Topo

Lei em Campo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como uma guerra e a ONU mudaram a história da Euro de 1992

05/04/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Andrei Kampff

A decisão de "cancelar" a Rússia também do movimento esportivo tem proporções inéditas, mas não é uma novidade dentro do esporte. O caminho político de usar o esporte como instrumento de pressão internacional no necessário combate à Guerra, deixando questões jurídicas em segundo plano, foi tomado também em um caso que mudou a história da Eurocopa de 1992, com a exclusão da Iuguslávia e a entrada da "penetra" Dinamarca.

Mas antes de chegar a história da Euro, uma contextualização se faz necessária.

A década de 90 marcou um momento de grandes conflitos internacionais justamente no leste europeu. Depois da queda do Muro de Berlim e da iminente dissolução da União Soviética, começou um processo de separação entre suas repúblicas, muitos deles violentos. Um dos locais de conflito mais intenso e triste foi na antiga Iuguslávia, com a tentativa de algumas regiões de buscarem independência do governo central do país. Em 1992, o país entrou em uma guerra civil, envolvendo croatas, eslovenos e bósnios

E, diferentemente de agora, quando o próprio movimento esportivo avançou e decidiu banir a Rússia, foram os organismos internacionais que obrigaram o movimento privado do esporte a afastar a Iuguslávia de eventos esportivos de maneira indireta, atingindo em cheio a autonomia esportiva.

O caso da Iuguslávia

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da Resolução 757 (1992) lembrava a "responsabilidade primária pela Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança", obrigando os Estados membros da ONU a tomarem "as medidas necessárias para impedir a participação em eventos esportivos sob sua cobertura territorial de pessoas ou grupos que representem a República Federativa da Iugoslávia". Ou seja, um país membro da ONU não poderia receber equipes do país em guerra.

A Resolução denunciava o desrespeito da antiga Iugoslávia em não permitir acesso à ajuda humanitária, como previa a Resolução. Havia também questões de direitos humanos em pauta, mas elas não avançaram. Assim como o Conselho não levou em consideração a soberania e a nacionalidade segundo a ordem desportiva.

Entendendo a autonomia das entidades esportivas, a Resolução não mencionava as organizações esportivas. Nem precisava para atingir o objetivo. Como o que mais importa na ordem esportiva são suas competições, que sempre serão territorializadas, a determinação de proibir a expressão nacional em eventos esportivos pelos países membros já cumpria sua finalidade também no campo esportivo, limitando a autonomia da lex sportiva sobre seus atores e campeonatos.

Isso aconteceu às vésperas de dois grandes eventos esportivos, a Eurocopa de futebol e as Olimpíadas. Ou seja, UEFA e COI sofrendo irritações provocadas por ordem jurídica externa. E cada movimento tomou um caminho diferente.

UEFA e COI tomam caminhos diferentes

Na esteira da ONU, a FIFA e a UEFA decidiram punir a Iuguslávia e suspender a Federação Nacional de futebol do país. A decisão veio a dez dias do início da competição, com sede na Suécia. "Estávamos prontos para ganhar a Euro", lembrou o volante sérvio Jokanovic, em entrevista ao jornal espanhol El Pais. A Dinamarca herdou a vaga e fez história. Os jogadores que trocaram as férias pelo principal campeonato Europeu de seleções levantaram a taça. A penetra virou a dona da festa. A competição apresentou para o mundo uma geração histórica de talentos dinamarqueses, como Schmeichel, larsen e parceria.

Já o COI, tentando preservar os atletas, encontrou um outro caminho.

Nos jogos de Barcelona 1992, para driblar a determinação da ONU (que a Espanha teria que cumprir) e garantir a universalidade dos jogos, o Comitê se baseou no que hoje é a a Regra 6.1 da Carta Olímpica, Os Jogos Olímpicos são competições entre atletas [...] e não entre países". Assim, criou uma equipe neutra com atletas Iugoslavos, Macedônios e da ex-União Soviética.

Dessa forma, o COI conseguiu proteger atletas e não colocar em conflito a lex sportiva com a lex pública. Afinal, a decisão do Conselho de Segurança, muito embora vinculasse apenas Estados membro, atingia em cheio o esporte. A ONU não dialogou com o movimento esportivo, não respeitando o ordenamento privado e transnacional do exporte.

Este é mais um caso exemplar de momentos do esporte em que diferentes ordens jurídicas se encontram, e aquela que esta do "lado de fora" se sente competente para determinar caminhos que atingirão a organização esportiva. Refletir sobre essas irritações é necessário para entender os limites da autonomia de uma ordem jurídica, que por mais importante que seja jamais será absoluta.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!