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Prêmio em dinheiro por medalha é o fim do 'espírito olímpico'

Talvez melhor, provavelmente pior, mas nunca mais igual. O anúncio de que as provas de atletismo dos Jogos Olímpicos de Paris vão valer dinheiro é uma mudança de paradigma para as Olimpíadas, um ponto de virada de um movimento que há anos vem ganhando força. É o fim do "espírito olímpico".

Historicamente as Olimpíadas não oferecem nenhum outro prêmio que não uma medalha aos três primeiros colocados e um certificado àqueles que terminam até a oitava posição. A ideia é que ganhar uma medalha olímpica já dá ao atleta reconhecimento, respeito e admiração, e isso basta.

Até porque o dinheiro chega à mão do campeão olímpico de qualquer forma. Seja pela premiação paga pelo país, em valores que variam demais, de R$ 4 milhões a zero, seja pelas portas que se abrem a quem tem uma medalha olímpica no peito.

Ao longo dos anos, o "espírito olímpico" mudou, mas parou diante do risco no chão que era a premiação em dinheiro.

Houve um tempo em que as Olimpíadas eram para amadores (não havia atletas da NBA, por exemplo), essa restrição caiu gradualmente, mas a competição seguiu sendo amadora.

Beatriz Ferreira, candidatíssima ao ouro em Paris, é um exemplo dessa evolução. Em 2016, ela estava suspensa no boxe porque alguém descobriu que um dia ela havia feito uma luta de muay thai sem capacete, logo profissional, algo totalmente proibido. Em 2024, só oito anos depois, vai disputar um cinturão mundial, profissional, dias antes de lutar a Olimpíada, com aval (e apoio) do movimento olímpico.

Ninguém acha que atleta não deva ganhar dinheiro, mas a lógica até aqui era que a Olimpíada é a exceção, o torneio que vale por si só. Novak Djokovic ganhou incríveis US$ 14,1 milhões em premiações no ano de 2016, mas chorou copiosamente, por minutos, de soluçar, quando foi eliminado da disputa por um ouro olímpico. Tinha ganhado todos os Grand Slams, em sequência, tinha o mundo a seus pés, mas não o título que o imortalizaria.

É assim nas modalidades mais ricas e nas nem tanto. Peguemos a mais clássica delas, o atletismo: ganhar um meeting de quarto escalão do circuito mundial, como o GP Brasil, vale 600 dólares. Vencer uma etapa de Diamond League, US$ 10 mil. A etapa final, US$ 30 mil. O Mundial, US$ 70 mil. Mas, na Olimpíada, a medalha bastava, e sempre valeu mais do que qualquer outro título.

Os melhores atletas do mundo, ao menos no atletismo, já são muito bem premiados. Na temporada 2022 Alison 'Piu' dos Santos ganhou pelo menos US$ 160 mil em premiações só dos torneios que ganhou, sem contar patrocinadores e bônus dos mais diversos.

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Em Tóquio-2020, quando foi bronze olímpico, Piu ganhou R$ 100 mil, mas pagos pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), como uma forma de fomentar o esporte no país. A fonte de dinheiro é a mesma que vai pagar premiação aos campeões de Paris-2024 (os repasses do COI às federações internacionais e aos comitês nacionais), mas o conceito é completamente diferente.

Há anos as federações internacionais e o próprio COI têm dinheiro de sobra para pagar premiações aos campeões ou aos medalhistas olímpicos. Não o faziam por princípios, pelo "espírito olímpico", que agora foi aposentado.

Curiosamente (ou nem tanto), justo em momento em que a Rússia desafia o movimento olímpico criando uma competição semelhante, os "Jogos da Amizade", que partem do mesmo conceito de união dos povos, mas que oferece premiação de US$ 1 milhão por uma medalha de ouro, além de não ter regras antidoping. Agora, esse último ponto é a única diferença entre os eventos.

E há, ainda, um outro problema: a ideia do evento poliesportivo é que a medalha de ouro nos 100m do atletismo vale o mesmo que a medalha de ouro no pentatlo moderno, ou que no basquete. Com as federações oferecendo premiações, cada uma delas tem, literalmente, um valor. Não deveria ser assim.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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