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Diego Garcia

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Garcia: Em série, Neymar pai repete vida real e aparece mais do que deveria

Documentário de Neymar Jr. mostra a relação entre pai e filho, dentro e fora dos campos    - Grupo CARAS
Documentário de Neymar Jr. mostra a relação entre pai e filho, dentro e fora dos campos Imagem: Grupo CARAS

Colunista do UOL

29/01/2022 10h46

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Dediquei a sexta-feira para assistir ao documentário "Neymar: o caos perfeito", no ar desde terça na Netflix. Já havia lido críticas a respeito, especialmente sobre a relação do atleta com o pai de mesmo nome. Confesso que não me surpreendi com o fato de o empresário ter, lamentavelmente, quase o mesmo destaque que o jogador durante os três episódios. E isso não é culpa dos produtores da série.

Logo no começo do episódio 2, por exemplo, o pai justifica o protagonismo na carreira do filho - que, quase um veterano, completará 30 anos neste mês de fevereiro - por julgá-lo ingênuo. "Minuto a minuto, não posso desistir dele, pois vai ser corrompido por alguma coisa, manipulado por alguma coisa, pela inocência que ele é", disse o empresário.

A declaração ocorreu em conversa com a equipe da NR Sports - que gerencia a imagem do atleta. Nela, ele ainda mencionou que, se todo o trabalho da empresa for por água abaixo em algum momento, existe uma pessoa que pode ser considerada culpada: "Só o Neymar (Júnior) pode estragar tudo isso".

E assim, em quase 3 horas de obra, o documentário vai ofuscando o atleta e mostrando uma carreira que chega cada vez mais perto do fim ainda com a sombra do pai. No primeiro episódio, contei cerca de 20 aparições do Neymar sênior com declarações gravadas pela direção do documentário. Sem contar os flashbacks, o atleta apareceu tantas vezes quanto.

Para efeito de comparação, a mãe, Nadine, só deu as caras em 3 oportunidades, que beiram 30 segundos. No caso de Neymar pai, só no primeiro episódio foram mais de 5 minutos dedicados às opiniões controversas do homem responsável pela carreira do mais importante jogador de futebol brasileiro dos últimos 12 anos.

Em todas as suas aparições, mostrou muito do que já sabíamos: sua personalidade controladora, com Neymar desde criança tendo todos os passos calculados e programados pelo pai. Um ex-jogador frustrado, mas um empresário astuto e feroz, que viu no filho genial não só a chance de fazer fortuna e realizar os próprios sonhos, mas também sustentar a família.

"Mesmo o futebol não tendo me dado sucesso e dinheiro, percebi que meu filho seguia o mesmo caminho [do futebol]", falou em uma ocasião. "Vi a oportunidade de trazer benefícios para minha família, foi nosso primeiro milhão", completou, em outra, ao analisar a recusa de Neymar, ainda aos 14 anos, em jogar no Real Madrid.

No caso, a família ganhou R$ 1 milhão para Neymar continuar no Santos, dando uma condição de vida melhor para todos.

Nesse momento da série, também foi possível identificarmos um lado de Neymar Júnior já conhecido do público: o de que o futebol nunca foi a única prioridade. "Saudades dos amigos, da escola", explicou o menino que, dias antes, visitou o Real Madrid e foi apresentado aos craques galácticos do clube, como David Beckham, mas recusou.

Falando nos amigos, é interessante como os "parças" de Neymar são completamente ignorados no documentário. Pessoas importantes na vida pessoal e no dia a dia do jogador desde a infância, e que apareceram de pano de fundo em vários registros pessoais ao longo da série, não foram ouvidas em nenhuma oportunidade entre os entrevistados.

O único momento que são mostrados sem o anonimato é no início do segundo episódio, quando Neymar apresenta Joclécio, Gil Cebola e Bruninho (sim, o do vôlei). Mas nenhum dos três teve a oportunidade de falar. Os dois primeiros, inclusive, moram na Europa com o jogador desde sempre e são parte integrante do seu staff pessoal. Unha e carne.

