Ambulatório em Niterói é referência no atendimento à população transgênero
A moradora de São Gonçalo (RJ) Keith, 23, acordou cedo para ir pela primeira vez ao ambulatório de Atenção à Saúde da População Travesti e Transexual João W. Nery, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Ela, que se identifica como travesti desde os 16 anos, procurou o atendimento em busca de tratamento hormonal e para dar início ao processo de retificação do nome social.
Keith é uma das 397 pessoas cadastradas na policlínica. O espaço conhecido como "ambulatório trans" se tornou uma referência na cidade e região. Os atendimentos são agendados, mas também são feitos por demanda espontânea quando necessário, conforme relata Marcelo Prata, coordenador e assistente social. "A população trans feminina, principalmente, cuja situação financeira é mais difícil, se vier eu atendo. Não vou pedir para a pessoa que não tem dinheiro voltar outro dia", explica.
Uma vez por semana, o ambulatório oferece orientação para vários serviços e acompanhamento médico por meio de uma equipe multiprofissional composta por assistente social, psicóloga, endocrinologista, enfermeira, recepcionista e uma estagiária em nutrição.
Marcelo aponta que o público é composto principalmente por meninos trans. "Eles se organizam mais em grupos e vão se comunicando; para as meninas trans essa integração é mais difícil, até pela questão da maior vulnerabilidade social", afirma.
Passo a passo e principais demandas
Uma das principais demandas no ambulatório é pela terapia hormonal e retificação do nome social, seguido pela cirurgia de redesignação sexual. Após o agendamento por telefone, é feito um cadastro e um atendimento com perguntas específicas para entender se a pessoa está incluída em programas assistenciais do governo e se está fazendo algum acompanhamento de saúde, visto que se trata de uma população com dificuldade de acesso a essas áreas.
"Muitas pessoas não sabem os direitos dela, como o cartão do SUS (Sistema Único de Saúde) com o nome social, Cadastro Único para ter acesso ao Bolsa Família e outros programas", afirma Marcelo.
Para a realização de exames para o tratamento hormonal, o encaminhamento é dado pela enfermagem; em seguida, o endocrinologista avalia os resultados e fornece a receita. Diante de um requerimento para a cirurgia, é necessário um acompanhamento multidisciplinar por pelo menos um ano para a emissão de laudos exigidos pelo sistema de saúde.
Camile Ferraz, psicóloga do ambulatório, ressalta a importância do acompanhamento também para quem faz uso de hormônios. "Isso provoca algumas alterações de humor e mudanças no corpo", explica. Camile auxilia o paciente a lidar melhor com essas oscilações, e o serviço social identifica as necessidades de cada um.
Boas iniciativas devem ser copiadas
A criação do ambulatório João W. Nery, em 2018, partiu de uma reivindicação dos movimentos LGBTQIA+ de Niterói junto à Secretaria de Saúde. No estado, só havia serviços públicos para a população trans no HUPE (Hospital Universitário Pedro Ernesto) e IEDE (Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione).
Administrado pelo município, o ambulatório tem atendido mais pacientes de fora, principalmente da região dos Lagos, São Gonçalo, Maricá e Baixada Fluminense. No dia em que a reportagem de Ecoa esteve no local, uma família de Macaé (RJ) aguardava atendimento para o filho.
"O nosso atendimento é muito acolhedor, e também tem poucas referências no Rio, então a gente acaba absorvendo as localidades ao redor", explica Camile sobre a demanda.
Como boas iniciativas merecem ser replicadas, a equipe da prefeitura de Cabo Frio, na região dos Lagos, já esteve no ambulatório com o plano de desenvolver um igual na cidade. Nova Iguaçu (Baixada Fluminense) e São Gonçalo também pretendem criar um serviço baseado no modelo de Niterói. Espera-se que a abertura desses espaços contribua para reduzir o alto fluxo de atendimentos na unidade de Niterói e facilitar o deslocamento de usuários que moram em regiões mais distantes — muitos precisam pegar dois ônibus para chegar ao local.
Na opinião de Marcelo Prata, para que ações como essa sejam reproduzidas em outros lugares é essencial uma articulação entre os movimentos LGBTQIA+ e a Secretaria de Saúde para entender as demandas da comunidade trans, além de uma equipe composta pelas áreas de serviço social, psicologia e endocrinologia.
A carência de profissionais, no entanto, é um desafio: "Nós temos uma dificuldade de achar endocrinologistas que queiram trabalhar com essa população, tanto no âmbito público como privado", afirma.
Caminho de esperança
No primeiro semestre de 2021, o Brasil registrou a morte de 89 pessoas trans, sendo 80 assassinatos e 9 suicídios, segundo dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil). O país lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis. A expectativa de vida da população é de apenas 35 anos no Brasil.
Assim como todas as mulheres e homens trans no país, Keith, a moradora de São Gonçalo citada no início da reportagem, sonha com um futuro longe das estatísticas. Ela cursa enfermagem à noite e trabalha há dois meses como cuidadora de idosos.
A ANTRA disponibiliza uma lista de unidades de saúde no Brasil que possuem núcleos de atendimento à população transexual. Acesse aqui.
Onde encontrar:
Ambulatório João W. Nery
Policlínica de Especialidades Sylvio Picanço
Av. Ernani do Amaral Peixoto, nº 169, 4º andar, centro - Niterói - Rio de Janeiro.
Atendimento às quartas-feiras.
Agendamento pelo telefone: (21) 2612-8184
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