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'Herói do título argentino' cresceu no Pulmão Verde de Buenos Aires

Montiel converte pênalti que dá o título da Copa do Mundo para a Argentina - REUTERS/Hannah Mckay
Montiel converte pênalti que dá o título da Copa do Mundo para a Argentina Imagem: REUTERS/Hannah Mckay

Tainah Ramos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

23/12/2022 05h00

Graças a memorável final da Copa do Mundo entre Argentina e França, um nome, menos conhecido que Messi ou Di María, vai ser levado para a história do futebol: Gonzalo Montiel.

O lateral argentino começou a partida no banco de reservas. Na verdade, até aquela cobrança de pênaltis, ele havia disputado apenas 88 minutos da competição — menos do que uma partida completa.

Montiel foi quem marcou o gol na última cobrança de pênaltis da partida, o que que garantiu o tricampeonato dos hermanos, colocando-o no rol dos heróis da Copa. O que poucos sabem, no entanto, é que Gonzalo Montiel foi criado no município de Virrey del Pino, no distrito de La Matanza, a 39 quilômetros da capital Buenos Aires.

Uma região que tem enfrentado uma batalha para salvar o "Pulmão Verde" de Buenos Aires, ameaçado pela construção de uma rodovia.

Um bairro de migrantes e áreas contaminadas

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A organização 'Comunidad por el Pulmón Verde Esperanza' luta pelo meio ambiente, na região onde foi criado o lateral argetino Gonzalo Montiel.
Imagem: Divulgação

Em Virrey del Pino, desenrola-se uma das principais lutas socioambientais da história da Argentina. Trata-se da contaminação do rio Matanza - Riachuelo, que corta a região e é um dos dez rios mais contaminados do mundo, de acordo com o ranking elaborado pelas organizações Green Cross International e Blacksmith Institute, publicado em 2013.

Uma década depois, os problemas com a poluição de suas águas continuam. Com 64 quilômetros de extensão, o Matanza-Riachuelo nasce em Buenos Aires e é afetado há mais de um século, com falta de saneamento básico, atividade industrial e descarte de lixo a céu aberto. A demora do Estado em resolver o problema está diretamente ligada a quem vive na área, uma população majoritariamente pobre.

"São zonas de bairros operários, povoados nos últimos 60 anos, com imigrantes bolivianos e paraguaios e migrantes do interior da Argentina", afirma David Pajón, morador do bairro Esperanza e integrante da Comunidad por el Pulmón Verde Esperanza, um grupo de vizinhos que defende o território nativo da região.

Pulmão verde de Buenos Aires

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Lar do lateral argentino Gonzalo Montiel, La Matanza luta para preservar "Pulmão Verde" de Buenos Aires
Imagem: Divulgação

O nome escolhido pela vizinhança representa, de fato, o que defendem: um "pulmão verde", entre os últimos da Grande Buenos Aires. Os dados da Direção Geral de Estatística e Censos do Governo da Cidade de Buenos Aires mostram que, em 2021, para cada mil habitantes, há 0,67 hectares de espaço verde — o que não chega a um campo de futebol.

No entanto, essa superfície verde está ameaçada por uma enorme obra de infraestrutura, justamente o que fez com que esses vizinhos, que não se conheciam, se unissem em meados de 2021.

A Autopista Presidente Perón, projetada pelo Ministério de Obras Públicas da Argentina, tem o objetivo de construir 83 quilômetros de estrada para conectar 12 municípios da Província de Buenos Aires. Como explica David Pajón, a obra afeta diretamente o Pulmão Verde, que tem uma área de 184 hectares. A Rota Nacional Número 3 comunica do Sul ao Norte da província, da Terra do Fogo ao rio Matanza, na região do Pulmão.

"O laranja e o vermelho são a área [indicada no mapa abaixo] onde vai passar uma nova rodovia. Claro que uma rodovia é um progresso para todos nós, mas também significa a destruição de lugares verdes, que é o que queremos defender. É importante proteger todo esse pedaço verde, que é o Pulmão", afirma.

A bióloga Zulma Pereira, integrante do movimento, aponta que a rodovia é um grande desenvolvimento para a região. "No entanto, para nós, é de grande importância o funcionamento que tem o ecossistema desse espaço verde, porque já se trata de uma região superpovoada. Estamos falando de uma localidade dentro de La Matanza, na Província de Buenos Aires, que é superpopulosa e na qual não existem espaços verdes e zonas de oxigenação."

"Não somos loucos".

Em busca da defesa do lugar onde vivem, a Comunidad por el Pulmón Verde Esperanza promove caminhadas pelo local, convidando mais vizinhos para conhecer a luta, oferece palestras nas escolas para contar sobre a flora e fauna nativa. Eles também realizam a ocupação do Pulmão com aulas de yoga e teatro, além de fazer jornadas de limpeza, em que retiram o lixo do local. Há ainda trilhas de identificação de aves, uma vez que ali existem espécies que são encontradas em outros lugares.

O chamado que esse grupo de vizinhos sente deixa uma lição para aqueles que desejam se engajar na luta por suas comunidades. "Não somos loucos, somos simplesmente pessoas que lutam com companheiros para que possa existir harmonia com a natureza. Um mundo sem árvores, sem água e sem terra fértil é inútil. Ter um celular ou um carro super luxuoso é inútil sem nem ter água potável para beber."

Zulma define a importância do que fazem por Virrey del Pino, que tem exportado nomes para a história como Gonzalo Montiel: "Somos vizinhos que moram em um lugar pequeno, em um cantinho da Argentina, muito populoso, mas ainda pequeno. Somos como muitas outras pessoas do país e da América que estão lutando por seus lugares".