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Órgão anticorrupção pede suspensão de brasileiro mas auditor libera atleta

Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza

Colunista do UOL

08/10/2020 04h00

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A Unidade de Integridade do Tênis (TIU, na sigla em inglês) pediu a suspensão provisória do brasileiro Christian Lindell em junho deste ano, sob a acusação de envolvimento em manipulação de resultados, mas não teve sucesso. O tenista de 28 anos, que nasceu no Rio de Janeiro mas defende a Suécia no circuito mundial e é o atual número 331 do mundo, apresentou sua defesa, que foi aceita pelo professor Richard McLaren, oficial anticorrupção independente que decide casos assim.

Em junho deste ano, a TIU entrou em contato com Lindell informando que havia solicitado uma suspensão provisória do atleta. A acusação era referente a uma partida de duplas disputada em um torneio da série Future em São José do Rio Preto, em abril de 2018. O advogado do tenista, Michel Assef Filho, não pode confirmar a partida devido a uma cláusula de confidencialidade, mas naquele torneio Lindell fez parceria com Augusto Laranja e venceu na estreia, superando os argentinos Nicolas Arreche e Camilo Carabelli. Em seguida, perdeu nas quartas de final para a parceria formada por Thales Turini e Caio Silva por 4/6, 7/5 e 10/7.

A suposta evidência apresentada pela TIU contra Lindell era a comprovação de uma transferência em dinheiro feita em nome do promotor indiano Ravinder Dandiwal para o brasileiro. O executivo foi citado recentemente em reportagem do jornal australiano The Age sobre manipulação de resultados no tênis. Ele instruiu cidadãos indianos a apostarem em determinadas partidas e disse para onde enviar pagamentos a jogadores corruptos.

A TIU viu uma ligação entre Dandiwal e os autores das apostas nas partidas que Lindell disputou, mas o tenista alegou ter jogado uma exibição em Bangkok, em 2018, organizada pelo mesmo Dandiwal, e que o dinheiro recebido foi um adiantamento para a participação em um outro evento futuro.

"Os caras me pagaram passagem executiva, hotel, garantia de US$ 4 mil para jogar o torneio e lá me trataram como um rei. Não fazia ideia se eram apostadores. Nunca tinha visto na minha vida. Eu inclusive estava com medo de ir, mas o torneio funcionou super bem. Era profissional mesmo, tinha de tudo. Lá, no torneio, os caras conversaram comigo, dizendo que estavam querendo organizar outro torneio, mais para a frente, e que queriam garantir a minha presença. Eu, inclusive, era o cabeça 1, o melhor ranqueado, eles gostaram de mim, acabei indo bem. Falaram 'a gente quer garantir a sua presença e te pagar adiantado', etc. e tal. Se era um apostador, como estão dizendo nas reportagens, na época eu não fazia a menor ideia. Como o torneio em Bangkok correu bem, resolvi aceitar participar do próximo. Tudo dentro da normalidade de um tenista profissional", explicou Lindell ao Saque e Voleio.

Christian Lindell em Roland Garros - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

O carioca disse ainda ao blog que foi entrevistado pela TIU em maio daquele mesmo ano, durante um torneio da série Future em Curitiba, e que foi indagado sobre duas partidas. Uma de simples, que ele venceu, e uma de duplas, da qual saiu derrotado. Apenas este revés foi incluído na acusação do órgão anticorrupção. "Esses indianos apostaram em dois jogos meus. Uma dupla e uma simples. Na simples, eles apostaram que eu ia perder, e eu ganhei o jogo. Ou seja, eles perderam dinheiro. Na dupla, eles apostaram que eu ia perder, e eu acabei perdendo. Não fazia sentido nenhum [uma acusação]", argumentou.

Lindell ressaltou ao blog que nunca negou à TIU a veracidade da transferência recebida. "Eu admiti na mesma hora que a transação era pra mim mesmo. Não tive por que esconder nada disso. A transferência era, sim, um adiantamento de um outro torneio desses, igual ao de Bangkok." Lindell disse também que esse evento seguinte, outra exibição, acabou cancelado. Em julho deste ano, Dandiwal foi preso na Índia, acusado de fraude em uma partida de críquete que foi realizada em solo indiano, mas transmitida online como parte de uma liga do Sri Lanka.