Eles e outros, como Gustavo, Chris Guedes, Vitinho e Guilherme Pitta, aparecem na casa, nas festas, aniversários e eventos próximos de Neymar. São figurinhas carimbadas no Instagram do jogador há anos, considerados seus melhores amigos antes mesmo de o atleta chegar à seleção brasileira. Mesmo assim, foram deixados de lado. Nem uma palavra.

Outro tema que chama a atenção de forma negativa são as tentativas de comparar Neymar a um super-herói. As menções ao Batman, além de um quadro na parede onde o camisa 10 aparece metade como o Homem-Morcego, metade como o vilão Coringa, são forçadas. "É um herói possível", diz o pai. Não: Neymar é apenas um jogador de futebol.

Enquanto isso, o protagonismo de Neymar, o pai, seguiu até o fim do documentário. Com tanto espaço quanto o filho, ou até mais, para falar sobre a carreira e, principalmente, a imagem do jogador, ele ditou o ritmo da produção tanto quanto os feitos em campo. Talvez, a série não traga o "Júnior" no nome justamente por não tratar apenas do atleta.

As polêmicas extracampo são mostradas, mas, convenhamos, nada do que já não era sabido do público, como a acusação de estupro de Najila - ao qual o atleta foi inocentado -, a briga com Renê Simões, a malcriação após o ouro olímpico, as rusgas no PSG, entre outras.

Já o entrevero que tirou Neymar da Nike - que o patrocinava desde os 13 anos de idade, o mais jovem a virar parceiro da gigante americana - também foi ignorado. Lembremos que outra acusação de assédio está por debaixo dos panos da polêmica rescisão que fez o jogador assinar com a Puma.

Uma das únicas novidades do documentário, como já tratado em outras crônicas, é o distanciamento do jogador e seu pai. Em certo episódio, por exemplo, o filho reclama da forma agressiva como o progenitor trata as pessoas, como empregados e até seus amigos. Diz que não faria o mesmo e condena o jeito do empresário. "Eu não falaria assim", diz.

Mas isso também já era conhecido. Em 2018, por exemplo, Neymar pai se sentiu no direito de destratar uma repórter da Folha de S. Paulo que apenas lhe telefonou para fazer uma pergunta. E ouviu uma resposta destemperada, arrogante e agressiva, vinda de um empresário multimilionário falando com uma mulher que apenas estava trabalhando.

Ao ouvir a reclamação do filho, o pai, então, dá de ombros e questiona, dizendo que ele não escuta as pessoas. Neymar Júnior encerra dizendo que prefere "acatar tudo para evitar os conflitos". É aí que me pergunto: qual é o problema em discordar de alguém, mesmo que seja seu pai? Não será hora de o melhor jogador do país perceber que pode seguir só? Antes que seja tarde?

Dois de seus amigos mais consagrados fizeram isso e colheram bons frutos. Lewis Hamilton, multicampeão na F1, foi um deles, ao romper com o pai há alguns anos. Gabriel Medina, atual campeão mundial de surfe, o outro, ao abandonar a gestão familiar. Quando o ambiente é, de alguma forma, tóxico, as coisas precisam mudar. Pelo bem de todos.

Por outro lado, o próprio pai deixou claro que não irá largar o osso. Avisou, por exemplo, que não quer o filho como apresentador de TV ou comentarista após encerrar a carreira. Já estipulou que irá sucedê-lo na administração da NR Sports. E avisou: "enquanto estiver do lado dele, não vou desistir. E tenho certeza que ele não vai desistir de mim".

Assim, a série deixa a todo o tempo - à medida em que vemos como o jogador jamais chegou ao patamar esportivo esperado - a sensação manifestada por Juca Kfouri, colunista do UOL: "Neymar é um caso clássico de alguém que não chegou no limite do seu talento". Às vésperas de completar 30 anos, não foi o melhor jogador do mundo. E dificilmente será.

Talvez, a distância do topo possa ser explicada pela influência sempre controladora do pai, com sua visão do filho como um negócio e um reflexo dos próprios sonhos frustrados. E também, mas principalmente, do jogador, que acata as decisões alheias e ainda faz questão de enfatizar que tem uma vida fora do futebol, ao qual pretende viver intensamente.

No fim das contas, convenhamos, tudo se trata da mesma coisa: escolhas...