Vini Jr e um legado deixado sobre os destroços de si mesmo
A entrevista coletiva de Vini Jr. neste 25 de março é uma das mais desoladoras da nossa história. Quem só vê luta não vê destroços. Quem só vê punho erguido não vê lágrima. Quem só vê a potência do embate não vê a dor do sofrimento.
Vini disse que é triste voltar para casa. Disse que só queria jogar bola. Disse que as manifestações racistas são pesadas sobre sua saúde mental. Disse que tem perdido a alegria de jogar. Disse e mostrou.
Seria o caso de nos perguntarmos quem ganha com a exposição de tanta dor? Porque alguém sempre ganha e não me parece ser Vini Jr.
Nosso craque chorou algumas vezes, assim como choraram duas jornalistas mulheres: Tatiana Mantovani, da TNT, que fez sua pergunta com a voz embargada, e Kiyomi Nakamura, jornalista japonesa que cobre a seleção brasileira há alguns anos. Nakamura precisou parar de falar para poder controlar o pranto.
Vini é hoje nosso principal jogador. Com apenas 23 anos pode ainda conquistar o mundo. Certamente faria isso de forma mais rápida se não tivesse que existir numa sociedade que o julga pela cor de sua pele. Catar seus pedaços em campo depois de todos os jogos, remendar só ele sabe como, lamber a feridas, buscar forças para recomeça no dia seguinte. Quanto custa tudo isso?
A sensação de estar sozinho agrava o que vem passando. Nem CBF, nem Uefa, nem Fifa, nem La Liga nem nenhuma instituição fizeram o escândalo que deveria ter sido feito quando, lá atrás, ele começou a ser alvo de racismo. Uma notinha de repúdio aqui e outra ali, algumas ameaças de multa, vamos pintar a logomarca e tudo mais de preto para a entrevista, vamos fazer uma hashtag bem bacana, vamos lembrar geral que Ednaldo, nosso presidente, não é um homem branco - e tem sido isso.
Dorival deu entrevista depois de Vini e repetiu sobre o racismo o que disse sobre o machismo: se houve um crime... A impressão é a de que Vini está mesmo sozinho nessa.
Vini precisa de amparo. Precisa ser acolhido. Precisa ter sua luta amplificada publicamente por outras vozes.
Precisa ser pintado como o herói que tem mostrado ser, só que isso deve ser feito com ele estando protegido e não exposto de forma tão solitária no meio de um salão lotado de pessoas brancas.
Porque só se deixa um legado por cima dos destroços de si mesmo. Infelizmente é esse o custo da luta. Todos e todas aqueles e aquelas que entraram sabem disso.
Hoje vimos alguns de seus destroços. Vimos também como a sua dor foi acolhida pelo corpo jornalístico que eu imagino seja inteiro ou quase inteiro branco. Seria o caso de nos perguntarmos por que é assim.
Existe o risco de que Vini sucumba à tanta dor, sempre existe. Ele não é obrigado a lutar, ele precisa se cuidar. Existe o risco de Vini cansar de jogar e de lutar tudo ao mesmo tempo. Existe o risco de Vini desistir. Uma das perguntas dizia: não desistir jamais. Esse tipo de pressão não é exatamente um elogio. Desistir é sim uma opção, especialmente se os destroços não puderem mais ser remendados.
Da nossa parte o que podemos fazer é seguir falando e lutando por um mundo onde nem a cor da pele, nem o gênero, nem a sexualidade sejam colocados em ordem hierárquica. Um mundo dentro do qual possamos existir igualitariamente.
Viver já é suficientemente difícil sem as injustiças sociais às quais muitos de nós e muitas de nós estamos submetidos. Saber que temos que nos reconciliar com a ideia de que vamos morrer e de que vamos perder grandes amores antes disso é tarefa brutal e negociação constante. Que um dia possamos apenas nos amparar uns aos outros diante dessa consciência de que viver é perder e que nunca mais uma lágrima seja derramada por alguém por conta de sua pele, gênero ou sexualidade.
"O lugar no qual vou me encaixar não vai existir até que eu o crie", James Baldwin
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Quero receber"Imagino que uma das razões para as pessoas se agarrarem a seus ódios tão teimosamente é porque percebem que, uma vez que o ódio é eliminado, serão forçadas a lidar com a dor", James Baldwin
"Quando somos ensinados que a segurança está na semelhança, qualquer tipo de diferença parece uma ameaça", bell hooks
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