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O que é o PL 490 e como ele afeta a vida dos povos indígenas?

Indígenas da Terra Indígena Jaraguá paralisam a rodovia Bandeirantes em protesto contra projeto do marco temporal  - Bruno Santos/ Folhapress
Indígenas da Terra Indígena Jaraguá paralisam a rodovia Bandeirantes em protesto contra projeto do marco temporal
Imagem: Bruno Santos/ Folhapress

Carol Castro

Colaboração para Ecoa, do Rio de Janeiro

07/07/2021 06h00Atualizada em 30/05/2023 12h18

Na manhã desta terça-feira (30), indígenas guaranis se reuniram para protestar contra a PL 490 na rodovia Bandeirantes, em São Paulo. A tropa de choque foi acionada e dispersou o protesto com bomba de gás e bala de borracha.

Os manifestantes cantaram e estenderam faixas contra o projeto de lei, que foi aprovado com urgência na última quarta-feira (24). A revolta acontece por acreditarem em retrocesso na área ambiental e nos direitos dos povos indígenas com a lei.

O que significa o PL 490?

O projeto de lei foi protocolado pelo então deputado federal Homero Pereira, pelo PR de Mato Grosso, em 2007, com a proposta de alterar o Estatuto do Índio (Lei n° 6.001), promulgado em 19 de dezembro de 1973.

Brasileiros protestam contra o projeto de lei do marco temporal no tapete vermelho do Festival de Cannes - Divulgação - Divulgação
Brasileiros protestam contra o projeto de lei do marco temporal no tapete vermelho do Festival de Cannes
Imagem: Divulgação

Naquela legislatura, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural deu parecer positivo ao PL, com a justificativa de que qualquer terra poderia acabar nas mãos dos povos indígenas. Já a Comissão de Direitos Humanos o rejeitou por considerar o PL uma tentativa de acabar com as demarcações de terras.

De lá para cá, projeto recebeu 13 novos pontos e foi arquivado e desarquivado três vezes. Agora, com o requerimento de urgência, o PL 490 poderá ser votado no plenário diretamente, e a previsão é que isso ocorra nesta terça-feira (30).

Quais são os principais pontos do PL 490?

O texto do PL prevê alterações nas regras de demarcação de terras indígenas. De acordo com a Constituição, essas demarcações devem ser feitas pela União, por meio da abertura de um processo administrativo pela Funai, com equipe técnica multidisciplinar, que inclui um antropólogo.

Não há necessidade de comprovar a data da posse da terra, uma vez que os indígenas são os povos originários, ou seja, já estavam por aqui quando os europeus chegaram.

Em Brasília, indígenas protestam contra marco temporal - Raissa Azeredo | Aldeia Multietnica - Raissa Azeredo | Aldeia Multietnica
Em Brasília, indígenas protestam contra marco temporal
Imagem: Raissa Azeredo | Aldeia Multietnica

O PL 490, no entanto, cria um "marco temporal": só serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Novos pedidos que não tiverem essa comprovação serão negados, caso a lei seja aprovada, e o processo de aprovação caberá ao Congresso - e não ao Executivo. Além disso, fica proibida a ampliação das reservas indígenas já existentes.

Outro ponto que altera a Constituição é quanto ao uso exclusivo dessas áreas pelos povos tradicionais. As novas regras abrem espaço para a exploração hídrica, energética e mineração e garimpo, expansão da malha viária, caso haja interesse do governo, e libera a entrada e permanência das Forças Armadas e Polícia Federal, sem a necessidade de consultar as etnias que ali habitam.

Fica também liberado o cultivo de plantas geneticamente modificadas em terras indígenas e o contato com povos isolados em territórios de "utilidade pública".

O cantor Vitão durante manifestação contra o Marco Temporal em Brasília - Tuane Fernandes/Greenpeace - Tuane Fernandes/Greenpeace
O cantor Vitão durante manifestação contra o Marco Temporal em Brasília
Imagem: Tuane Fernandes/Greenpeace

Quais os riscos do PL 490 aos povos indígenas?

O primeiro deles é o fim das demarcações de terras. Todos os processos não concluídos precisarão atender aos novos critérios: ou seja, os povos terão de comprovar que estavam ali desde a promulgação da Constituição.

"É uma descaraterização do artigo 231, da atual política indigenista. Analisando todo o processo de colonização e ocupação, precisamos considerar que nós, indígenas, estávamos aqui desde antes de 1500", argumenta Maurício Terena, indígena do Povo Terena de Mato Grosso do Sul, e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. "A tese do marco temporal exclui todo o processo histórico do Brasil, de expulsões violentas de nossas terras."

O fim do uso exclusivo das terras pelos povos indígenas e a permissão do garimpo e mineração pode acabar com o meio ambiente.

"Estudos demonstram cientificamente que os territórios tradicionais protegem mais os recursos naturais e o meio ambiente. A bancada ruralista está de olho nesses recursos - e o agronegócio, da forma como é feito no Brasil, causa desmatamento e queimadas", defende Terena.

Mensagem escrita com 380 lâmpadas de led em frente ao STF em Brasília para pedir que a corte rejeite o marco temporal  - Scarlett Rocha/ Apib - Scarlett Rocha/ Apib
Mensagem escrita com 380 lâmpadas de led em frente ao STF em Brasília para pedir que a corte rejeite o marco temporal
Imagem: Scarlett Rocha/ Apib

Abrir brecha para contatar povos isolados pode acabar com essas populações - além disso, não há uma especificação do que seria "utilidade pública".

"Leia-se utilidade pública como interesse econômico e financeiro. Nossos parentes tratam como o PL do genocídio, já que o Brasil é o país com maior contingente de povos isolados", explica Terena. "Basta ver a quantidade de mortes em massa que os portugueses criaram. Esse contato traz uma série de novas doenças ao nosso povo."