", disse o jogador de vôlei Guillermo Quaini ao site do canal de TV TyC Sports.

Maradona teve inclusive importância em uma grave crise institucional do vôlei argentino, que vivia um então conflito entre a Federação Metropolitana e a Confederação Argentina - a dissidência gerou a criação da Federação Argentina de Vôlei, que inventou um Jogo das Estrelas para se fortalecer.

E quem apareceu para promover a iniciativa? Maradona, ele mesmo.

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Loser, da Argentina, celebra ponto contra o Brasil, no vôlei masculino nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Imagem: Toru Hanai/Getty Images

O Jogo das Estrelas foi realizado no Ferro Carril Oeste, tradicional clube portenho, e a proposta da turma do vôlei a Diego foi a mais natural possível. "Maradona foi um fenômeno, se mostrou predisposto, um cara fenomenal. Os russos não acreditavam que era Maradona que estava ali na quadra conosco", seguiu Quaini, que se emocionou ao TyC Sports ao relembrar as palavras do astro topando o convite: "Rapazes, por vocês dou até peixinho na quadra".

Diego foi ao clube com sua então esposa, Claudia Villafañe, suas filhas, Dalma e Giannina, e seu empresário, Guillermo Cóppola. "O que se vê no vídeo é só uma parte do que aconteceu. Diego cumprimentou um por um, e depois se animou a levantar para a gente de coxa, de joelho, de cabeça, de ombro. É uma das lembranças mais lindas daqueles tempos. A gente brinca com a mão de Deus, o gol contra a Inglaterra e tudo, mas para a gente era realmente aquecer com as bolas levantadas pelas mãos de Deus", conclui Quaini.

Amigos para sempre

Para quem não está na Argentina, é realmente muito difícil entender o peso da figura de Maradona para esportistas de modalidades que não o futebol. Falar de Diego com gente do rúgbi, tênis, atletismo e basquete é quase sempre seguir um caminho de lágrimas pelo seu auge e pelo seu fim cruel.

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Facundo Conte, da Argentina que briga pelo ouro inédito em Tóquio
Imagem: Reprodução/Instagram

E é claro que a primeira Olimpíada depois de sua morte é usada como enorme motivação pela seleção de vôlei que busca nas quadras de Tóquio uma final inédita. O melhor resultado da azul e branca nos Jogos é bronze (Seul-1988).

Hoje técnico da seleção argentina, Marcelo Méndez era um dos mais emocionados na morte de Diego: "Era um cara alegre, aconchegante, amável e simpático", comentou ao jornal mineiro "O Tempo". "Temos que lembrar somente as coisas boas que ele fez, um cara que brigou contra as injustiças, sempre quis um país e uma seleção mais forte e melhor. Maradona marcou uma geração de pessoas, que viam cada jogo seu como uma luta contra as adversidades e opressão. Ele representou uma geração que queria uma Argentina mais igual, sempre acreditou em um país melhor."

Javier Weber, técnico de diversos times de vôlei no Brasil, também ressaltou a importância de Maradona para o seu esporte: "Ele nos ajudou muito quando eu era capitão da seleção argentina, em 1995, 1996. Esteve num Jogo das Estrelas, jogou conosco. Tenho uma lembrança muito forte. Ele foi foi o melhor e mais reconhecido da Argentina em todos os esportes. Nosso ídolo máximo. Era uma excelente pessoa, queria o bem da Argentina como ninguém. Matava pela camisa da seleção, por nosso país, um cara que sempre colocou a nossa bandeira acima de tudo", declarou ao site especializado Web Vôlei.

Ninguém, porém, vai suar a força de Maradona em Tóquio mais que o ponta Facundo Conte. Filho do ex-jogador Hugo Conte, estrela da Argentina na década de 1980, ele viu de perto o pai gozar desta proximidade com Diego.

"Maradona foi o único esportista que me fez chorar, o que ele transmitia com a nossa camiseta era muito forte", declarou Hugo à rádio portenha 947 FM.

Para deixar tudo ainda mais comovente para os sentimentais argentinos, Hugo hoje é comentarista de TV e está em Tóquio transmitindo os jogos do filho. Como exclamam os portenhos: "Fua!" (algo como o "Nossa!", em português).