Débora Falabella expõe falhas no acolhimento de vítimas de estupro
São raras as celebridades que se posicionam claramente no combate à violência contra a mulher. Criticar a estrutura dominante é arriscado.
Débora Falabella assume o risco de propor uma mudança de paradigma em "Prima Facie", peça que estreou nesta semana no Rio de Janeiro, com direção marcante e segura de Yara de Novaes.
Ao levar ao palco a história de uma advogada criminalista que defende violadores sexuais e humilha mulheres, ela cutuca um modus operandi em voga em boa parte do mundo.
Nesses crimes, os papéis se confundem, e é a mulher quem vai parar no banco dos réus, justificando seu comportamento, suas escolhas e sua reação à violência.
Acusados se fazem de vítimas e, com a ajuda de advogados — e advogadas — inescrupulosos, questionam a credibilidade das sobreviventes, procurando nelas, e não neles, as causas da violação.
O monólogo de Débora, escrito originalmente em inglês pela ex-advogada Suzie Miller, nos leva a examinar esses dois pontos de vista: o da criminalista treinada para abater a vítima e inocentar o acusado, e o da sobrevivente esmagada ao denunciar e tentar impedir o agressor de violentar outras pessoas.
O objetivo da peça é mais do que comover e provocar um exercício de empatia. É propor uma mudança radical num sistema que falha com as mulheres. Um sistema construído e mantido por homens, e que vem ajudando a perpetuar os crimes que não desejam parar de cometer.
Eles mais do que escapam da punição: seguem a vida como se nada tivesse acontecido, enquanto a vítima lida com os traumas e as consequências, na vida pessoal e profissional.
E assim a cantora pop escolhe como instrumentista um ex que já foi denunciado na Maria da Penha; o público desculpa as violências do ator galã tão bonito e carismático que na verdade só tinha um problema com drogas; e vai ao cinema prestigiar uma autora feminista levada às telas por um assediador.
E assim vamos ficando sem coragem, diante de denúncias que dão em lugar nenhum.
E não é sobre cancelamento ou vingança. É sobre criar e manter um ambiente seguro não só para as mulheres viverem e trabalharem, mas também para saírem do silêncio. É sobre parar de fazer vista grossa e escolher uma posição.
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