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Prata no Pan, anestesista abandonou medicina aos 41 por sonho no esporte

"Chegou em um ponto em que ou você vai para o exterior e passa a se dedicar integralmente ao esporte, ou fica aí estagnado." Márcio Carvalho Jorge ouviu do seu treinador uma frase que costuma ser dita a garotos em início de carreira. Ele tinha 41 anos, casado, duas filhas, uma carreira consolidada como médico anestesista. E topou o desafio.

Largou a profissão à qual dedicou 10 longos anos de estudo, pegou a família, e foi morar no interior da Inglaterra. Sete anos depois, colhe os frutos. No Pan de Santiago, conquistou o melhor resultado individual da história do hipismo CCE brasileiro: uma medalha de prata. Além disso, ganhou bronze por equipes e ajudou a classificar o Brasil para Paris-2024.

"Eu sempre montei a minha vida inteira, desde criança. Vim para a Inglaterra quando tinha 16 anos, competir no Europeu Júnior, e desde essa época eu tinha o sonho de vir para Inglaterra, competir e chegar no alto nível. Mas fui estudar, fazer faculdade, 10 anos de faculdade, residência. Meu pai sempre falou que eu tinha de fazer faculdade e depois seguiria o caminho que eu quisesse. E realmente foi isso", conta.

Márcio é natural de Barretos, no interior de São Paulo. Estudou medicina em Pouso Alegre (MG) e voltou à cidade que é referência no tratamento de câncer. Trabalhou, inclusive, no Hospital do Câncer da cidade, além de outras instituições. Tudo isso, dividindo-se entre a anestesia e os cavalos.

"Trabalhei todo esse tempo, até 2016, era bastante corrido. Eu sempre tive essa vontade, e a decisão não foi fácil. É difícil largar, estudei tanto tempo. Não é uma profissão fácil, é difícil se formar bem, ganhar experiência... E depois de tudo isso deixar ela para trás", admite.

Enquanto ainda era meio médico/meio atleta, Márcio foi a duas edições do Pan (2011 e 2015, com dois nonos lugares) e a duas Olimpíadas (2012 e 2016, terminando uma em 46º e outra em 25º). Foi após a Rio-2016 que ele ouviu do neozelandês Mark Todd, então técnico da seleção brasileira e para sempre um astro do CCE, que para mudar de patamar, só com dedicação exclusiva, morando e treinando na Inglaterra, onde o CCE acontece.

"Eu sempre gostei muito do esporte, sempre foi meu sonho, eu acreditava que podia dar certo, e falei: 'Não, eu vou, vou tentar'. Foi um pouco de doideira, mas fomos para frente. Minha esposa me apoiou super, minhas filhas eram pequenas, curtiram muito. Claro que não foi simples, mas saiu tudo bem", conta.

Sem a medicina, ele passou a viver do cavalo. Manteve a pequena criação em Barretos e estendeu o negócio para a Inglaterra, passou a ganhar dinheiro também comprando, treinando e revendendo animais na terra do CCE, e tem como profissão a montaria profissional. Proprietários de cavalo de ponta o remuneram para que ele os treine, compita com eles, e os valorize para uma futura venda.

Nessa, Márcio está com cinco cavalos de primeiro nível internacional, três deles já qualificados para as Olimpíadas. No Pan, a prata veio com Castle Howard Casanova. "O esporte é isso, se tivesse acontecido o ouro também seria muito merecido, porque o cavalo do Marcio é espetacular, ainda jovem e com muito talento", comentou Julie Purgly, chefe de equipe.

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Pensar em medalha em Paris-2024 ainda é um sonho um pouco distante, mas Márcio deixou a medicina para chegar ainda mais longe no esporte, e segue acreditando que é possível. "Ainda não está do jeito que eu quero. Tem que melhorar bastante ainda para chegar onde eu quero, mas está no caminho", diz ele, que regularmente treina sob orientações de William Fox-Pitt, britânico que hoje comanda a seleção e que é o maior vencedor de "Grand Slams" do CCE.

A idade, no entender de Márcio, não é um empecilho. "O hipismo é o único esporte que homem e mulher competem juntos. Isso mostra que não depende de força física nenhuma. Muito mais habilidade, técnica. Hoje me sinto super bem, não sinto limitação nenhuma. Já vi e vejo cavaleiros com 55, 58 no top do mundo. Se eu tiver saúde, vou continuar. No mínimo mais 10 anos eu tenho", avisa.

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