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Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

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Considerada a 'Bíblia do skate', revista Thrasher completa 500 edições

Capa comemorativa da edição de número 500 da revista de skate Thrasher - Reprodução Twitter
Capa comemorativa da edição de número 500 da revista de skate Thrasher Imagem: Reprodução Twitter

Colunista do UOL

13/01/2022 04h00

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A mais importante, controversa e politicamente incorreta revista impressa (e digital) do skate de todos os tempos, a Thrasher Magazine celebra no próximo mês de março a publicação de sua edição número 500, e com 41 anos de existência se torna a publicação especializada mais longeva da história dos esportes radicais.

Considerada "a Bíblia do skate", a Thrasher —nome que em tradução literal significa "debulhar"—, é uma revista que relata a evolução da cultura de rua por meio da perspectiva dos skatistas.

Um spoiler postado na conta do Twitter da revista em 7 de janeiro apresentou em primeira mão uma foto da capa desta futura edição. Datada de março de 2022, nela aparece a ilustração de uma caveira fazendo uma manobra em um bowl em ruínas, cercado por chamas e demônios.

É uma homenagem —bem ao estilo Thrasher— e também uma releitura atualizada da capa da primeira edição da revista de 1981. Em seu primeiro número havia uma ilustração semelhante desenhada à mão pelo então editor Kevin Thatcher, de um skatista realizando um layback (manobra na qual o skatista coloca uma das mãos na pista, no caso um bowl, onde se estica e faz uma curva de 180 graus com o skate).

Thrasher - Reprodução - Reprodução
Capa da edição número 1 da revista Thrasher Magazine
Imagem: Reprodução

Símbolo de liberdade e rebeldia, a Thrasher surgiu em 1981, em São Francisco, na Califórnia, fundada por Eric Swenson e Fausto Vitello, sócios de uma fábrica de eixos de skate chamada Independent Truck Company. A revista foi criada para promover os produtos da sua marca.

O nome Thrasher foi sugerido pelo skatista anarquista Duane Peters, e foi aceito prontamente.

O famoso lema da Thrasher —"Skate and Destroy" (ande de skate e destrua, em tradução literal)—, era uma expressão usada por skatistas e punks da década de 70 e incorporada pela publicação.

Impressa pela editora High Speed Productions, seu primeiro editor foi Kevin Thatcher, que já em sua primeira edição dizia: "o problema aqui é uma falta de conhecimento sobre o que significa o skate".

Duane Peters - Divulgação/ThrasherMagazine - Divulgação/ThrasherMagazine
O skatista e punk rocker Duane Peters
Imagem: Divulgação/ThrasherMagazine

Foi Thatcher que criou o logotipo mundialmente conhecido da marca, utilizando basicamente a fonte Banco, desenhada por Roger Excoffon em 1951, com uma estilização própria.

A partir de 1993, a Thrasher foi parar nas mãos de outro editor, o punk e controverso skatista radical no mais profundo sentido da palavra, Jake Phelps, que guiou os rumos da revista por 27 anos.

Phelps, que nem sequer tinha um computador em sua mesa, segundo pessoas próximas a ele, personificava o espírito de andar de skate e destruir (ou se autodestruir) e tinha em seu prontuário médico mais de sete fraturas nos joelhos, coluna cervical, pélvis, dedos e outros ossos, e nunca temia se machucar.

Prova disso ocorreu em julho de 2017, quando teve múltiplas fraturas ao despencar em alta velocidade com seu skate de uma ladeira em Dolores Park, em São Francisco.

Jake Phelps - Reprodução - Reprodução
Capa da revista Thrasher com o skatista Jake Phelps
Imagem: Reprodução

Em 14 de março de março de 2019, aos 56 anos, Phelps faleceu de causas não reveladas, e foi cremado junto com seu skate.

Marca já vendeu games, discos, livros e empresta o nome para linha de roupas

Além de publicação icônica, a Thrasher produziu, de 1983 até 1990, a coletânea "Skate Rock", com bandas de skate e punk rock, em discos de vinil e fitas k7, e que também tinham sua versão em vídeo no formato VHS.

skate rock - Reprodução - Reprodução
Capa do CD Skate Rock Vol. 1 da revista Thrasher
Imagem: Reprodução

Em 1999, criou um vídeo game realista e radical para Playstation chamado "Thrasher apresenta Skate and Destroy" com cenas de detenções policiais, ossos quebrados e muito skate, mas que não teve prosseguimento.

Desde 1990, ela produz também a mais prestigiada premiação do skate mundial a de Skatista do Ano (SOTY em abreviação em inglês), que em 1997, foi vencida pelo brasileiro Bob Burnquist, e existe até hoje.

Playstation da Thrasher - Reprodução - Reprodução
Capa do video game Skate and Destroy da revista Thrasher para Playstation
Imagem: Reprodução

Mas o carro chefe da marca —depois da revista—, são seus licenciamentos de roupas, que incluem camisetas, bonés, jaquetas, bandanas, meias, balaclavas, além de adesivos, chaveiros, óculos, sacolas e até toalhas de banho.