Assef Filho apresentou a defesa do tenista no dia 26 de junho, e a resposta indeferindo o pedido de suspensão provisória foi dada em 6 de julho.

"O Richard McLaren, auditor independente, entendeu que, de fato, não havia absolutamente nenhuma prova que justificasse o pedido deles [TIU] e que o caso estava muito bem explicado. A gente juntou tudo que a gente conseguiu de prova e ficou muito claro", explicou Assef.

O parecer é sigiloso e contém cláusulas de confidencialidade. O advogado ressaltou ainda que desde então não houve outro movimento por parte da TIU ou dos procuradores desde a decisão de McLaren.

Brasileiros citados em investigação

Segundo a reportagem do The Age, uma investigação realizada no estado de Victoria, na Austrália, citou quatro tenistas brasileiros envolvidos em partidas suspeitas de terem seus resultados manipulados. A publicação se baseia em documentos publicados pela Corte de Magistrados de Melbourne. Thales Turini, Carlos Severino, Caio Silva e Lindell são os brasileiros mencionados.

O jornal publicou que Severino, Turini e Lindell foram entrevistados pela Unidade de Integridade do Tênis (TIU, na sigla em inglês), órgão que combate a corrupção no esporte. Os três negaram envolvimento em manipulação de resultados. Em nenhum momento a publicação sugere que eles fizeram algo ilegal.

As suspeitas de manipulação relatadas pelo The Age apareceram depois que a unidade de inteligência esportiva da polícia de Victoria constatou padrões estranhos de apostas feitas por dois cidadãos indianos morando em Melbourne. Um deles, Harsimrat Singh, se declarou culpado de fazer apostas usando "informações de conduta corrupta" em duas partidas suspeitas de manipulação realizadas no Brasil. Os documentos oficiais não acusam os jogadores de conduta ilegal. Apenas relatam que Singh foi instruído a apostar em resultados específicos em sets e partidas.

"Um ou mais jogadores arrumaram com Ravinder Dandiwal para manipular o resultado da partida de modo que Thales Turini venceria o primeiro set e Carlos Severino venceria a partida, e ... [Singh] usou essa informação para apostar no evento fazendo uma aposta de $100 na casa de apostas licenciada Crownbet com odds de 8,75, ganhando um lucro de $775", diz o jornal australiano sobre uma acusação da qual Singh se declarou culpado.

Além de conversar com Lindell, o blog procurou os outros três tenistas citados pelo The Age. Thales Turini disse que sua partida contra Severino, realizada no Future de São José do Rio Preto, na semana de 23 de abril de 2018, não teve nada de anormal. Ele também confirmou que foi abordado pela TIU em Curitiba. "Não sei te falar se perguntaram [sobre a partida de Rio Preto] ou não, mas me entrevistaram sobre uns outros jogos, se eu já fui abordado por alguém ou se sabia de alguma coisa, de outros jogos. Não teve nada relacionado específico com esse jogo, pelo que eu lembre." O tenista, que teve como melhor ranking o 283º posto e não compete desde 2018, declarou ainda: "Não sei por que eles apostaram no jogo. Ninguém se machucou, mas passei o último ano inteiro que joguei machucado por causa do meu quadril. Tive várias desistências. Se vir meus jogos de simples, eu estava focando mais na dupla. Em muitos, eu tomava virada porque o quadril começava a incomodar, mas não teve nada de específico, não."

Carlos Eduardo Severino também confirmou ao blog a conversa com a TIU em Curitiba, em maio de 2018. O carioca ressaltou que a partida contra Turini não foi mencionada no papo e lembrou que o órgão anticorrupção perguntou sobre outra partida - que ele venceu.

Caio Silva afirmou que ficou espantado com a citação no jornal australiano porque parou de jogar profissionalmente em 2018. "Nunca me procuraram, nunca me perguntaram nada. Já encontrei com o pessoal da TIU em alguns torneios, mas nunca me entrevistaram, nunca perguntaram nada de jogo. Nunca me mandaram email, mesmo depois de eu ter parado de jogar, por isso fiquei um pouco surpreso."