Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

Delírio de Textor é fruto de uso equivocado da Inteligência Artificial

Que um time tenha dono já é absurdo sobre o qual deveríamos nos revoltar. Mas parece que já naturalizamos a aberração. O estadunidense John Textor é o dono do glorioso Botafogo e está, desde o final do ano passado, inconformado com o fracasso de seu time no Brasileirão. Quer achar os culpados. Está atrás dos responsáveis pelo cinematográfico malogro.

Textor vinha dizendo que tinha provas a respeito de resultados suspeitos e de jogos que teriam sido entregues por jogadores rivais e essa semana revelou do que falava: segundo pesquisas alimentadas por IA, alguns de seus concorrentes teriam feito corpo mole em determinados jogos.

O CEO foi buscar com a inteligência artificial explicações para a derrocada botafoguense. Focou nos adversários e foi aí que ele errou. Se tivesse prestado atenção apenas ao jogo contra o Palmeiras, naquela virada histórica dentro do Nilton Santos, saberia que seu time estava emocionalmente abalado e que o resultado improvável deixou o elenco ainda mais destroçado. Um bom líder teria, naquele momento, montado uma sala de controle para lidar com a emergência e o risco. Nada estava perdido, mas os sinais se faziam presentes.

Diante de tudo isso, em conversa com dois de meus amores, o são-paulino Mauricio Svartman e o palmeirense Edson Rossi, chegamos à conclusão de que o problema nem foi usar IA para compreender a sequência de eventos. O erro está na pergunta feita à Inteligência Artificial, que deveria estar direcionada ao Botafogo e não aos oponentes. O que houve? Onde pegou? Por que aquela virada impossível? O elenco rachou? Mas Textor quer saber é dos rivais, a despeito de ter ficado na quinta colocação depois de liderar o campeonato com sobras pela maioria das rodadas.

Para Textor é impossível que um jogador caia de produção, tenha um dia ruim, esteja desmotivado. Atleta é máquina e a baixa performance de alguns rivais em alguns jogos provaria que houve manipulação segundo a IA. Ele usa de lógica alimentada pela matriz dos esportes estadunidenses, onde tudo é métrica e estatística. Não vai dar certo usar essa matriz para interpretar nosso futebol e Textor certamente alimentará sua paranoia se for por aí.

Futebol acontece no universo das coisas subjetivas, ainda que estejam tentando tirá-lo de lá. Não adianta vir com números, dados, projeções milimétricas e achar que é apenas isso. Não funciona aqui, graças a Deus.

Seria interessante perguntar ao recurso da IA por que o Botafogo sofreu quatro gols em 45 minutos contra o Palmeiras. Por que perdeu vexatoriamente para o Grêmio logo depois. Por que não se manteve minimamente focado? Por que desandou de forma arrebatadora?

O bom líder olha para dentro a fim de analisar fracassos. O líder paranoico olha para fora. Textor não vai mudar o futebol. Seria bonito se o futebol mudasse o CEO. Eu cheguei a acreditar que isso aconteceria. Mas já estou duvidando da possibilidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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