A força da marca é tão grande que até celebridades que não andavam de fato de skate começaram a usá-la, o que gerou críticas abertas do então editor da revista Jake Phelps. Em 2016, ele publicou no site Hypebeast: "Nós não enviamos caixas de roupas para Justin Bieber, Rihanna ou qualquer um desses palhaços, a calçada é onde a merda está. Sangue e sujeira, será que eles realmente sabem o que é isso?", esbravejou.

Não adiantou. A moda pegou e outras marcas como Supreme, Stussy, H&M, Vetements entraram no jogo comercial e colocaram em suas coleções camisetas com a mesma fonte utilizada pela Thrasher com o logo em chamas com palavras como Tripping em vez de Thrasher e colocaram à venda em lojas populares como Forever 21.

Especialistas comentam a importância da revista para a cultura urbana

O diretor jurídico da Confederação Brasileira de Skate, Alexandre "Birds", de 46 anos, considera que "a Thrasher mostrou o DIY (faça você mesmo), mostrando o underground, os sons, a roupa preta, o skate com rodas de cores diferentes, o deck com gambiarra, os eixos usados até o prisioneiro, festas, sexo, drogas, e rocknroll", enfatiza.

Para o skatista veterano Cesinha Chavez, 66 anos, pioneiro e fundador do programa Vibração e atual editor do Chave Mestra Vídeos, "a Thrasher chegou numa hora de mudanças, sendo desde o início 'anti-establishment'! Me lembro do Denis, dono do Marina Skatepark (de Los Angeles, na Califórnia), que me disse, na época, que os caras da revista eram loucos, querendo fechar as pistas e mandar o pessoal para as ruas!", recorda.

Cesinha foi um dos primeiros skatistas do Brasil a visitar a redação da revista em San Francisco, onde participou de um segmento no vídeo deles chamado Sponsor Me.

Bob na Thrasher - Reprodução - Reprodução
O brasileiro Bob Burnquist, skatista do ano da Thrasher em 1997
Imagem: Reprodução

"A Thrasher foi, e continua sendo, uma p... revista, que mostra apenas o coração do skate, pesado e forte, sem ídolos, apenas hardcore skateboarding!", complementa.

O fotógrafo Ivan Shupikov, de 50 anos, por sua vez —que já teve uma foto publicada na revista americana no início dos anos 90—, considerava caro comprar revista importada nos anos 80 e 90, e tinha um estratagema para resolver esta questão: "Eu ia até o aeroporto para ficar folheando sem pagar", recorda-se sorrindo.

A Thrasher é sinônimo de estilo de vida, destrói o skate, mas oferece reconstrução

Para o doutor em antropologia e autor do livro: "De carrinho pela cidade: a prática do skate em São Paulo", Giancarlo Machado, de 36 anos, "A Thrasher constituiu um marco divisor na história do skate. Ela tem sido responsável por propagar não apenas o melhor das manobras e a evolução do nível técnico, mas, sobretudo, diversos tipos de experiências cruciais para os skatistas. Não é à toa que a Thrasher fomenta a relação do skate com a música e com as artes. Esta vasta cobertura editorial perante uma prática multifacetada potencializa o seu alcance e afirma algo que extrapola as dimensões esportivas. A Thrasher destrói o skate, como seu próprio lema diz, mas sem antes ofertar possibilidades de reconstrução", pontua.

Mike Muir - Reprodução - Reprodução
O cantor da banda Suicidal Tendencies Mike Muir na capa da Thrasher de 1987
Imagem: Reprodução

Segundo o doutor em história e autor do livro "Para Além do Esporte: uma História do Skate no Brasil", Leonardo Brandão, de 45 anos, "A importância, a relevância e a influência da revista Thrasher é gigantesca. Ela ajudou a moldar uma parte significativa do que hoje entendemos por skateboard; mas sua influência vai além, atinge a arte, a música, o estilo de vida urbano, temas esses que ganhavam até mesmo a capa da revista, como aconteceu com o Danzig, em 1986 ou com o Mike Muir, do Suicidal Tendencies, em 1987. É preciso lembrar também que grande parte do legado da Thrasher deve-se a Jake Phelps, pois foi ele quem ajudou a dar um tom provocativo à publicação, bem contracultural. Eu sugiro a leitura do livro 'Skate and Destroy: the first 25 years of Thrasher Magazine', publicado em 2006".

"Falar sobre a Thrasher é uma tarefa inglória, afinal o que ainda não foi falado sobre a Bíblia do Skate?", questiona, por sua vez, o jornalista, produtor de conteúdo digital e apresentador do programa Studio Skate na Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, Guto Jimenez, de 59 anos.

Thrasher Skate and Destroy - Reprodução - Reprodução
Capa do livro Skate and Destroy "The First 25 Years" da revista Thrasher
Imagem: Reprodução

"Eu guardo até hoje as primeiras edições que vinham no formato tabloide, e estão em casa no acervo. A Thrasher sempre foi sinônimo de algum tipo de novidade, seja no cenário do skate, musical ou de comportamento. É impossível falar de skate sem falar na Thrasher. Importância fundamental na cultura do skate como também na formação do Ethos da alma do skate. Skate and Destroy", finaliza Guto.

Para conferir as capas de todas as edições da revista, a Thrasher Magazine disponibiliza um link exclusivo para essa finalidade:

Todas as capas da revista Thrasher desde 1981