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Julio Gomes

REPORTAGEM

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Champions League tem confronto inédito entre 'velha guarda' e 'novos ricos'

Neymar e Mbappé comemoram gol do PSG na Champions League - David Ramos/Getty Images
Neymar e Mbappé comemoram gol do PSG na Champions League Imagem: David Ramos/Getty Images

18/03/2021 04h00

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Em 1905, foi fundado o Chelsea Football Club. Em 2003, refundado. Em 1880 foi fundado, e em 1894 nomeado, o Manchester City Football Club. Em 2008, refundado. Em 1970, bem mais tarde que os ingleses, foi fundado o Paris Saint-Germain Football Club. Em 2011, refundado.

Os três estão nas quartas de final da Liga dos Campeões da Europa, que definiu ontem os oito candidatos remanescentes. É a primeira vez que eles chegam ao mesmo tempo nas quartas, um sinal dos novos tempos do futebol europeu. Com eles, estão clubes do porte de Real Madrid, Bayern de Munique e Liverpool, três dos maiores campeões da história e que já estiveram muitas vezes nesta fase.

Quem nasceu nos anos 90 ou neste século, talvez não se lembre de um futebol europeu em que estes três clubes - Chelsea, City e Paris - não faziam parte do cenário internacional. Sempre foram camisas importantes localmente, com história, com torcida, mas não com protagonismo europeu.

O Chelsea, representante de uma zona rica de Londres, era o campeão inglês de 1955. O City, conhecido por ser o primo pobre de Manchester e por ser o "time do Oasis", havia vivido suas glórias principais no fim da década de 60, com um título nacional, uma FA Cup e uma Recopa da Europa. O PSG, representante de uma capital europeia importantíssima (mas que não vive só de futebol), também campeão de uma Recopa apenas e somente duas vezes campeão francês.

Eles "existiam", mas não eram protagonistas. Disputar coisas grandes internacionalmente? Isso era coisa de outros. Dos Liverpools, Uniteds, Milans, Juventus, Barças, Bayerns e Madrids da vida.

Podemos olhar para a história do futebol como um todo. Mas podemos também fazer recortes. E, se fizermos um recorte do século 21, não é possível ignorar estes três. De formas parecidas, eles foram alçados a uma condição que não tinham antes. O Chelsea, comprado pelo magnata russo Roman Abramovich; O City, adquirito por um grupo de investimentos da família real de Abu Dhabi (Emirados Árabes); e o PSG, comprado praticamente pelo governo do Catar, através também de um fundo de investimento.

Muitos clubes foram adquiridos neste período, muitos fracassaram. Mas em nenhum jorrou tanta grana como nestes três. Não são patrocínios eventuais, engana-se quem considera que Chelsea, Man City e PSG se transformaram em grandes "artificiais" com prazo de validade e que desaparecerão. Foram comprados, os investidores fizeram o que consideravam importante para seus negócios, globalizaram as marcas e as transformaram em potências esportivas.

Tão importante foi este movimento que a Uefa implementou o tal fair play financeiro - que ainda é mais uma bela teoria do que prática - para colocar algum tipo de amarra.

O fato é que, gostem ou não, o alto nível de investimento colocou os três clubes na disputa pelos maiores títulos da Europa e gerou uma situação em que a "velha guarda" precisou encontrar maneiras de competir financeiramente. O ponto que pode ser considerado positivo foi a construção de verdadeiras máquinas de jogar futebol e a consolidação da Champions League como uma espécie de NBA do esporte mais popular do mundo. O ponto negativo, sem dúvida, é o grande abismo que se abriu entre um punhado de clubes de elite e o resto, gerando desequilíbrio - notado principalmente nas ligas domésticas.

Em comum aos três projetos, o desejo de ganhar a Europa. O Chelsea conseguiu o feito uma vez, em 2012, nove anos depois da compra de Abramovich. Ao City e ao PSG, a Champions ainda resiste 13 e 10 anos depois.

