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CBF: ideia de "penas duras" contra racismo é importante, mas exige cuidados

Gabriel Coccetrone

24/05/2022 10h33

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Em entrevista ao 'UOL Esporte', o presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ednaldo Rodrigues, se mostrou engajado na luta contra o racismo no futebol. O dirigente, que já havia demonstrado ser favorável a perda de pontos para o clube cujo torcedor pratique atos dessa natureza nos estádios, vai além e quer punições ainda mais pesadas para casos em que a injúria for cometida pelos jogadores, como a suspensão do contrato durante um ano, por exemplo. Para que mudanças nesse sentido sejam implementadas, o comandante da entidade brasileira foca em atualizações no CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) e no RGC (Regulamento Geral de Competições).

Consultados pelo Lei em Campo, especialistas da área aprovam as mudanças propostas pelo comandante da CBF.

"O combate ao racismo no futebol tem de ser enérgico e constante. Não se pode mais admitir ofensas dirigidas a atletas, árbitros, técnicos, dirigentes ou qualquer outra pessoa nos estádios. Agora, sou contrário a punições quanto ao direito de trabalhar, pois fere também um direito fundamental; um direito previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Punição por partidas por jogos, digamos 10/15 jogos já seria suficiente para dar exemplo. Não podemos esquecer que existe as penas previstas no Código Penal, que devem, estás sim, ser mais pesadas (no caso da injúria racial/racismo)", pondera o advogado trabalhista e colunista do Lei em Campo Domingos Zainaghi.

O advogado Rubens Gama, especialista em direito trabalhista, destaca a importância do debate sobre o tema.

"As punições são importantes, mas promover o debate é ainda mais importante. Praticar a escuta. Nosso país é estruturalmente racista. E a mudança precisa ser estrutural, chegar até a mesa de jantar das famílias. O novo presidente da CBF acerta ao ser rigoroso na aplicação do Direito, mas acertará ainda mais se promover o debate tranquilo e realista", avalia.

Filipe Souza, advogado especialista em direito desportivo, explica que é viável e possível o presidente da CBF fazer essa mudança.

"Por força da Constituição Federal e do seu Estatuto Social, a CBF é a única entidade brasileira autorizada, de forma exclusiva, a dirigir e controlar o futebol no território brasileiro. Nesse sentido, se existe um problema recorrente, em relação ao qual as ferramentas existentes para o seu combate não estão sendo suficientes, é oportuno que o Presidente da entidade proponha a discussão sobre outras medidas as serem adotadas, buscando a efetividade. O Estatuto Social da CBF dispõe ser terminantemente proibido qualquer tipo de discriminação ou preconceito por questões de gênero, raça, cor da pele, origem étnica, idioma, religião ou por qualquer outra razão que afronte a dignidade humana. O Presidente precisa utilizar a sua liderança para colocar o assunto em pauta", afirma.

Marcelo Carvalho, criador do Observatório do Racismo do Futebol, acha "ímportantíssima a ideia de endurecer as penas contra racismo, principalmente partindo do presidente da CBF", mas destaca que é importante também "punir os clubes de futebol. A partir dessas punições mais duras aos clubes, eles tomarão medidas mais eficientes de combate ao preconceito."

Uma das ideais de Ednaldo no combate ao racismo no futebol é uma pena bastante rígida para o atleta que praticar alguma atitude desse tipo.

"Quando ficar caracterizado, o atleta tem que ficar no mínimo um ano fora dos jogos. Tem que suspender o contrato durante o ano e nesse período ele fica sem atividade alguma", defende o dirigente.

No entanto, o advogado especializado em direito do trabalho e colunista do Lei em Campo Rafael Teixeira faz um alerta. "Esse tipo de apenação diretamente por Poder Disciplinar do Empregador Desportivo não é possível, pois nem mesmo o ART. 28, parágrafo 7, da Lei Pelé autoriza tal punição. Este dispositivo possibilita a suspensão contratual trabalhista quando o atleta, por culpa exclusiva, se lesiona por atividade não relacionada a sua atividade trabalhista desportiva. Outra exceção seria a suspensão contratual por decisão reflexiva da Justiça Desportiva. Nestes casos, ao invés de o empregador desportivo rescindir o contrato por justa causa, poderia praticar a suspensão contratual para manter o vínculo empregatício desportivo do jogador, evitando a perda do emprego desportivo. Porém, esses casos são excepcionais e até mesmo sobre ele não há uniformidade jurisprudencial e doutrinária. Portanto, exigir que clubes empregadores apliquem por via direta de seus poderes disciplinares uma suspensão contratual, ainda que por manifestação discriminatória de seus tralhadores desportitas, é manifestamente inconstitucional e ilegal. Por isso mesmo, no caso de um jogador de vôlei no ano passado, o empregador desportivo preferiu realizar a despedida com a quitação de todas as verbas - lembrando que o referido atleta de vôlei propalou manifestações homofóbicas em suas redes sociais".

Rubens Gama lembra que alguns clubes "já têm tomado caminhos necessários na proteção de direitos humanos, colocando no contrato de trabalho com atletas as chamadas "cláusulas morais", o que facilita o caminho para uma rescisão contratual em caso de desvio de comportamento.

Ednaldo vê um "atalho" para implementar sanções mais duras nas competições nacionais: sugerir nos conselhos técnicos de cada uma das divisões do futebol brasileiro que a perda de pontos em caso de ofensa de torcedor entre nos regulamentos específicos. No entanto, a ideia encontra resistência. O técnico do Atlético-GO, Adson Batista, por exemplo, acha "um absurdo o clube ser culpado" pelo racismo.

"Posso ser voto vencido [quem vota, na verdade, são os clubes]. Mas aí é só colocar no Regulamento Geral de Competições [feito pela CBF] essa perda de pontos. Estou falando realmente para querer combater (...) Não é querer aparecer. É querer combater o racismo, com bastante ênfase. Não é um paliativo para no dia seguinte ter uma multa e tapinha nas costas. Se a pessoa atira para matar, mas não mata, é homicida de qualquer forma. Racismo é diferente de uma canelada. Fica na mente da pessoa", disse o dirigente.

Diante dos recentes casos de injúria racial no futebol brasileiro e sul-americano, a CBF pretende realizar um seminário sobre violência e combate ao racismo junto à FIFA, em junho.

Mudanças no Código Disciplinar da Conmebol

Neste mês, após pressão de diversos agentes do futebol, inclusive do próprio Ednaldo, a Conmebol fez mudanças em seu Código Disciplinar para casos de racismo em suas competições, com punições mais pesadas para jogadores, clubes e torcedores. A partir de agora, a multa mínima passa a ser de US$ 100 mil (R$ 500 mil) e não mais de US$ 30 mil (R$ 150 mil), além da possibilidade de suspensão e jogos com portões fechados.

Além do aumento considerável da multa, o Código Disciplinar da confederação agora passa a prever a possibilidade de os clubes punidos terem que jogar com portões fechados por um ou mais jogos e terem parte das arquibancadas fechadas, o que não acontecia antes. Já o jogador ou dirigente que "insulte ou atente contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem", poderá ser suspenso por um mínimo de cinco jogos ou por um período de tempo mínimo de dois meses, conforme diz o art.17 do documento.

As novas regras da Conmebol já estão em vigor desde a semana passada, nos jogos da Libertadores e Sul-Americana.

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