Julio Gomes

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Sedes da Copa-30, Espanha e Portugal 'entraram no mapa' após megaeventos

Há países que deixaram de fazer hospitais para construir estádios de futebol. Outros, que ficaram quebrados e tiveram de enfrentar graves problemas por abrigar uma Olimpíada. Outros tantos que sucatearam tudo aquilo que construíram às custas do dinheiro público. A escolha e a realização de grandes eventos esportivos nas últimas décadas são recheadas de histórias tristes para serem contadas. Não foi o caso de Espanha e Portugal, dois dos países que receberão a Copa do Mundo de 2030.

A Fifa anunciou ontem um grande acordo que outorgou aos dois países europeus e ao Marrocos a organização do Mundial que será disputado daqui a sete anos. A Conmebol percebeu que a candidatura sul-americana, que queria trazer a Copa a Uruguai, Argentina e Paraguai, 100 anos após a primeira de todas as Copas, seria derrotada no Congresso da Fifa. Esta coluna apurou que o presidente Alejandro Domínguez preferiu um prêmio de consolação a ficar de mãos vazias. Assim, os três jogos inaugurais serão disputados em Montevidéu (pelo Uruguai), Buenos Aires (pela Argentina) e Assunção (pelo Paraguai). Depois disso, a Copa seguirá na Europa e com uma perna no Norte da África.

A Espanha já sediou uma Copa, em 1982, mas foi outro evento, a Olimpíada de Barcelona, em 1992, que colocou o país no mapa do turismo mundial. Os Jogos revolucionaram Barcelona, a segunda maior cidade espanhola, que virou exemplo de tudo de bom que um evento como este pode trazer. A Espanha, que ainda engatinhava como democracia em 82, já era, dez anos depois, um país estruturado pelos investimentos da União Europeia. Simultaneamente aos Jogos, foi realizada a Expo-92 em Sevilla e os trens de alta velocidade levaram ao sul desenvolvimento e turismo. O país mostrou-se ao mundo da melhor forma possível.

Com Portugal, aconteceu algo parecido com a Eurocopa de 2004 (e a Expo-98, em Lisboa). O país era considerado a periferia da Europa e "entrou no mapa" após organizar um torneio perfeito. Dezenas de milhares de europeus foram a Portugal para a Euro e encontraram um país estruturado, receptivo, sorridente, ensolarado, em que a maior parte das pessoas envolvidas com serviços falava inglês de ótimo nível - muito melhor do que a média de outros países de língua latina, como Espanha, Itália ou França.

O caso da Euro-2004 já foi alvo de vários estudos, que mostram que há um antes e um depois quando se trata de turismo em Portugal - um país que, hoje, tem neste setor possivelmente o principal de sua economia. Em 2004, foram 500 mil turistas a mais que visitaram terras lusitanas em relação ao ano anterior.

Espanha e Portugal precisarão de poucos investimentos em termos de estádios e infraestrutura. Lisboa e Porto, as principais cidades, e o Algarve, principal destino turístico de praia, têm estádios prontos e ótimas condições para receber e abrigar gente do mundo todo. Na Espanha, o Real Madrid transformou o Santiago Bernabéu no estádio mais moderno do mundo e o Barcelona está em plena reforma do Camp Nou. Atlético de Madrid, Espanyol e os dois times bascos, Athletic Bilbao e Real Sociedad, têm estádios novinhos.

Os parceiros da Fifa poderão dar aquela lucrada básica com obras no Marrocos e, claro, as renovações que serão necessárias, mesmo que para um único jogo, em Montevidéu, Buenos Aires e Assunção.

África do Sul, Brasil, Rússia e Qatar receberam os Mundiais de 2010 a 2022. A sequência de Copas em países em que a infraestrutura de estádios (e outras) precisaria ser construída, o que gerou (muito) dinheiro voando para lá e para cá, mostra bem que há um critério para a Fifa escolher sedes para a maior competição do planeta. Mas o Congresso da Fifa, desta vez, iria tomar uma decisão diferente das anteriores: iria escolher a melhor opção. A opção de países já estruturados, ao contrário do que fizera antes, com escolhas duvidosas a troco de muitos "presentes" e subornos - devidamente comprovados pelas autoridades americanas, que ficaram "pistolas" por perderem o Mundial de 2022 para o Qatar.

Vendo que iria cair do cavalo, a Conmebol construiu o acordo para, pelo menos, celebrar o Centenário das Copas no Uruguai e ainda garantir três de seus membros no Mundial - de forma inédita, a Copa já começará com seis seleções previamente classificadas. Alguns meses atrás, tal acordo era impensável. Os sul-americanos aproveitaram o momento para manter a cooperação com a Uefa e ainda se aproximar de países africanos. De quebra, deixou asiáticos também felizes.

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Em vez de precisar esperar até 2038, a Arábia Saudita, que possivelmente será candidata única (salvo ideia diferente por partes dos chineses), já deve receber a Copa do Mundo em 2034. A Fifa condensou em uma só Copa a rotação que deveria ter África, América do Sul e Europa, na sequência. É tudo um grande negócio.

Para os tradicionalistas, e eu não nego que gosto destes simbolismos, é uma pena que a América do Sul não possa receber a Copa do Mundo do Centenário e que não veremos, no Uruguai, Argentina e Paraguai, aquelas invasões maravilhosas que vimos na Copa do Brasil, gerando um ambiente verdadeiramente de futebol nas arquibancadas. Por outro lado, a realidade econômica destes países não facilita.

O fato é que Espanha e Portugal, que já deveriam ter sido escolhidos para 2018, agora ganham a companhia do Marrocos e provavelmente aproveitarão a oportunidade de receber o Mundial, como aconteceu em Barcelona-92 e Euro-2004.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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