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Apaixonada e grata por Madonna: desde criança ela me ensinou a ser mulher

Desde que a Madonna chegou ao Brasil, na última segunda-feira, eu passei a mentir a idade. Mentir não, que eu sou dessas, na verdade eu passei a ter outra idade. Outra nada, que a gente aqui trabalha com excesso. Outras. É sério.

Quando ouço 'Like a Virgin' fico com nove anos. Aí passo para 'True Blue' e vou para os onze. Com 'Like a Prayer' sou praticamente uma adulta, tenho catorze, já danço nas festas, falsifico a identidade para entrar em boates, sou quase uma fora da lei. Ouvindo 'La Isla Bonita' beijo até na boca e tenho certeza de que encontrei o amor da minha vida, um rapaz que tinha acabado de chegar de uma escola de meninos, vejam só.

Sei todas as músicas de cor. 'Into the Groove', 'Material Girl', 'Open Your Heart'. Estou na frente do espelho do meu quarto, comprei um conjunto jeans da 'Yes, Brasil', uso colete e minissaia com tachas coloridas. Minha mãe fica horrorizada. 'Não é para sua idade', ela diz.

Nada era para minha idade. Minha mãe gostava que eu gostasse da Noviça Rebelde, do Mágico de Oz, da Lady Di. No máximo eu estava liberada para gosta de Grease e do Jô Soares. Não se conversava sobre sexo, não era elegante se exibir, não pegava bem ser artista, não se lia Cristiane F. Maquiagem e brilhos eram perspectivas longínquas - e ser uma garota provocante estava totalmente fora de cogitação, só na frente do armário. Na frente do armário, eu era tudo que Madonna ensinava. Eu aprendia português na escola, e imaginava o amor na novela, mas, ser mulher, isso eu aprendi com quatro vinis e uma garota americana com uma pinta perto da boca.

É claro que era tudo muito subjetivo. E, na época, eu nem entendia todas as letras. O que eu entendia - e isso me dava uma imensa vontade de ir em frente - era que existia uma outra possibilidade de estar no mundo, diferente da que era reproduzida em casa, com mulheres no piano , cabelos alinhados, falas mansas e esparsas e roupas comportadas cobrindo pernas fechadas.

Ainda não sei se vou ao show da Madonna, e a real é que não ouço o que ela produz faz algum tempo. Hoje, aos 48, meus espelhos procuram outros futuros, mas a gratidão que eu sinto por Madonna Louise segue intacta.

Lembram do discurso, feito por ela há alguns anos, sobre a coragem de ficarmos perto de mulheres fortes? Nunca esqueci. E pratico o esporte com a seriedade da rebeldia que ela própria me passou.

Madonna, que perdeu a mãe aos cinco anos, exerceu, intencionalmente ou não, uma maternidade fundamental na minha adolescência. Sou, como tantas amigas, grata e apaixonada. Uma delas, e não atoa a mais genial de todas, a escritora Fernanda Young, colocou o nome de uma de suas filhas de Cecilia Madonna.

No velório da Fernanda, aliás, poucos minutos antes de uma despedida que ninguém imaginava que aconteceria tão cedo, alguém colocou pra tocar, senão me engano, 'Lucky Star'. No meu, aviso aos navegantes, acho que vou querer 'Live to Tell'. Ou 'Material Girl'.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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