O City está em sua décima Liga dos Campeões seguida e conseguiu atingir a semifinal em 2016. O PSG havia jogado a máxima competição europeia apenas cinco vezes em sua história, chegando à semifinal em 1995. Desde que foi comprado pelo Catar, disputa agora pela nona seguida e atingiu a final no ano passado - no caminho, realizou as duas maiores compras da história do futebol (Neymar e Mbappé).

Depois de tanto tempo, tantos títulos (inimagináveis no século passado), tantos bilhões, chegamos pela primeira vez a uma fase de quartas de final de Liga dos Campeões da Europa em que os três estão vivos simultaneamente.

Se voltarmos 20 anos no tempo, a abril de 2001, encontraremos quartas de final da Champions com três ingleses: Manchester United (óbvio), Arsenal (também) e Leeds United, um clube médio do país, mas com história bem mais vencedora e relevante que as de Chelsea e City. Hoje, também são três ingleses. Ao lado dos dois "novos ricos", quem tem a chance de ser campeão europeu é o Liverpool.

Clube que foi o maior campeão inglês por muito tempo e demorou para se adaptar aos novos tempos - mas conseguiu. Quebrou o jejum de 30 anos sem o título nacional e segue sendo o inglês mais vezes campeão da Europa (6).

O Liverpool faz parte da "velha guarda", que tem também o Real Madrid (13 vezes dono da Europa) e o Bayern de Munique (6 vezes) nas quartas de final. Lembram-se que comentei da Champions de 20 anos atrás? Real e Bayern estavam lá, jogaram a semifinal. Porto e Borussia Dortmund completam a lista atual, e até mesmos estes dois podem ser considerados clubes mais tradicionais na Europa - o Porto, campeão em 87 e 2004, o Borussia vencedor em 97.

O tempo passa, e hoje é até esquisito ainda rotular o Chelsea como um "novo rico". Afinal, lá se vão 18 anos, a "era Abramovich" até já atingiu a maioridade. Mas o Chelsea será, para sempre, o primeiro de todos. O primeiro clube mudado de patamar esportivo de forma abrupta, por um fator financeiro externo, desafiando a "pureza" do esporte, sob desconfiança e até desprezo dos rivais.

Certamente todos os grandes clubes europeus passaram por alguns processos que os catapultaram. No fim, nem nos lembramos mais deles. O fato é que eles cresceram, ganharam coisas, ganharam fama, adeptos, construíram suas brilhantes histórias. Assim como Chelsea, City e Paris estão construindo e enriquecendo as deles.

Chegamos a uma Champions League 2020/2021 com um desenho muito marcado do que é o futebol europeu de hoje: três clubes que foram comprados e investem "a fundo perdido"; três clubes super tradicionais, campeões, que souberam se manter na elite (ou voltar para ela, no caso do Liverpool) nesta era de futebol globalizado e vultosas somas de dinheiro; um clube, o Borussia, que chegou praticamente a quebrar, mas se recuperou e se posiciona com firmeza em um mercado forte; e o Porto, que é quase um representante do romantismo, dos tempos em que clubes portugueses desafiavam qualquer um na Europa.

Os grandes favoritos ao título são um representante de cada lado: o Bayern de Munique é o atual campeão da Europa e do mundo e melhor time desta "velha guarda"; o Manchester City é quem melhor joga entre os "novos ricos" e tem o técnico mais badalado do século, Pep Guardiola.

Ninguém ousa desconfiar de Real Madrid ou Liverpool, pelas camisas, pelo histórico vencedor. Muitos olham de soslaio para Chelsea e PSG - apesar de possivelmente terem elencos até melhores, não têm a "tradição".

Dos oito sobreviventes, somente City e PSG nunca tiveram o gosto de levantar a orelhuda. A vez dele chegará, é quase inevitável. Mas será em 2021?